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Edição nº 4 – Janeiro de 2016

 

Quando decidimos fazer nosso próximo álbum, sabíamos que dar um passo à frente, artisticamente falando, seria fundamental. A ideia essencial para esse novo projeto era ampliar nossos recursos sonoros, ainda que continuássemos a ter o corpo como fonte única e empregar ao máximo todo o conhecimento adquirido nesses dezoito anos de pesquisa, desde a vivência que tivemos com as manifestações populares brasileiras até os elementos de música corporal que colhemos em nossas andanças pelo mundo e nos encontros com outros artistas.

Desde o começo do grupo de estudos que deu origem ao Barbatuques, dois artistas sempre foram muito presentes como referências do uso do corpo como fonte sonora: Hermeto Pascoal e Naná Vasconcelos. Naná, músico autodidata vencedor de oito prêmios Grammy e doutor honoris causa pela Universidade Federal de Pernambuco, conta como foi uma das primeiras vezes em que usou o corpo como instrumento:

“Eu estava fazendo um disco em que tinha de estudar o corpo para fazer o ritmo das músicas e, ao mesmo tempo em que eu compunha, por coincidência, estava trabalhando com crianças em um hospital de psiquiatria infantil na França. Aí veio um grupo de crianças com algumas situações de coordenação motora e me perguntei como eu iria fazer para ensinar a elas. Tive que usar o corpo. Imitá-las. E foi aí que pensei: o primeiro instrumento é a voz. E o melhor instrumento é o corpo”.

Hermeto é conhecido mundialmente pela facilidade que tem de tirar som e fazer música de instrumentos e objetos. Aos oito anos de idade, fascinado pelos sons da natureza, construiu um pife (instrumento típico nordestino similar a uma flauta transversal) com um talo de abóbora e tocava para os passarinhos. Esse foi o começo de uma carreira com mais de cinquenta anos, mais de 15 álbuns gravados e histórias como as composições “roubadas” por Miles Davis, que depois de pendenga judicial foram devidamente creditadas em seu nome e batizadas de “Igreja” e “Nenhum talvez”. Ele foi reclamar para Herbie Hancock e Wayne Shorter, dois monstros do jazz e ambos riram, dizendo-lhe que Miles roubara composições deles também.

Nos dias das gravações, havia uma certa ansiedade no ar. Depois de tantos anos na estrada, passar alguns dias com eles no estúdio seria a coroação de um longo caminho. E foi muito especial. Naná começou gravando Kererê, de André Hosoi, e de cara já nos surpreendeu com as soluções que achou para a musica. Kererê foi composta a partir de elementos do maxixe, uma das formas mais antigas da música brasileira, fruto do encontro de músicos imigrantes europeus com os ritmos tocados nos tambores das ruas brasileiras no começo do século 19. Júlio Maria, repórter do Caderno 2 do “Estadão” comenta em sua matéria para o jornal:

“A festa de Kererê, por exemplo, enche os ouvidos com um bombardeio bem calculado de timbres, mas identificar de onde eles saem é que torna a brincadeira ser completa”.

Ouça Kererê:

Gravamos também uma composição de Naná em parceria com Vinícius Cantuária intitulada “Tá na roda”. Há uns sete anos, encontramos ele em um programa de televisão e ficamos brincando com essa música nos bastidores. Saímos de lá com aquela promessa mútua de “um dia vamos fazer algo juntos!”

 

A promessa se concretizou em Ayú.
A música do Hermeto que a gente escolheu,” Lá na casa da madame eu vi”, foi gravada por ele e seu grupo em 1982 no álbum Hermeto Pascoal e grupo, e tivemos que fazer um arranjo novo e transpor toda a harmonia tocada pelos instrumentos para as vozes. Essa evolução no sentido harmônico era uma busca nossa para esse projeto.

Ouça Lá Na Casa da Madame Eu Vi:

Ayú, nome do álbum, é um termo que vem dos índios do alto Xingu e representa um grito de celebração que faz parte de um ritual de comemoração chamado “dança dos macacos”. Não achamos nada mais adequado para festejar nossos 18 anos de carreira com esses mestres. Ayú!