Quando a vida parece fora do eixo, a solução mais comum é viajar. Frequentemente, busca-se o exótico, o relaxante, o prazeroso ou o belo. Mas e se alguém decidisse inverter a lógica das viagens terapêuticas, correndo o mundo através dos meios de locomoção mais precários, baratos e perigosos?
Pode parecer loucura, mas é exatamente esta viagem que o jornalista estadunidense Carl Hoffman narra em Expresso Lunático. Apaixonado por viagens desde o seu primeiro trabalho como correspondente, ele passa sua vida migrando de um país para o outro, conhecendo culturas totalmente avessas à sua e fugindo dos próprios problemas. Em suas aventuras, ele sempre se perguntava: como é que tantas pessoas podem enfrentar situações tão adversas para chegar em seus destinos? Hoffman guardou sua curiosidade por muito tempo, até que, num estalo existencial, decidiu descobrir por si mesmo: “Não escapar do mundo, mas ao contrário, ir direto a seu caótico epicentro”.
No livro, o jornalista relata sua viagem, que começa na América do Sul, passando pela África, Ásia, Oriente Médio e Índia, e termina na Rússia – sempre utilizando os piores meios de transporte possíveis. No caminho, ele encontra trens tão lotados que causam mortes por esmagamento, festas em barcos propensos a afundar, embarcações e ônibus infestados de baratas, táxis lotados até o teto, viagens de mais de 15 horas, comidas horrorosas, costumes curiosos e muita gentileza. Sim, gentileza: uma das questões mais exploradas pelo autor é o acolhimento com o qual foi recebido nos países em que esteve. Ele se pergunta: “Conseguiria eu restabelecer essa conexão?”.
Expresso lunático não é apenas um diário de viagem. Hoffman também expõe honestamente seus sentimentos e suas sensações em cada local visitado, gerando certa cumplicidade entre autor e leitor, e tornando a obra difícil de largar. Odores, gostos, saudades, sensação de desencaixe, tudo é registrado. A impressão que se tem ao ler o livro é de estar viajando com ele, passando por cada estrada esburacada, precipício perigoso ou rio lamacento.
Outro ponto alto do livro é a desinibição de Hoffman: ele conversa com todos os seus companheiros de viagem, aceita todos os convites, prova todas as comidas. Conhece mulheres muçulmanas que usam calças de cintura baixa, professores asiáticos de inglês, limpadores de ouvido profissionais e adolescentes que viajam 20 horas seguidas toda semana. Cria, pois, uma experiência plural e rica, cheia de histórias de pessoas que se cruzam em suas viagens.
Para quem ingressa no jornalismo, o livro é uma aula de reportagem. Hoffman, ao vivenciar viagens nas terceiras (e quartas) classes ao redor do mundo, consegue confissões que nenhum repórter conseguiria numa só entrevista. Junto com sua trajetória, o autor vai mostrando como uma abordagem jornalística pode ser feita de forma natural, sem criar a barreira entrevistador-entrevistado. O estilo de Hoffman é instigante para quem lê e inspirador para quem escreve: ele vai direto ao ponto, mas não sem criar toda a atmosfera da viagem, em descrições simples, porém brilhantes. Uma das imagens mais precisas e criativas do autor, por exemplo, é a dos meios de transporte como veias e artérias do mundo, que podem ser principais – como os grandes aeroportos internacionais – ou finos capilares – como as embarcações anônimas entre as ilhas asiáticas.
Caracterizado como extraordinário e inteligente pelo The Wall Street Journal, Expresso Lunático não pode faltar nas prateleiras de quem, assim como Carl Hoffman, busca compreender a vastidão do mundo, sua diversidade, seus pontos de encontro e todos os seus lunáticos.