Um grupo de amigos fotógrafos e admiradores da fotografia se encontra em algum bar depois do expediente e com câmaras nas mãos saem pela noite paulistana. Foi assim que em 2004 surgiu o Rolê, um coletivo fotográfico que hoje soma 22 integrantes. “O que nos une é o desbravamento, a descoberta; estar entre amigos e criar uma proposta heterogênea de olhar. Através do encantamento pela fotografia, dar forma a um processo criativo”, destaca o manifesto do coletivo.
Sem chefes ou líderes definidos falar com o Rolê é dialogar com várias pessoas, mas sem identificar nenhuma individualmente. É assim que eles preferem responder a essa entrevista, e é desta mesma forma que assinam suas produções, sempre em grupo. “O Rolê é, sobretudo, uma ação, é estar a pé na rua em um horário em que normalmente você não estaria, é olhar para a cidade sem pressa. Fazemos fotos porque amamos fazer fotos e fazer em grupo é, acima de tudo, uma grande diversão”, ressalta o coletivo.
Fotografar e criar em conjunto desperta uma polêmica sobre a questão do direito autoral. Até que ponto um trabalho, ao ser assinado por um grupo, pode suprimir o direto individual de cada fotógrafo? Enquanto alguns coletivos preferem apresentar apenas o nome do grupo, outros creditam o nome do fotógrafo seguido da indicação do nome do coletivo. “A gente sempre debateu que estar em um coletivo é colocar em xeque a questão autoral. Não assinamos individualmente porque achamos interessante deixar a dúvida de quem fez a foto”, explica Mel Coelho, 30 anos, do Mamana Foto Coletivo.
O nome Mamana foi inspirado em um livro do escritor moçambicano, Mia Couto, e significa matriarca. Formado por mulheres, o coletivo surgiu em fevereiro desse ano a partir do encontro das fotógrafas Mel Coelho e Renata Armelin. “A gente fotografava protestos separadas, na rua tinham poucas fotógrafas e as poucas que tinham ficavam isoladas. Debatemos várias inseguranças: de ir pro protesto sozinha, de passar por uma repressão e não saber o que fazer por ser mulher, de sentir mais dificuldade de se posicionar na frente dos fotógrafos quando estava rolando um protesto”, relembra Mel.
Atualmente, quatro mulheres integram o Mamana que conta também com a participação de colaboradoras, mulheres que buscam maior representatividade dentro do universo do fotojornalismo. Para Mel a área ainda é muito machista e masculinizada, “quando começamos a fotografar somos muito mais incentivadas a fazer fotos de recém-nascido, festinha infantil e acabamos condicionadas à áreas que têm ligação com uma divisão de gênero. É coisa de mulher fotografar bebês e crianças e na hora de ir pra rua, de enfrentar polícia ou de ir pra guerra, isso é tido como coisa de homem”.
O ambiente urbano e as câmaras nas mãos também fazem parte do dia a dia do Remirar, um coletivo criado em 2015 que conta com seis fotógrafos. “Remirar significa tornar a mirar, com insistência, observar atentamente. Procuramos carregar as câmeras em todos os momentos. Esse lance que a mãe fala “você será assaltado, guarda essa câmera!” não vale pra gente. Buscamos sentir a rua e se sentirmos medo estaremos nos bloqueando perante a isso”, destaca Rafael Guimarães, 24 anos, conhecido como Sá.
Integrar um coletivo fotográfico não exige necessariamente que os integrantes estejam em um mesmo espaço físico ou que tenham que sair e fotografar sempre em grupos. O R.U.A, Registro Urbano Autoral, por exemplo, foi criado em 2013 e conta com seis fotógrafos: dois em São Paulo, um do Rio de Janeiro, uma em Curitiba, um em Goiás e um em Paris. As redes sociais se tornam escritórios informais em uma estrutura hierárquica distante da tradicional. “O coletivo é completamente horizontal. Isso pode fazer com que decisões importantes demorem a surgir, mas essa é a essência do coletivo. Todos têm voz e pluralidade de pensamentos e vivências”, explica o fotojornalista Felipe Paiva, 28 anos.
São essas vivências coletivas, livres de regras, padrões ou horários pré-estabelecidos que permitem, a partir de experimentações, desenvolver uma linguagem autoral. “Decidimos nos juntar porque vimos que individualmente possuímos um olhar atento. Então, trabalhar isso em conjunto fica mais desafiador. Acaba funcionando como um grupo de estudos, indo a campo, trocando referências e nos fortalecendo”, destaca Sá. “O R.U.A nasceu por uma necessidade da valorização do fotógrafo, uma vez que os pagamentos eram lentos e baixos. Hoje sentimos que um motiva o outro, existe uma cooperação forte e uma competição saudável. Transformamos um trabalho relativamente solitário em algo cheio de energia e relações”, reflete Felipe.
Além da promessa de fortalecimento, é a constante troca de experiências que incentiva a criação de novos coletivos. “Os coletivos estão abrindo caminhos pra outros coletivos, é a democratização da fotografia. Nunca foi tão bonito, não supervalorizando o hoje, mas você sente que existe uma troca maior entre coletivos. Também tem a questão do ego, de você deixar de lado você e fazer pela fotografia, pela imagem, pelo que você acredita”, conclui Mel Coelho.