Ela tem pele clara, cabelos castanhos cacheados e olhos cor de mel. A imagem de Larissa Heymer aos 11 anos de idade parou no tempo. No dia 27 de abril de 2011, quarta-feira, a garota saiu de casa sozinha para ir à escola, na zona norte de São Paulo, e nunca mais voltou. “Eu jamais imaginei que esse dia iria marcar o começo de uma busca que dura até hoje”, lamenta a mãe, Carmem Izabel.
Larissa deveria ter voltado no horário do almoço, como de costume. Mas as horas foram passando e nada. Nenhum sinal da filha. Carmem conta que percebeu algo de errado quando olhou pela janela e viu que já estava escurecendo. “Achei estranho porque ela não era de sair sem me avisar, então eu já comecei a procurar. Liguei para o motorista e ele me disse que a minha filha não tinha entrado na perua da volta. Foi quando eu entrei em desespero.” A estudante foi vista pela última vez em frente ao portão da escola, no bairro Jardim Carumbé, região da Brasilândia, por volta de 16h30.
Para procurar a filha, Carmem imprimiu cartazes, bateu de porta em porta, visitou hospitais, cemitérios, unidades do Instituto Médico Legal e delegacias. Mas nunca encontrou uma pista. Na época, alguns colegas de classe disseram ter visto Larissa conversando com um homem de cicatriz no rosto, de 30 e poucos anos. Após a denúncia, investigadores localizaram dois suspeitos, mas eles prestaram depoimento e foram liberados em seguida. Até hoje, a polícia não conseguiu esclarecer o caso. Para a mãe, restam sofrimento e saudades. “Essa dor da dúvida é a dor da morte, porque ela está me matando todo dia. Minha filha está sumida, é só isso que eu sei. E ninguém tem uma resposta”.
Larissa faz parte de uma estatística alarmante. Todos os anos, 250 mil pessoas desaparecem no Brasil. São 22 desaparecimentos a cada 45 minutos, de acordo com o Ministério da Justiça. A estimativa é que, pelo menos, 40 mil sejam menores de idade. O estado de São Paulo soma, hoje, mais de 10 mil desaparecidos, segundo o Ministério Público. A promotora e coordenadora estadual do PLID (Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos), Eliana Vendramini, explica que os motivos que levam ao desaparecimento são diversos, mas há um perfil predominante. “Geralmente, são pessoas com problemas civis, doenças, alcoolismo, desentendimento em família e usuários de drogas. Mas, por outro lado, também pode ser causado por questões criminais gravíssimos, como tráfico de pessoas – que é mais comum no caso de crianças – violência policial, e tráfico de drogas.”
O trabalho de investigação ainda é um desafio e, em muitos casos, fica com as famílias grande parte da responsabilidade de ir atrás do que aconteceu e de gritar por socorro. Foi assim com a fundadora da ONG Mães da Sé, Ivanise Esperidião. A filha dela, Fabiana Esperidião, desapareceu na antevéspera de Natal, em 23 de dezembro de 1995, aos 13 anos de idade. A jovem voltava a pé da casa de uma amiga no bairro de Pirituba, zona norte da capital paulista, e sumiu. Foi vista pela última vez por volta de 20h30 em frente a um supermercado, a 120 metros de distância de onde morava. “Eu passei o dia de Natal na rua procurando pela minha filha. E durante três meses eu procurei a minha filha sozinha. De dia, eu ia aos hospitais e aos IMLs. À noite, eu saia às ruas. Andava pela Praça da Sé, pelo Vale do Anhangabaú e até pela Cracolândia, e amanhecia o dia na rua. Eu cheguei ao limite da loucura”, desabafa.
Ivanise lembra que, na época do desaparecimento, quando procurou a delegacia, foi orientada a esperar 24 horas para ter certeza de que a filha não iria voltar. “O delegado olhou pra mim e falou assim: volta pra casa, mãe. Isso é coisa de adolescente. A sua filha deve estar por aí com algum namoradinho. Até o dia amanhecer ela volta para casa”. Mas essa espera já dura 20 anos.
A diretora do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), Elisabete Sato, afirma que as delegacias estão orientadas a prestar esse atendimento sem nenhum prazo de espera. “Isso era um folclore que existia antigamente. Quem sabe esse tempo para determinar é o familiar dessa pessoa. Então se o familiar observou que aquela pessoa fugiu dos padrões diários de comportamento, deve imediatamente comunicar à polícia”.
Só em 2015, a Secretaria da Segurança Pública paulista registrou 27.759 boletins de ocorrência de desaparecimentos. Desses casos, 438 ficaram sem solução. Para Elisabete, a polícia enfrenta duas principais dificuldades na hora da investigação: falta de comunicação por parte das famílias e ausência de um banco de dados nacional.
A delegada Maria Helena do Nascimento, que comanda a 4ª Delegacia de Pessoas Desaparecidas do departamento, recomenda o registro imediato de um boletim de ocorrência em casos de desaparecimentos. “Só assim a Polícia Civil pode dar andamento em diversas investigações. Nos dirigimos a todos os órgãos possíveis: Secretaria da Saúde, da Educação, IML, Polícia Federal, rodoviárias, aeroportos, portos, enfim, dentro de cada faixa etária, dentro de cada necessidade”. Entretanto, ela admite a necessidade de um banco de dados que possa unir as informações disponíveis em todo o país. “Muitas vezes, a pessoa desaparece em São Paulo e é localizada no Rio de Janeiro, na Bahia, em Santa Catarina. Então, diante de um banco de dados nacional, seria muito mais fácil, teria muito mais celeridade na localização da pessoa”.
A promotora Eliana Vendramini afirma que uma lei estadual de 2014 determina que a polícia trabalhe com um banco de dados de São Paulo. No entanto, segundo ela, essa lei não é cumprida. “Não há sequer um projeto, senão um inquérito civil dentro do Ministério Público, para cobrar esse banco de dados. Isso é no Estado. Imagine no Brasil”.
Enquanto isso, quem perde alguém para o tempo transforma a dor da ausência em luta. No ano seguinte em que a filha desapareceu, Ivanise Esperidião fundou a ONG Mães da Sé, que hoje presta atendimento psicológico, social e jurídico às famílias de desaparecidos, e também ajuda na localização de pessoas. Desde a criação, a organização já cadastrou mais de 9 mil e 200 desaparecimentos e colaborou diretamente para o encontro de 4 mil e 300 casos, com divulgação, trabalhos junto à polícia e, principalmente, fé e união. “Nós estamos aqui para mostrar para as pessoas que os nossos filhos, os nossos irmãos, os nossos pais desapareceram e que ninguém está livre de passar por essa situação. Que o estado é negligente, omisso, e que nós precisamos de uma resposta”, conclui Ivanise.