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Edição nº 4 – Janeiro de 2016

 

A cidade de Osasco, na grande São Paulo, foi manchete na mídia de todo o País, por causa de uma chacina que deixou 19 mortos, em agosto deste ano. É justamente nesta região que o paulistano Gilmar Del Barco (40), natural da Lapa, vem desenvolvendo um trabalho de inclusão social, como voluntário de oficinas de grafite nas escolas públicas do local. Gilmar, apelidado de Dingos, e assim prefere ser chamado, começou sua relação com as tintas como pichador, em 1989, porém, em pouco tempo passou a desenvolver uma linguagem própria com personagens e cores. Daí para o grafite foi um pulo. E apaixonou-se de tal forma por esse movimento que descobriu ser por aí a sua missão de vida. Atualmente, é educador na Fundação Gol de Letra, do ex-jogador de futebol Raí, no Centro Santa Fé, e recém-contratado da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Inclusão, de Osasco. O que sobra de seu tempo, trabalha em seu Ateliê Casa da Sogra. “O grafite para mim é uma ferramenta de transformação social, eu ajudo na prevenção e apresento aos jovens outras possibilidades educacionais”, afirma.

Dingos é referência no mundo das artes, hoje. Tornou-se popular no grafite por usar cores fortes e quentes em seus desenhos, exibindo uma mistura de linhas muito particular. Com esse trabalho de movimento das cores, ficou conhecido em países, como Chile, Argentina, Uruguai, Cuba, México, Itália, Espanha, e mais recentemente a França, quando acompanhou um grupo de jovens pelo intercâmbio entre a Fundação Gol de Letras e a Sport Dans La Ville, ONG de inclusão juvenil francesa. “Visitamos pontos turísticos, museus, teatros e interagimos com os adolescentes de lá”, relembra.

O intercâmbio continua. Todos os anos, um grupo visita o Brasil e passa um dia no ateliê Casa da Sogra, conhecendo e aprendendo um pouco da arte do educador. “Normalmente, eu separo os jovens em três classes, para facilitar o trabalho” – a Casa da Sogra tem três cômodos, subdivididos em salas. A primeira é a sala Fé, que significa Fabulosa Evolução. Em seguida, há o espaço Luz, que, segundo ele, significa Liberdade Urbana. A sala Vejo Cores é a área do escritório, já que o lugar é pequeno. “Logo que o grupo chega, percebo em cada um dos participantes qual é seu ponto mais fraco. Se for falta de fé, eu o coloco na sala correspondente e assim com todos os outros, porque acredito na vibração positiva de cada espaço. A partir daí começo a explicar o que são os desenhos, as técnicas de grafitagem, que grafite é tudo o que está no muro, além de não ter fins lucrativos. Oriento que atualmente o muro sofre intervenções variadas, pois a rua mudou, agora o grafite tem a interferência do lambe-lambe, do estêncil, uma ténica de street art, que consiste em fazer recortes e depois colar na parede, ensino a traçar letras e a pintar”. O espaço cultural também oferece, gratuitamente, exibição de filmes no Cine Sogra, além de um ambiente para leitura e discussões sobre o tema.

Além de já ter participado do Programa Manos e Minas, da TV Cultura, Dingos foi colunista da revista Ollie Skate; integrante da banda de rap latino La.M.i.Ta; e coordenador do projeto Cultura Urbana. E sua trajetória também o levou ao jornal SPTV, da TV Globo, para uma entrevista sobre seu trabalho, que busca despertar a arte e a cultura nos grupos infantojuvenis da região em que vive. Por intermédio da PUC, fez um curso de metodologia de ensino em Cuba, e foi curador da Expoartsk8 – o Novo já Nasce Velho, exposição itinerante que começou na cidade de Osasco e chegou a Porto Velho (RO), apresentando shapes de skate customizados e impressos à mão, trabalho voluntário que reuniu grandes grafiteiros do Brasil, da Argentina e do Chile.

Mesmo em meio a diversas atividades, Dinhos preserva o lado social de ser um grafiteiro educador, exercendo seu trabalho nas comunidades. “Eu vou para as periferias e levo a minha bagagem de conhecimento. Eu faço um estudo para entrar nas comunidades, que exige uma ação para estabelecer relações com os moradores, para só depois fazer uma intervenção artística. O grafite passa conhecimento, é uma arte democrática que consegue transitar em diversos lugares. E levar para as pessoas algum tipo de saber já é uma grande vitória. No momento em que você oferece uma caneta colorida para uma criança, esse ato pode fazer com que ela esqueça, por alguns instantes, seu cotidiano. Com a turma infantil, as atividades são feitas com caneta à base de água, para evitar qualquer possibilidade de alergia. Quando comecei com a arte educação, eu queria mudar o mundo, hoje percebo que o trabalho é de formiguinha, e é justamente o que estou tentando fazer com esses jovens”.

Apesar das conquistas em sua carreira, o grafiteiro também passou por momentos difíceis. “Eu tive um aluno, Messias, de 17 anos. Na época, o pai dele proibiu sua participação nas aulas de grafite, e ele acabou mudando o foco e entrou para um grupo de pichadores. Um dia, quando em ação, caiu de uma janela. Foram quatro meses de internação na UTI, nós tínhamos fé de que ele se recuperaria, mas não foi possível. Esse fato despertou em mim o desejo de abrir um espaço e de fazer ainda mais por esses adolescentes”, conta.

Passado esse momento difícil, montou o Ateliê Casa da Sogra, que de fato está localizado na casa de sua sogra. Mantido de forma independente, o Ateliê sobrevive de doações e de sua obstinação. “Meu sonho é coletivo. Eu acredito que o trabalho é de longo prazo. Muitos de meus alunos, quando terminam as oficinas, continuam mandando notícias. Tem uma ex-aluna, que escreve poemas, se formou e agora está grávida e feliz”.

Dingos, que se tornou uma referência positiva para a cidade de Osasco, deseja expandir o Ateliê para atender mais crianças e adolescentes.