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Edição nº 2 – Dezembro de 2014

As batalhas de rap cresceram e alcançaram públicos diferentes na cidade de São Paulo e região metropolitana | Crédito: Vitor Hugo Souza

As batalhas de rap cresceram e alcançaram públicos diferentes na cidade de São Paulo e região metropolitana | Crédito: Vitor Hugo Souza

Em meio ao caos da rua, com milhares de transeuntes, movimentação frenética dos automóveis, prédios imponentes e toda a loucura de uma das vias mais conhecidas e movimentadas da cidade de São Paulo, um encontro de MCs acontece. Eles duelam na rima e na improvisação. A intimidade com as palavras, a destreza do pensamento e a língua afiada são elementos valorizados nesses embates.

Por volta das 20h de sexta-feira, na calçada em frente ao Banco Safra, na esquina da Rua Augusta com a Avenida Paulista, aparecem algumas pessoas vestidas com roupas largas e bonés de aba reta. O som do beatbox – batidas feitas com a boca – vai surgindo, timidamente, acompanhado por algumas rimas, que dividem o espaço com a sonoridade do rock tocado por alguns artistas de rua da região.

Uma Kombi multicolorida, bem ao estilo hippie, estaciona e, rapidamente, de dentro dela saem pessoas carregando caixas de som e microfones. Depois de deixar os aparelhos e os instrumentos na calçada, o veículo do coletivo Itinerário Rap vai embora. Mas, o palco da Batalha Racional está montado, com a galera da Kush Crew na organização. O evento se chama Sexta Free e acontece toda sexta-feira às 21h.

Aos poucos, pessoas identificadas com o rap aparecem e alguns curiosos também. Forma-se uma roda. No meio, ficam o apresentador e os dois primeiros MCs que iniciarão a rinha de rap. Cada um tem 30 segundos para improvisar nas rimas. O público é quem define o vencedor que passará para a próxima fase.

Há dois tipos de batalha de rap: a do conhecimento e a de sangue. Na primeira, os MCs têm que desenvolver as rimas a partir de temas que podem ser pré-estabelecidos pelos organizadores ou escolhidos pela plateia no momento do evento. Já na segunda, os MCs devem atacar verbalmente o seu adversário. Ambas são duelos de improvisação.

As rimas dos MCs se misturam com o som dos carros e pedestres na Batalha Racional | Crédito: Vitor Hugo Souza

As rimas dos MCs se misturam com o som dos carros e pedestres na Batalha Racional | Crédito: Vitor Hugo Souza

Geralmente, a Batalha Racional é ligada a temas sobre conhecimento, mas às vezes funciona na dinâmica da batalha de sangue, como aconteceu no último dia 31 de outubro, na edição especial, com a participação de alguns MCs da Batalha da Ladeira.

“A Batalha Racional existe há três anos. A ideia surgiu a partir de reuniões de camaradas. A gente se encontrava toda sexta-feira, conversava e fazia alguns freestyles de rimas. Decidimos montar um grupo para organizar um projeto que estivesse ligado ao rap. Criamos o coletivo Krush Crew. Resolvemos fazer uma batalha com temas e não de sangue. A primeira rinha de rap que organizamos foi na Rua Taguá, no bairro da Liberdade. Já a segunda, começamos a fazer na Paulista em frente ao Banco Safra. Estamos na 129ª edição da Batalha Racional”, comenta Rafael da Silva, um dos integrantes da Kush Crew.

Existem vários encontros de MCs espalhados pela capital paulista e na região metropolitana. Esse tipo de manifestação cultural vem crescendo, e a internet tem um papel fundamental na organização e na divulgação desses eventos. Hoje, só na cidade de São Paulo, há 11 batalhas com páginas no Facebook que acontecem periodicamente.

As rimas do rap interagem com os sons urbanos do cotidiano paulistano. Dentro do metrô, na linha vermelha, mais especificamente na estação Itaquera, acontece outra rinha de rap no improvisado: a Batalha da Leste. Todo sábado, a partir das 15h, MCs se reúnem para duelar na passarela do metrô Itaquera, no sentido Arena Corinthians.

Batalha Racional acontece toda sexta-feira, às 21h, na Av. Paulista | Crédito: Vitor Hugo Souza

Batalha Racional acontece toda sexta-feira, às 21h, na Av. Paulista | Crédito: Vitor Hugo Souza

O primeiro a chegar ao local é o estudante de Rádio e TV Johnny Wilker, um dos organizadores da Batalha da Leste, com o seu caderno cheio de anotações e os nomes dos MCs que participarão da rinha. Sem caixa de som e nem microfone, por causa das normas da atual administração do metrô, os MCs lançam as rimas apenas com a força de suas cordas vocais, sem o auxílio de nenhum instrumento. Aos poucos, a galera se reúne e começa a Batalha da Leste, com os seus duelos de palavras guiados pela lógica da batalha de sangue.

“A Batalha da Leste surgiu em 2011 pela necessidade de ter uma rinha de rap na região. Havia várias batalhas, como na Santa Cruz e em outros pontos de Sampa, mas ainda não existia uma na Zona Leste. O pessoal se organizou na internet – na época do Orkut – e fez o primeiro encontro de MCs na passarela do metrô Itaquera. No início, aparecia pouca gente, mas hoje a batalha é bastante conhecida”, relata Johnny Wilker.

No Brasil, o rap apareceu no final da década de 1970. Mas, a sua grande fase aconteceu entre 1990 e início dos anos 2000. Esse estilo musical ganhava força na periferia com as suas letras que retratavam a realidade e as dificuldades do dia a dia da favela. Alguns grupos e artistas que surgiram naquela época são referências até hoje, como os Racionais, Rzo, Sabotage, entre outros.

O rap faz parte do movimento hip hop, que é composto por mais três manifestações artísticas: o DJ, o break dance (dança de rua) e o grafite. Essas são expressões culturais que surgiram na rua e, teoricamente, têm uma relação forte com as questões sociais, principalmente de quem vive na periferia.

Batalha da Leste acontece todos os sábados, às 15h, na estação de metrô Itaquera | Crédito: Vitor Hugo Souza

Batalha da Leste acontece todos os sábados, às 15h, na estação de metrô Itaquera | Crédito: Vitor Hugo Souza

O álbum “Sobrevivendo ao Inferno”, dos Racionais, foi o primeiro contato de Thomas Rocky com o rap. Atualmente, ele trabalha com construção civil na área de pintura, mas também é MC e frequenta algumas rinhas de rima.

Para Thomas, o cenário atual do rap brasileiro está bem diferente. “O público do rap com o tempo foi mudando. O funk, principalmente o ostentação, ganhou espaço na favela, e o rap foi perdendo um pouco da sua força. Com essa nova geração que disseminou as batalhas de MCs e o freestyle, mais a internet e as redes sociais, o rap aumentou a sua visualização e alcançou um público que está fora do movimento hip hop e não conhece a essência do rap em si”.

Por outro lado, além da potencialidade de crítica social e da identidade que o rap tem com os mais pobres, também há espaço para a integração entre pessoas de diferentes lugares, como comenta Victor Macedo, um dos integrantes da Krush Crew. “O rap tinha um ponto de vista muito periférico, era muito fechado e poucas pessoas tinham acesso a ele. Hoje, todo mundo conhece Criolo, Emicida, Rashid, entre outros. As rinhas de rap e a internet ajudaram o movimento a crescer. Acho isso positivo, pois proporciona a troca de culturas e linguagens. Um dos intuitos da Batalha Racional é fazer com que as pessoas, independentemente da classe social, se unam pelo mesmo propósito de escutar uma rima no improvisado”.

Matheus Moreira Alves está cursando o segundo ano do ensino médio e viu o hip hop como um meio capaz de lhe trazer inúmeros benefícios, tanto em questões de raciocínio e linguagem como na busca por diferentes conteúdos, da poesia à filosofia.

MCs se reúnem na passarela do metrô para duelarem na improvisação de rimas na Batalha da Leste | Crédito: Vitor Hugo Souza

MCs se reúnem na passarela do metrô para duelarem na improvisação de rimas na Batalha da Leste | Crédito: Vitor Hugo Souza

Matheus também é MC e improvisa rimas no freestyle. Mas, no começo teve algumas dificuldades para batalhar. “De início, sempre tem certo pavor. Sem saber lidar com a situação por não saber como se apresentar. É como fazer um trabalho de escola tendo vergonha. Comecei a treinar o meu lado psicológico, a buscar mais conhecimentos e a melhorar os encaixes de palavras com terminações iguais. Fui evoluindo e hoje tenho uma interação melhor com o público e uma tranqüilidade maior no momento da batalha. O rap contribui também para o meu dia a dia com questões sociais que envolvem o diálogo”.

Mesmo com as mudanças nas letras, no jeito de fazer rap e no público, o hip hop ainda pode ser considerado uma ferramenta em prol da cidadania, capaz de dar voz às pessoas e até mesmo de torná-las sujeitos da cultura. “Antes eu era muito fechado e o rap me ajudou a me expressar melhor, contribuiu na minha conscientização. O rap tem esse papel de voz da periferia e até de educador, que muitas vezes a escola, os pais e a televisão não fazem. Claro que o rap pode falar de alegria e de amor, mas não pode perder o viés crítico – que é importante para a cidadania”, diz Johnny Wilker.


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