INSCRIÇÕES ABERTAS PARA O VESTIBULAR DE VERÃO 2025 Fechar
 

A internet foi recebida e incorporada à rotina da maior parte do mundo com relativo entusiasmo – ou até, de certa forma, euforia. Agora, o mundo se comunica livremente com mais pessoas, a imprensa não tem mais o monopólio das informações e o compartilhamento de cultura e ideias rompeu barreiras inimagináveis. A sociedade, em escala global, parece caminhar para um futuro mais democrático, calcado no avanço da tecnologia no dia-a-dia. Mas apenas aparenta. Em Cypherpunks – Liberdade e o Futuro da Internet (Boitempo Editorial), Julian Assange dá um banho de água fria nos entusiastas ao expor um a: o de que a internet “está sendo transformada no mais perigoso facilitador do totalitarismo que já vimos”.

Sob asilo político na embaixada do Equador inglesa, Assange tem na internet sua maior ferramenta de comunicação com o mundo. Foi também por meio dela que vem provocando grupos e governos poderosos com a plataforma que fundou, o Wikileaks, considerada uma ‘’organização terrorista’’ por divulgar informações sigilosas ao público e à imprensa. Não é então de um homem avesso à internet que vem essa visão apocalíptica do avanço da tecnologia, mas de alguém que alega ter conhecido o “novo Estado da vigilância” da perspectiva de um combatente.

Escrito em forma de diálogos com outros três ativistas (Jacob Appelbaum, Andy Müller-Maguhn e Jéréme Zimmermann), o livro apresenta uma análise de estrutura e conjuntura da internet e das ameaças provenientes dela. A situação é descrita como uma “nova distopia transnacional”, a partir da contradição de que o maior fluxo de informações permite uma maior liberdade, mas o cenário de maior vigilância acarreta numa diminuição desse direito.

Na base dos argumentos apresentados, está o de que não existe privacidade na internet. Todas as páginas visitadas e as conversas online, inclusive aquelas supostamente particulares, são interceptadas, gravadas e armazenadas para sempre em servidores concentrados, ficando à disposição de agências militares de inteligência. Dessa forma, segundo Assange, “nossa vida privada entrou numa zona militarizada”. Ele filosofa: “é como ter um tanque de guerra dentro do quarto”. A interceptação de dados em massa, além de permitir a violação da privacidade de indivíduos do mundo todo, pode facilmente ser utilizada como um meio de controle.

No prefácio especial para a América Latina, Assange contextualiza um problema para a região, considerada por ele como “a esperança de nosso mundo”. Aponta uma ameaça à soberania, no sentido que os EUA podem vigiar, por meio das comunicações, a população latinoamericana inteira.

Em redes sociais como o Facebook e o Twitter, as pessoas postam de tudo: os lugares que frequentam, seus contatos e suas ideias políticas. Para Assange, “o nosso mundo é de todos, porque todo mundo já jogou seus detalhes mais secretos na internet”. Isso é um prato cheio para as agências de espionagem, e tanto as redes sociais quanto o Google são cúmplices desse processo de militarização do ciberespaço. Para Zimmermann, “o Facebook e o Google podem ser considerados extensões dessas agências”. Appelbaum exemplifica com a parceria da NSA e do Google “por razão de defesa nacional dos EUA” e afirma que o site de pesquisas é “a maior máquina de vigilância que já existiu”.

Não é difícil imaginar os perigos que os cidadãos comuns correm com esse cenário preocupante. Somam-se a ele o monopólio financeiro dos EUA, que impediu o Wikileaks de receber financiamento, por exemplo, e também tentativas de apagar a história, com a “censura pós-publicação”. Diante do conhecimento dessa conjuntura, outro problema pode surgir: a autocensura.

Parece o caminho óbvio ao ter acesso às informações discutidas em Cypherpunks que se tenha mais cautela ao digitar qualquer coisa na internet – mesmo que seja uma mensagem direta no Twitter ou uma mensagem inbox no Facebook, conversas supostamente privadas. Entretanto, essa atitude cai num outro perigo, o de simplesmente deixar de lado tudo de positivo que a tecnologia trouxe e se autocensurar. A internet se tornaria um panóptico, no conceito de prisão que inibe o comportamento.

O uso da internet para divulgar e discutir ideias deve ser incentivado, apesar das divergências, apesar da vigilância inibir a liberdade para tal. Afinal, como a jornalista Natalia Viana, da Agência Pública, define na apresentação da obra, a internet é “semente de uma gama infinita de possibilidades”. É preciso agir em face do paradoxo apresentado, mas de que maneira? O uso de softwares livres, discutido também no livro, está longe de ser uma solução palpável para as grandes massas. Enfrentar a vigilância da internet, considerada como “arma de destruição em massa” por Julian Assange, sem prejudicar o que de positivo o mundo virtual tem a oferecer, parece ser o novo desafio desse início do século XXI. É preciso aproveitar essa semente, sim, mas para o bem.