Walter Benjamin (1892-1940) em sua reflexão sobre “A história Cultural do brinquedo” prenunciou de forma muito acertada que “as crianças não constituem nenhuma comunidade isolada, mas antes fazem parte do povo da classe a que pertencem. Da mesma forma, os seus brinquedos não dão testemunho de uma vida autônoma e segregada, mas são um mudo diálogo de sinais entre a criança e o povo” . Pensando nisso nos propomos a observar e analisar a relação travada entre as crianças de nossos dias e seus brinquedos.
Sabe-se que em tempos mais remotos, talvez em sua origem, o brinquedo tenha sido uma peça que ligava pais e filhos, hoje, contudo, os brinquedos passaram a servir de compensação pela ausência dos pais. Parece que há uma relação latente e inversamente proporcional entre o volume de brinquedos ofertados pelos pais e sua falta de participação na infância dos filhos. Além disso, tudo indica que as crianças atualmente têm valorizado muito mais o ato efêmero da compra do que o brinquedo em si.
A quantidade de brinquedos acumulados pela maior parte das crianças de classe média parece não fazer qualquer sentido até mesmo para elas, que sequer conseguem usufruir todos os seus benefícios. Um amontoado de coisas que pretende suprir uma espécie de vazio não identificado. A mídia, por seu turno, grita aos “quatro ventos” a necessidade de se ter mais, de comprar mais, de acumular mais.
O documentário “Criança, a alma do negócio” nos revela um cenário lastimável da atualidade: a maior parte das crianças entrevistadas prefere comprar a brincar. Sim senhores pasmem: As nossas crianças gostam mais de comprar do que de brincar. E isso nos parece assustador, ou não?
Mas vamos com calma, não é sobre isso que queremos falar e sim sobre um crescente movimento do tecido social que tem procurado se opor a esta cultura capitalista. Trata-se de belíssimas iniciativas que partem de vários ramos da sociedade (ongs, pessoas físicas, empresas privadas) com o objetivo de aumentar a conscientização de pais e crianças e minimizar o consumo exacerbado.
O Instituto Alana, uma organização da sociedade civil fundada em 2007, promove inúmeras atividades que visam promover valores e condições para a vivência plena da infância. Dentre todas elas destacamos aqui as feiras de trocas de brinquedos que costumeiramente ocorrem na semana do dia das crianças, como uma forma de reação às compras desnecessárias que tal data impulsiona.
As feiras promovem integração e socialização entre as crianças, que fazem por si só a negociação de seus brinquedos sem levar em conta o valor econômico dos mesmos. Assim, não é raro que se observe uma criança trocando um carrinho de última geração por um peão ou uma simples peteca. Nota-se, pois que neste contexto a curiosidade e o interesse falam mais alto do que o dinheiro; clara manifestação de autonomia e espontaneidade em seu estado mais puro, já que ali as crianças encontram-se livres de qualquer influência externa.
O Instituto Alana foi o pioneiro em promover este tipo de feira em SP (no ano de 2010), entretanto, notou que a partir de 2012 mais de 50 feiras autônomas ocorreram pelo Brasil. Diante disso, resolveu disponibilizar em seu site material de apoio para que qualquer pessoa ou movimento seja capaz de organizar sua própria feira.
Com o objetivo de divulgar a importância da brincadeira enquanto uma necessidade para o pleno desenvolvimento da criança, a rede Aliança pela Infância no Brasil promove todos os anos a “Semana Mundial do Brincar” por meio da qual são oferecidas oficinas e espaços abertos para música, teatro, literatura, artes plásticas, danças, circo, contação de história e atividades livres com brinquedos não estruturados. As comemorações ocorrem em todos os núcleos da Aliança pela Infância na semana do dia 28 de maio (dia internacional do brincar) de todos os anos desde 2011.
À primeira vista pode parecer que esta é uma causa abraçada apenas por instituições e Organizações específicas, mas não. Cada vez mais pessoas têm ingressado neste movimento de contracultura. O site “Quintal de Trocas” fundado pela atriz Carol Guedes possibilita a troca de brinquedos pelo meio virtual. É necessário apenas fazer um prévio cadastro, fotografar o item que se pretende trocar e escolher um outro no site. As entregas ocorrem pelo correio ou pessoalmente em São Paulo na Casa do Brincar.
As empresas “Joanninha”, “Brinque Troque” e “Clube do Brinquedo” também têm inovado no mercado com o fim de incentivar um consumo muito mais consciente. Elas propõem um novo modelo de negócio: o aluguel de brinquedos. O funcionamento é simples, basta que os pais contratem uma assinatura mensal e pronto: recebem todo mês um conjunto de brinquedos com os quais a criança pode brincar sem enjoar, devolver no mês seguinte e receber um novo conjunto de brinquedos.
O Sesc também é uma Entidade que constantemente promove e difunde a importância da brincadeira para a infância. Inclusive recentemente em comemoração ao aniversário de 30 anos do Sesc Pompeia organizou uma Exposição intitulada “Mais de mil brinquedos para a criança brasileira”. A mostra reuniu mais de seis mil brinquedos e contou com a direção de arte e cenografia de Vera Hamburger, curadoria de Gandhy Piorski e Renata Meirelles. Este mesmo evento ainda disponibilizou espaços lúdicos, promoveu oficinas e brincadeiras educativas para as crianças.
Uma coisa é certa: brincadeira é coisa séria e parece que cada vez mais pessoas têm percebido e se importado com isso.