Que estranho escrever sobre si mesma! No meu caso, funciona como um exercício para a memória, instigada a me lembrar de tantos fatos ocorridos nesses breves 8 anos de carreira. Antes de falar sobre esse período, a primeira coisa que gostaria de compartilhar é que me acho uma pessoa privilegiada. Não é todo mundo que tem certeza, desde muito cedo, do que quer fazer no futuro – cismei com o jornalismo aos 9 anos de idade.
Comecei na Rádio Universitária Gazeta AM. Foi um estágio relâmpago, que durou pouco cerca de 15 dias, até eu ser chamada para uma vaga na TV Gazeta. Logo nos primeiros dias, fiquei surpresa com o tamanho do processo para se fazer tv. São muitas mãos, ninguém é independente. Tive a oportunidade de ter várias funções: pauta, produção, edição, câmera. Até minha chefia, na época Marco Nascimento, decidir que eu devia ir para o vídeo, algo que eu nunca imaginei.
Foram semanas acompanhando repórteres, dobrando o horário, fazendo plantão extra no fim de semana, para entender como tudo aquilo que era pensado por pauteiros na redação virava imagens recheadas de textos. Até um dia ouvir do meu diretor: “você está pronta! Vamos estrear!”. A pauta era o aniversário do maltratado rio Tietê. Naveguei de barco no meio das marginais congestionadas. Claro que paramentada para não desmaiar com o fedor.
Foram 6 anos de Gazeta, período em que participei de coberturas muito intensas, entre elas a do acidente com o avião da TAM, em Congonhas, e a queda da obra da estação Pinheiros do Metrô. Eram temas delicados, que exigiram de mim algo que eu não tinha feito antes: lidar com a dor das vítimas. Como fazer perguntas? Como colocar isso tudo na reportagem sem ficar apelativo? Não é simples. Em Congonhas, entrevistei vários familiares e amigos dos mortos no acidente. As frases “ele não chegou, não jantou comigo” e “ele era uma boa pessoa, bom filho” ficaram martelando na minha cabeça. Em um dos dias da cobertura, depois de 12 horas de trabalho, fui para casa e liguei a tv. Só então eu vi imagens que ficaram marcadas: as pessoas ouvindo a lista de passageiros no aeroporto de Porto Alegre. Desabei. Chorei como se tivesse perdido alguém naquele acidente. Não dormi à noite, mesmo exausta.
Já ouvi de muitos colegas que a repetição dessas coberturas ao longo dos anos te deixa mais frio. Isso ainda não aconteceu comigo e eu gostaria que não acontecesse. Acho que sentir é essencial. Claro que não podemos deixar a emoção atrapalhar, mas temo que a frieza eduque os nossos olhos a enxergar a morte, a dor, a indignação, como coisas banais.
É essa a mentalidade que norteia o meu trabalho na Rádio SulAmérica Trânsito. Faço parte da equipe desde 2009. Fui repórter de rua, repórter aérea e hoje sou apresentadora. Vejo por trás das centenas de acidentes que noticiamos todos os dias, a necessidade de mudar a mentalidade do nosso ouvinte. Por isso, investimos muito em reportagens, entrevistas e debates sobre mobilidade e segurança no trânsito. Há cinco anos, sou responsável por uma série que trata da acessibilidade. Levamos ao ar diversos relatos de gente que não deixou a deficiência ser uma barreira, pelo contrário: buscou os próprios direitos, brigou gritou, sugeriu. Cresci como jornalista e como pessoa acompanhando esses casos de perto.
Ainda hoje fico impressionada com o quanto o ouvinte é fiel. Fazer rádio é extremamente prazeroso. Não somos apenas a fonte de informação, somos companhia, somos quem recebe desabafos, quem o ouvinte procura para reclamar e pedir ajuda. Um desses episódios me surpreendeu. Recebi uma mensagem de uma grávida em trabalho de parto presa em um congestionamento causado por um protesto na região do Parque Ibirapuera. Suei frio, mas dei a orientação no ar. Nossa equipe de produção e o editor-chefe da rádio, Ronald Gimenez, acompanharam todo o percurso por telefone. Dicas certeiras. Eduardo nasceu poucas horas depois, em segurança, saudável e cabeludo.
Naquela época, eu já me dividia entre duas rádios: SulAmérica e BandNews FM. Foram dois anos muito intensos. A equipe, apesar de muito jovem, é bastante madura profissionalmente. Percebi isso quando enfrentamos coberturas pesadas, por exemplo: a troca de Papa, a morte de Hugo Chávez, as manifestações de junho, a tragédia na boate Kiss em Santa Maria. Soltei a vinheta de plantão inúmeras vezes e fui aprendendo com a coordenação, chefia e reportagem, como organizar o caos; a me colocar no lugar do ouvinte e entender como fica mais fácil e útil para ele receber todas as informações que temos para passar. Foram vários dias tensos, mas de um aprendizado incrível.
Há dois meses, faço parte da equipe do Café Com Jornal, da TV Band, ancorado por Luiz Megale e Aline Midlej. Um jornal dinâmico, diferente de tudo o que já fiz, que nos dá espaço para ousar. Falo sobre São Paulo e o trânsito. A receptividade do telespectador tem sido grande. É muito bom estar de volta à TV e ainda mais em uma equipe tão profissional e unida.
Ana Paula Rodrigues é jornalista, formada pela Cásper Líbero em 2007. É apresentadora da Rádio SulAmérica Trânsito, pela qual venceu a nona edição do Trófeu Mulher Imprensa como melhor âncora de rádio, e colunista de trânsito do Café Com Jornal, da TV Band. Já foi editora, repórter e apresentadora da TV Gazeta, além de âncora da Rádio BandNews FM.