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Edição nº 4 – Janeiro de 2016

 

Tarde de domingo, Zona Norte de São Paulo, bairro Carandiru, Parque da Juventude, um local repleto de quadras poliesportivas, biblioteca e muito espaço para andar de bike, skate e patins. Além de todas estas atrações, acontece, semanalmente, aos domingos, um encontro cultural e artístico de batalhas de MC`s. Próximo à biblioteca, uma roda de pessoas começa a se formar: muitas vestem bermudões, camisões, calças big, camisetas regata, bonés com abas retas. Uma voz no microfone ecoa: “Teste, teste, som, 1,2,3…”. Este é o sinal para quem gosta de rap se aproximar. Ao mesmo tempo que anota suas observações, Tom Freestality, um dos organizadores responde o porquê de realizar o evento neste local: “O intuito é substituir a carência de um encontro semelhante ao que acontecia no Tucuruvi e que não existe mais. Todo domingão, com sol ou chuva, estamos aqui para organizar essa festa”.

Arruaça-Reportagem-Rafael M. Azevedo-foto 1 MC Matheus

Foto: Rafael M. Azevedo

Em paralelo à movimentação aparece o MC Slim, pedindo licença pois o show vai começar. A rima de MC Matheus introduz as batalhas: “Mas infelizmente você não passa de uma fraude. Eu queria ser o Eduard mãos de tesoura para cortar suas rimas no round. Pera aí, ainda tem mais, você não é sagaz. Cala sua boca você perdeu pro Mateus… Slim Jaz”.

A premiação destes eventos que acontecem especificamente no Parque da Juventude é simbólica, conforme explica Tom: “Aqui o prêmio é ideológico. Colei em várias batalhas, uma delas é a da Roosevelt. Nos intervalos a gente pode divulgar shows, festas e outras batalhas também”.

Praça Roosevelt, centro de São Paulo. Neste local encontra-se um polo cultural democrático repleto de diversas tribos como punks, skatistas, artistas de rua, poetas e MC`s. Em poucos minutos, uma roda se forma com mais de 30 pessoas em volta. No centro a presença de MC Lino X MC Jéssica. De acordo com os gritos, o primeiro round é vencido por MC Lino; o segundo vai para MC Jéssica e o terceiro segue para o desempate. O apresentador diz bem alto: “Vamos para o terceiro round! E o que vocês querem?” Em um coro uníssono todos gritam: “Saaangueeee”. Naquele momento, muita concentração e superação cercam os participantes, que sentem a pressão do público antes de iniciar o último round.

Arruaça-Reportagem- Rafael M. Azevedo - foto 2 - MC Lino X MC Jéssica

Foto: Rafael M. Azeveo

A batalha recomeça. MC Jessica é a primeira: “Esse cara é uma fraude, mas ninguém percebeu. Ele chega aqui e paga de playbeu. Mas do meu lado hoje você apanha, por isso que no rap hoje a gente te espanca. Trutão respeito é tanto pra mina quanto pra homem por isso aqui no rap o bicho come”. Logo após, é a vez de MC Lino: “Falou que eu quero ser playbeu, a pronuncia certa é plebeu. Acho que você leu, mas não a prendeu. Né, não tiozão, vai vendo só a situação. Por isso eu vou te passando a visão. Olha só, não é por que eu sou malandrão. Eu não tô aqui batendo em mulher. Eu tô te ensinando com palmatória. Isso chama-se educação. Certo, vai vendo só a pegada. Eu chego aqui é minha rima é mais elaborada e agrada aqui e na quebrada”

Mc Lino vence e se classifica para a próxima batalha.

 

No início era a estação São Bento
Rogério de Souza, professor do Instituto Federal de São Paulo e autor do livro Cultura e violência, lembra-se de como eram tais eventos alguns anos atrás. “Na estação de metrô São Bento, na praça Roosevelt e em algumas casas de shows jovens das periferias paulistas dançavam break e cantavam rap. Esse movimento ganhou visibilidade na segunda metade de 1990 com o lançamento do álbum Sobrevivendo no inferno do grupo Racionais MC’s. De 1997 a 2001, transformou-se em trilha sonora do Brasil”.

Entre 2002 e 2003, uma série de episódios marcou negativamente o cenário do rap nacional, dentre eles o assassinato do rapper Sabotage, uma promessa do rap brasileiro, o desentendimento de hip-hoppers com a polícia e a morte de um jovem em um show do grupo Racionais MC’s na cidade de Bauru. Tais acontecimentos, somados ao fato de os Racionais não terem lançado nenhum álbum com músicas inéditas por um longo período de tempo levaram o movimento a uma crise.

 

Ressurgimento do rap nacional
Nos últimos anos o cenário do hip hop vem ganhando força graças a uma evolução que surge entre diversos grupos musicais como Facção Central e Xis. Rogério de Souza enfatiza esse acontecimento: “Diante dessa nova realidade e longe dos holofotes, uma nova geração de hip-hoppers e veteranos que não tinham muito espaço anteriormente buscou caminhos alternativos para divulgar a sua arte caracterizada pela denúncia social. Dessa forma, registra-se a formação da “Rinha dos MC’s”, criada pelo DJ Dan Dan e o rapper Criolo e, mais recentemente, as batalhas de MC’s do metrô Santa Cruz, que deram visibilidade ao rapper Emicida”.

Dj Dan Dan, mencionado por Souza, é um artista conhecido por todos que participam de batalhas. Ele conta que a Rinha nasceu praticamente dentro de um quintal, pois a primeira batalha ocorreu na festa de aniversário do rapper Slin Rimografia. “A ideia era promover um encontro de arte urbana na zona sul de São Paulo, na antiga Avenida Robert Kennedy (hoje Avenida Atlântica). Alugamos um espaço que era um estábulo. Pagamos R$ 200,00 e cobramos R$ 3,00 de entrada. Esse valor era para dar condições para todo mundo colar na festa. Mas foi em um lugar chamado Cancun na Zona Sul que a parada bombou. Começou a colar gente de vários locais. Nessa, apareceu o MC Rashid, que antes era chamado de Mosca. Depois tivemos Emicida, Projota, Flora Matos, Pentágono. O som não era bom e a iluminação era ruim. Foi aí que surgiu a famosa pergunta ‘querem ver sangue ?’. A premiação acontecia de acordo com o que as pessoas levavam. Já teve álbum de figurinhas, Revista do Rambo, salgadinho Fofura”.

Depois de um tempo os convites para organizar a Rinha em outros lugares começaram a surgir. Criolo e Dandan convidavam diversos Mc`s para festas, shows e eventos, fomentando as batalhas em várias regiões do Brasil: “E tudo isso sem ganhar dinheiro”, lembra Dandan. Depois, foram fomentados pelo ProAC (Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo), conforme conta Dandan: “A ideia era fazer um circuito de batalhas de MC’s de cada região de São Paulo, além de mostrar novos talentos. Então, rolou uma seletiva nas quebradas. Foi tipo um campeonato estadual, legal pra caramba”.

Outras batalhas surgiram após esses circuitos: “A batalha da Santa Cruz também contribuiu muito para a cena, pois ela nasceu junto com a Rinha. A maior preocupação é promover o encontro onde eles possam trocar informações, conhecimento, contribuição dos outros elementos do hip hop com os acontecimentos da nossa sociedade, seja política, musical, literária”. Para Rogério de Souza, “o hip hop é um movimento social-artístico e artístico-social, ou seja, não é possível pensar as suas manifestações culturais sem refletir sobre os contextos e as reivindicações sociais”.

Para conhecer mais sobre a agenda de batalhas, veja no box o calendário completo.

 

História de batalhas de MC`s
As batalhas de Mcs são encontros tradicionais constituídos por pessoas que gostam do movimento de Hip-Hop. Tais batalhas são compostas por dois mestres de cerimônia (MC`s) que duelam entre si com rimas improvisadas, faladas “em cima” de uma batida, tocada por um DJ ou então somente a capela. Um MC enfrenta o outro de duas a três vezes, caso haja empate. As batalhas têm duração de 30 segundos para cada participante, porém isso pode variar de acordo com a quantidade de inscritos.

As rimas trazem um conteúdo repleto de criticidade, humor e sarcasmo, e instigam o público a torcer pelo melhor MC, que se destacará por meio do seu flow (lado artístico) juntamente com sua experiência e um rico vocabulário – itens essenciais. No final da batalha, o MC vencedor poderá ganhar algum prêmio material dependendo da organização de cada batalha.

Hip Hop
O hip hop surgiu em meados dos anos 1970, nos subúrbios de Nova York, composto por quatro pilares: Grafitti (arte), DJ (disc jóquey), MC (poesia, rima) e B-Boy (dança). Os sound system (dois toca-discos interligados a dois amplificadores e um microfone) eram levados para as ruas no intuito de animar os quarteirões no bairro do Bronx. O DJ rimava para chamar a atenção de quem passava pelo local. Atraía mais público aquele que “mandava” melhor no microfone e nos toca-discos.

Popularizado no Brasil durante a década de 1980, o movimento hip hop se expandiu a partir das batalhas de MC`s.

 

Batalhas de MC`s – Agenda semanal

Parque dos MC`s
ONDE: Parque da Juventude – Metrô Carandiru
QUANDO: Todos os domingos, às 16h.

Batalha da Conc.
ONDE: Metrô Conceição – Praça Alfredo Egydio de Souza Aranha
QUANDO: Todas as terças-feiras, às 20h

Batalha do Beco
ONDE: Beco do Batman – Vila Madalena.
QUANDO: Todas as quartas-feiras, às 20h.

Batalha da Roosevelt
ONDE: Praça Roosevelt – Centro
QUANDO: Todas as quartas-feiras, às 20h

Batalha do Point
ONDE: Galeria Olido. Avenida São João, 473 – Centro.
QUANDO: Nas últimas quintas-feiras do mês, às 20h.

Arena MC
ONDE: Casa do Hip-Hop – Praça da Matriz de São Bernardo do Campo
QUANDO: Todas as sextas-feiras do mês, às 20h

Batalha Racional
ONDE: Esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta
QUANDO: Todas as sextas-feiras do mês, às 20h.

Batalha do Santa Cruz
ONDE: Estação Metrô Santa Cruz
QUANDO: Todos os sábados, às 20h.