Cá estou eu, de volta a uma redação. Achei que esse dia pudesse não chegar, mas, para uma jornalista que a vida levou a especializar-se em esporte, não cobrir uma Copa do Mundo no seu país seria realmente o fim da picada. A decisão de voltar para a redação foi um pouco tardia para obter a credencial, mas cedo o suficiente para conseguir uma vaga próxima disso. Uma vaga escassa, diga-se.
Desde que a ocupei, já vi um “passaralho” que cortou 10% da área de conteúdo da firma (não para evitar falência, mas para aumentar o lucro, foi o que disseram), o primeiro por lá e o primeiro presenciado de perto por mim. Tenho colegas que já viram quatro de perto e caíram no quinto, só para lembrar um exemplo.
Minha questão é unicamente uma: até agora, mesmo tendo viajado, conhecido tanta gente, tantas ideias e coisas, não consegui substituir a satisfação pelo dever cumprido que me vem naqueles instantes em que fecho uma reportagem (cumpro uma missão?), leio/ouço/assisto de novo e penso comigo mesma: “’É isso. Terminei”.
Mas não posso dizer que “não sei fazer nada além de ser jornalista” porque já descobri que não é verdade. Em 2013, depois de um ano cobrindo a temporada de Fórmula 1 e viajando para todos os circuitos (pela rádio Estadão/ESPN, revista ESPN, site Tazio e blog da Gillette sobre Bruno Senna), voltei para São Paulo atrás de um emprego como repórter, mas não encontrei nada que fizesse sentido após sete anos de formada jornalista na Cásper.
Fui estudar Gerenciamento de Projetos, então, porque sempre me pareceu que faltava método na gestão dos projetos jornalísticos, que mal são chamados de “projetos” embora devessem. Estava terminando o curso quando entrei em uma agência publicitária de conteúdo digital como gerente de projetos (ou GP, como se diz na Publicidade) e atendimento (fazia o meio-campo entre agência e cliente). O que aprendi nos seis meses que passei lá não está escrito. Se hoje sei colocar preço no meu trabalho, se sei montar uma proposta apresentável e um cronograma realista, é tudo por causa do turbulento 2013 longe do Jornalismo, dando duro com publicidade.
Mas o segundo semestre foi passando e, mais ou menos em outubro, caiu minha ficha: depois de ter construído a carreira (a primeira fase dela, que seja) como jornalista esportiva, seria uma frustração muito grande e desnecessária passar 2014 longe dos jogos da Copa. Em novembro, eu já tinha pedido demissão da agência. E saí antes do Natal.
Mulher no esporte (especificamente no futebol e no automobilismo) é peça rara, ainda mais no rádio. Digo sem medo que o combinado futebol-rádio é o que há de mais retrógrado no que diz respeito às questões de gênero na minha área. Quando deixei a equipe de esportes das rádios Globo e CBN – havia sido contratada como trainee e logo repórter após estagiar durante o quarto ano de Cásper, em 2006 –, conversei com uma série de conhecidos para tentar me recolocar em alguma emissora de rádio, pois é um meio pelo qual ainda sou apaixonada, mas que paga muito mal. Alguns colegas me fizeram saber que as chefias não eram muito abertas à ideia de ter uma mulher no microfone falando de futebol.
Era dezembro de 2009 quando saí do Sistema Globo de Rádio (SGR). Meti as caras e ofereci um freela para a revista ESPN, o que acabou me levando ao meu emprego dos sonhos. Dois meses depois do primeiro freela, enquanto ocupava uma vaga temporária por um mês no Terra, acertei com a revista e fui repórter fixa por um ano. Tal sonho consistia em ter horário flexível, finais de semana e feriados livres, poder falar de vários esportes e assuntos transversais, ganhar um salário acima da média do mercado embora recebendo como Pessoa Jurídica. Só que esse emprego dos sonhos acabou um ano depois.
O dono da revista precisou me demitir por corte de custos, mas como havia comprado recentemente parte do Tazio, um site especializado em esporte a motor, acabou entrando em acordo com o outro dono (que eu também conhecia) e me tornei editora do novo projeto. Mais um ano se passou até que apareceu a oportunidade de cobertura da temporada inteira de Fórmula 1, meu objetivo por um bom tempo enquanto ainda estava no Sistema Globo de Rádio. Entre 2008 e 2011, havia coberto os quatro GPs no Brasil e alguns no exterior. Como era preciso que o repórter fizesse não só texto, mas rádio, e eu tinha experiência em rádio, web e revista, acabei deixando o posto de editora do Tazio para me jogar no tal “circo”, e o que aconteceu depois está brevemente contado aí em cima.
Em 2014, tinha voltado a freelar com mais afinco depois de sair da agência, pensando em fazer disso um estilo de vida atraída pela flexibilidade da rotina, quando apareceu a vaga de repórter que ocupo agora no UOL Esporte. A equipe já foi avisada de que deve haver um grande corte depois da Copa do Mundo para criar um novo equilíbrio pós-investimento na cobertura do evento.
Independentemente de vaga ou de emprego, estou no time dos que não vêm no horizonte o tão temido fim do Jornalismo. Tem muita gente por aí que ainda busca, como eu, o mesmo tipo de dever para cumprir e só se sente satisfeito quando o faz. Nós enfrentamos hoje uma crise de formato, de modelo de gestão e de conteúdo também, mas tem muita gente boa se reunindo para pensar nas próximas saídas. Que são as novas entradas, na verdade. Não sei por onde estarei ao fim da Copa, mas a crise não me dá medo. “Se não aprende pelo amor, aprende pela dor”, dizem das nossas agruras na vida. Acho que esse é o momento do Jornalismo no Brasil.
Vanessa Ruiz entrou na Cásper em 2003 e se formou em 2006. Sabia que queria ser jornalista desde 1996, mas duvidou antes do vestibular. Depois de formada, duvidou várias outras vezes, mas aprendeu a gostar quando isso acontece pois notou que a dúvida a faz mover-se adiante. Para fazer contato ou saber mais, dê um pulo aqui.