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Edição nº 6 – 2016

Foto por Bernardo Borges

Visto de cima da ponte, sua presença inquieta. Seja por sua imponência ou por suas paredes sujas, seja pela curiosidade por sua história ou por seu abandono, o Casarão do Anastásio insiste em, silenciosamente, nos chamar a atenção. O imóvel, localizado na Marginal do Tietê, no acesso à rodovia Anhanguera, é uma das muitas construções históricas da cidade de São Paulo, mas uma das poucas a apresentar o estilo neocolonial hispânico, o que o torna bastante cenográfico.

Sua construção data de 1920. Sua história, contudo, é bem mais antiga. O primeiro dono do terreno onde está o Casarão do Anastácio – o qual equivale a um parque e meio da Aclimação (180 mil metros quadrados) – foi o coronel Anastácio de Freitas Trancoso, membro do Governo Provisório de São Paulo, em 1823. Posteriormente, em 1856, o terreno foi vendido ao brigadeiro Tobias de Aguiar e à sua mulher, a marquesa de Santos. Com a morte de Tobias, a marquesa se tornou sua única proprietária, mantendo a terra até a sua morte, em 1867.

Domitila de Castro e Mello, a marquesa de Santos – conhecida como a mais famosa amante do imperador Dom Pedro I – teria desenvolvido o hábito de fumar com os escravos em um local nos fundos da fazenda Anastácio, no terreno do Casarão do Anastásio. Alguns indícios históricos e relatos de moradores da região chegam a indicar que ali teria funcionado o único quilombo da capital paulistana. Após a sua morte, seus herdeiros venderam uma parte do terreno para a Ligth and Power, empresa canadense que desenvolvia atividades de geração e distribuição de energia elétrica; o restante foi vendido em 1917 à Companhia Armour do Brasil. Com isso, a antiga casa da fazenda, construída em taipa de pilão, foi demolida. A atual casa foi construída pela Companhia Armour do Brasil para abrigar os funcionários do seu frigorífico.

Foto por Bernardo Borges

Apesar da importância histórica, o terreno e o casarão permanecem abandonados, como bem podemos ver em algumas das fotos de Bernardo Borges tiradas no local e expostas em sua página no Flickr. O tombamento do imóvel se deu em 2013, após 21 anos da abertura do processo. Segundo Edson Domingues, antropólogo responsável por protocolar o pedido de tombamento no órgão da Secretaria Municipal de Cultura em 1992, a demora se deu em decorrência da pouca estrutura do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH). “Enquanto reuníamos documentos, fotos, depoimentos sobre a história do imóvel, o DPH não havia constituído o processo físico. Falta equipe para a gestão do patrimônio cultural em São Paulo”, declara Edson.

No Brasil, o tombamento de bens históricos teve início em 1937, por meio da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atualmente denominado Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Ao contrário do que muitos imaginam, o tombamento não se dá apenas a locais luxuosos ou centenários, tanto que existem algumas entidades de preservação da arquitetura moderna, por exemplo. Há também tombamentos que não ocorreram por questões arquitetônicas, como explica o arquiteto Alexandre Nakano. “Em São Paulo, temos o tombamento do Teatro Municipal – ícone histórico e arquitetônico para a cidade – e do Belas Artes – este mais por valor afetivo (uso pela população, valorização do cinema de rua etc.) do que por características arquitetônicas do imóvel”. Assim, muitos imóveis passam por restauro e processos de recuperação pelo caráter, muitas vezes, simbólico. Imóveis que apresentam certo valor afetivo para a população tendem a ter maior incentivo e maior pressão popular para que sejam recuperados.

Foto por Bernardo Borges

Para Edson Domingues, “o Casarão é tido pelos moradores do entorno como alguém mais idoso, uma referência de carinho”. Em 2007, o terreno foi adquirido pela companhia norte-americana Tishman Speyer. À época, previa-se a transformação do imóvel no primeiro centro cultural de Pirituba. Contudo, o projeto ainda não foi concretizado, e desde então gera questionamentos pela população, que teme pelo imóvel – importante marco histórico e paisagístico da cidade. “Pode-se afirmar que a cidade não possui um marco regulatório que exija a recuperação dos bens culturais. Em São Paulo, a política de preservação do patrimônio cultural é regida pela mão invisível do mercado”, diz Edson.

Questionado sobre em que deveria ser transformado o Casarão e sobre a possibilidade de ele se tornar parte de um grande centro comercial, o antropólogo é enfático: “a proposta acordada em audiência pública realizada pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente em 2007 foi de garantir a transformação do imóvel em espaço cultural. A região de Pirituba tem 400 mil habitantes e nenhum cinema, teatro ou auditório para apresentação de grupos que fazem do bairro um referencial de produção cultural”.