Ocupação Prestes Maia
A Ocupação Prestes Maia (número 911) é visível para quem passa de automóvel, a pé ou está no ponto de ônibus do outro lado da avenida. São dois prédios envelhecidos pelo tempo. Um com nove andares; o outro, com 21. Há 12 anos, o Movimento de Moradia na Luta por Justiça (MMLJ) ocupa o prédio com famílias que não têm um imóvel particular. Engajadas no Movimento dos Sem-Teto, famílias carentes procuram a instituição, preenchem um cadastro e aguardam a possibilidade de ter seu espaço.
José de Anchieta Rocha Júnior, 33 anos, morador há dois anos do local, afirma com orgulho que a Ocupação Prestes Maia é a maior da América Latina em moradia vertical. “Na Venezuela também há uma ocupação, mas não é organizada. Aqui não, existe organização. Ninguém entra sem documento e temos o cadastro das famílias. Nós somos a maior”, diz o morador, que também é funcionário administrativo do movimento.
A primeira impressão é a de um local sem vida, escuro e desorganizado. Entretanto, o visitante que não apresentar seu documento de identificação na portaria é barrado. “Ficou mais de quatro décadas abandonado e já faz 12 anos que estamos aqui”, afirma Ivaneti Araújo, coordenadora geral do MMLJ.
O conjunto abriga 478 famílias, segundo o registro dos coordenadores. Visto por fora, o cenário precário contrasta com a oponente Estação da Luz. Para ter acesso ao prédio, é preciso passar por uma estreita porta de ferro. No hall de entrada, há um pequeno estacionamento de carrinhos de coletores de sucatas e um balcão que lembra um guichê. Atento, o recepcionista exige a identificação, como em qualquer condomínio. O propósito da visita logo é indagado, e a permissão concedida pelo coordenador. Todos que entram no local, sejam crianças, adultos ou idosos, sabem que o elevador não está disponível. A escada em formato circular é o único meio para se chegar aos apartamentos.
Família matriarcal
“Meu apelido é Lilia e quem o deu foi a coordenadora Silmara, a quem eu amo muito”, afirma Maria de Lurdes Olindo, que, aos 45 anos, se esforça bastante para dar aos filhos uma condição melhor de vida. Ela mora no 4º andar com dois de seus quatro filhos: Ketlyn Monique dos Santos, 16 anos, e Pedro Henrique Olindo, de 5. Em Barueri, com os avós, moram Daniel Henrique, 13 anos, e Marcela Beatriz, de 12. “Lá em Barueri, a educação é melhor”, afirma Lilia.
Em uma sala de 28m² dividida por um guarda-roupas de duas portas, Maria de Lurdes ajeita como pode seus pertences. Próxima à janela, uma cortina cor de rosa disfarça a parede rude e cinza. Duas camas e uma poltrona baixa com assento de pano grosso ocupam o espaço, onde também cabe uma televisão de 50 polegadas. “Não olhe a bagunça”, diz Lilia, envergonhada.
Máquina de lavar, fogão, geladeira, mesa, quatro cadeiras e um pequeno armário de cozinha compõem o segundo cômodo do apartamento n. 17, no 4° andar. “Me sinto muito bem aqui. Não tenho preconceito de morar na ocupação. Sou trabalhadora, pago R$ 105 de taxa e tenho minhas coisinhas. A única coisa que falta é um banheiro dentro de casa”, afirma Lilia.
Trezentas e oitenta crianças entre zero e 12 anos de idade, segundo o administrador do prédio, moram na ocupação. “Estamos organizando nossos arquivos, mas não temos o número de todos os moradores por idade, somente o das crianças e a quantidade de famílias”, declara José de Anchieta.
O filho mais novo de Maria de Lurdes, com quase seis anos, não está matriculado na creche. Ela reclama da dificuldade de conseguir vaga para Pedro Henrique. “Creche particular não dá, por ser longe e o valor, alto. Não posso pagar”. Quando ela está no trabalho, ela o deixa com a vizinha, pagando R$ 50 por mês. “Se estivesse em uma creche, ele estaria lendo, pois é bem inteligente, mas aqui faço o que posso”, diz a mãe, orgulhosa.
A outra filha, Ketlyn, estuda na Escola Estadual João Kopke, há vinte minutos da ocupação e seu sonho é chegar à universidade. “Gosto muito de ciências e quero estudar astronomia. Vou fazer o cursinho da Poli-USP, mas não neste ano, por causa da minha idade”. Ao ser perguntada sobre as dificuldades que encontra em morar na segunda maior ocupação vertical da América Latina, ela para por um instante e suspira. “Estou morando aqui com minha mãe faz três anos. Antes, eu tinha receio, porque quem olha para uma ocupação nunca vê que somos honestos. Aos poucos, fui me acostumando e percebi que é uma coisa normal, é como se fosse uma pensão”, declara Ketlyn.
Maria José Santos Silva, 47 anos, moradora do apartamento número 13 no 5º andar, nunca foi incentivada pelos pais a estudar. Ao abrir a porta, segurando um pincel por estar restaurando alguns armários e mesas, a pernambucana pede desculpa pela desordem. “Quando cheguei em São Paulo, há 25 anos, eu fui trabalhar em casa de família; depois fui ajudante no clube Juventus e assim não tive oportunidade de estudar. Hoje, então, sou dona de casa”.
Para a filha de Maria Jose, Maria Rita Santos Pereira, 12 anos, estudar é quase diversão. Ela mostra com orgulho os cadernos e livros escolares do 6° ano, diferentemente de Beatriz Santos, 15 anos, sua irmã, que não gosta de nada relacionado a livros e a estudos. Maria Rita acorda todos os dias às 6h, vai para a escola e retorna ao meio-dia para ajudar, nas tarefas de casa, sua mãe, que há dois anos aguarda um transplante de rim. “Sou divorciada e meu ex-marido me ajuda na educação das meninas, mesmo não morando aqui”, declara Maria José.
Família patriarcal
O mecânico elétrico Vidal Fernandes, 32 anos, é casado com Mara Sulânia de Araújo Fernandes, dona de casa. Eles têm três filhos, todos estudando em escolas públicas. “Para criá-los, só com a benção de Deus”, diz Mara ao lado do marido, que acabara de trocar o botijão de gás da cozinha carregado desde o térreo até o 6° andar.
Em um prédio sem elevador, tudo tem de ser levado nos ombros. Em cada andar há uma área livre na qual roupas são esticadas em varais improvisados e bicicletas enfileiradas nos cantos. Segundo Diovana, moradora e funcionária da administração, “o espaço em frente aos apartamentos pode ser utilizado para fazer festas de aniversário, depois de agendado com a coordenação. Mas somente os convidados para o evento podem participar, e isto é respeitado”.
“Quando fomos convidados para morar na ocupação, meu marido estava no Piauí trabalhando para enviar dinheiro. Eu fazia Miojo no ferro de passar roupa, onde esquentava a água também. Hoje as coisas melhoraram”, comenta Mara, visivelmente emocionada.
“Antes de virmos para cá, tínhamos uma vida boa. Eu era empresário, mas quebrei por motivos particulares. Nossos filhos são uma benção. Acompanhamos eles em tudo, nos estudos, nas reuniões da igreja, procuramos saber com quem eles andam, e quando não estamos em casa, colocamos eles no CCA (Centro para Crianças e Adolescentes)”, conclui, Vidal.
Ações paralelas
Segundo Ivaneti Araújo, coordenadora do MMLJ, as famílias têm dificuldade de matricular seus filhos. “Elas fazem o cadastro na rede, e o sistema joga as pessoas matriculadas bem longe de seu endereço, criando um problema sério. Há crianças que vão estudar longe de casa, e a mãe trabalha e cuida sozinha dos filhos. Muitas vezes não tem com quem deixar os mais novos”.
Ações sociais são feitas coletivamente, para amparar as famílias mais necessitadas. “Quando percebemos falta de alimentos e remédios, auxiliamos por um tempo, mas não podemos deixar a pessoa se acomodar”, afirma Ivaneti.
Construído na década de 1960, o prédio número 911 da avenida Prestes Maia foi desapropriado pela Prefeitura no final de 2015. As famílias cadastradas e alojadas ali aguardam a reforma do edifício.