logo_arruaça

Edição nº 7 – 2018

Cai a noite em São Paulo. Enquanto parte das ruas submerge no silêncio e é iluminada levemente pelas lanternas amarelas da iluminação pública, outra parte acorda, liga refletores e lâmpadas e se prepara para uma jornada inteira de trabalho e diversão. O universo da vida noturna liga seus motores. Alguns bares e baladas apostam em ritmos de sucesso como sertanejo ou funk; outros se dedicam a gêneros atualmente menos comerciais, como rock, forró e samba. Um terceiro grupo dá à rumba o nome de um continente inteiro. E vibra com timbales, piano, clave – onde mora o espírito da festa latina.

Na porta do Rey Castro, às 22h, há uma fila de umas 15 pessoas. Saltos altos, vestidos brilhantes, alguns blazers e gravatas. Constantemente entram pessoas no lugar, mas a fila não para de crescer. As portas entreabertas de madeira permitem ver o interior, os jogos de luzes, a banda ao vivo e o momento em que a multidão explode em êxtase quando começa a tocar Despacito. Luis Fonsi é seguido por Shakira, Maluma e Anitta. Umas duzentas pessoas cantam em uníssono em espanhol. Os bartenders e garçons quase não dão conta da produção e distribuição de bebidas. A pista de dança está cheia, e a banda ao vivo é ovacionada pelo público a cada número executado. A imagem é clara: a festa latina tem uma nova cara e tudo indica que esteja na moda.

Walace Giuzio, 32 anos, um dos sócios do lugar, explica que o boom que produziu Despacito é o que está resgatando a música latina, trazendo-a de volta ao cenário das festas noturnas em São Paulo e no mundo. “O que no Brasil chamamos de música latina é uma reunião de vários ritmos que mudam a cada década e remetem a autores e batidas diferentes. Agora estamos vivendo a era do reguetón”.

Em São Paulo começam a surgir lugares dedicados exclusivamente a ritmos como salsa, bachata e latin jazz, além do reguetón, o género mais popular atualmente. Gilberto Favery, 52 anos, baterista profissional, recorda que a salsa em São Paulo começou no AeroAnta. Giba, como é chamado pelos amigos, tinha 19 anos quando em 1984 duas bandas de salsa disputavam o cenário noturno paulistano: a Galeão e os Heartbreakers, formada a partir de alguns dissidentes daquela. Os admiradores da música latino-americano reuniam-se nas noites de quarta-feira no bar AeroAnta, situado no Largo da Batata, em Pinheiros. As duas bandas acabaram, mas alguns músicos dos Heartbreakers decidiram formar o Havana Brasil, que passou a se apresentar no bar Avenida, também em Pinheiros, até que a moda da salsa passasse. Giba, que chegou a integrar o Havana Brasil, recua um pouco no tempo para localizar a origem do interesse brasileiro pela música feita na América Latina: “Essa atmosfera nasceu da telenovela Vereda Tropical (exibida entre 1984 e 1985). Foi a partir do momento em que a Globo a lançou que cresceu o interesse das pessoas pela música latina”.

Juan Trocolli, argentino de 47 anos, sócio fundador do Azucar Club Cubano, diz que, na virada do século 20 para o século 21, o mundo se latinizou. Em 1998 é lançado o documentário sobre o grupo Buena Vista Social Club; logo depois, surge a cadeia de restaurantes Astrid & Gastón; na mesma época, Ricky Martin e Shakira viram ídolos internacionais. “Esses dois elementos, a gastronomia e a música, impulsionaram o boom da cultura latina. Em Paris criou-se o bar Barrio Latino, e aqui em São Paul surgiram o Conexión Caribe, o Buena Vista e o Rey Castro. Pensando nisso, eu e meu sócio criamos o Azucar, inspirado na Cuba dos anos 1950”.

Vale lembrar que a onda latina privilegia somente alguns ritmos do continente e trata o Brasil como não fazendo parte dele, o que para muitos é um contrassenso. “A separação que se costuma fazer entre o Brasil e a América Latina tem a ver com a diferença de língua, porque nos outros aspectos o continente inteiro tem fios e conexões muito fortes. Existem semelhanças entre o forró, a salsa, o sertanejo, a bachata, o funk e o reguetón”, afirma Walace Giuzio, que se aproximou da música latina quando era bailarino aos 20 anos. A popularidade dos ritmos latinos no Brasil sempre oscilou nos últimos anos, mas nunca atingiu um ponto tão alto como o que está produzindo atualmente a onda do reguetón. “Várias baladas tradicionais acabaram fechando. Lugares como o Buena Vista, por exemplo. Agora, depois do boom do Despacito e do reguetón, a gente abre até aos domingos”, explica Walace, sócio da Rey Castro.

À meia-noite, a fila para entrar no Rey Castro continua. Na pista todos dançam Pabllo Vittar na “versão salsa” apresentada pela banda Coconut Versões, especializada em misturar ritmos latinos com música pop. Renato (guitarra), Luiz (baixo), Franklin (percussão), Gilberto (bateria), Hanser (piano) e Thaiane (vocais) reuniram-se em 2014 para tocar música latina e hits do momento. “A banda mais aconteceu do que foi planejada. Cada um de nós trouxe sua experiência, e as características do grupo foram se consolidando pouco a pouco”, declara Luiz.

A especialidade da Coconut Versões é fazer as músicas de Maluma, Adele o Anitta soarem como salsa, e o rock de Shakira como reguetón. “Ao misturar todos esses sons, criamos uma ponte cultural. O reguetón é um gênero que oferece essa possibilidade, conectar o continente. O conceito da Coconut Versões é propagar a música. É isso o que a gente quer”, conclui Thaiane.