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Edição nº 3 – Junho de 2015Do 78 rotações, no início do século XX, ao MP3 dos dias atuais, a música brasileira é registrada para seus contemporâneos e para as gerações futuras. Para o artista, lançar um disco representa atingir o grande público. Para as gravadoras é visar ao lucro ou ao prestígio. Para ambas as esferas, no decorrer da história, não houve a idéia de que o disco é um registro da história de uma época ou estilo, deixou-se à prova da agulha o imediatismo e a memória histórica não foi preservada.

O long-play, foi uma grande mudança para a industria fonográfica e para os artistas. O professor Eduardo Vicente, doutor em Musicologia da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-SP), autor dos projetos “O Outro lado do Disco” e “Memória Oral da Industria fonográfica” explica: A partir do momento em que se tem um registro com maior duração que o 78 rotações proporcionava, no final da década de 1940 o long-play garante o conceito expandido de um tema dentro de diversas faixas, além da possibilidade de experimentação. Cria-se o conceito que até hoje chamamos de álbum, em conseqüência disso, eleva-se a qualidade das produções, deixando para os compactos a função de atender às paradas de sucesso e às rádios com as chamadas músicas comerciais”.

A relação entre a gravadora e o artista é baseada em interesses. “Os artistas para obterem sucesso perante o público e prestigio perante a crítica necessitavam do amparo de uma grande gravadora que divulgasse esse trabalho. Para isso, os contratos eram elaborados com o objetivo de que todo esse material produzido ficasse em posse da gravadora”, aponta Vicente. Rodrigo Faour, produtor musical e jornalista que esteve à frente de diversos projetos de resgate da memória musical brasileira, complementa. “Não se pode imputar à gravadora a pecha de vilã. Nenhum artista conseguiria lançar um disco. Hoje para produzir um disco é mais fácil, custa em média R$ 30 mil. Em outras épocas, o custo de um LP era no mínimo de uns R$ 100 mil. Nenhum artista poderia arcar com os gastos da produção e da distribuição de um disco, mas as gravadoras, sim. Havia uma troca. As empresas organizavam e financiavam os custos de um projeto, e o artista vendia sua arte para as gravadoras”.

Existem muitos fatores que envolvem a valorização ou não de um álbum. “Os cantores da era do rádio, como Dalva de Oliveira, Linda Batista e Ataulfo Alves vivem à sombra da história musical. Seus trabalhos foram originalmente lançados em 78 rotações e, com a popularização da televisão e o lançamento de novos nomes, artistas como eles, da velha guarda, acabaram sendo esquecidos”, afirma Vicente.

O interesse comercial atrapalhou a preservação dos acervos. “As gravadoras foram vendidas diversas vezes e seus registros, quando foram feitos, ficam perdidos, não havendo catalogação adequada do material. Pesquisar a cultura brasileira é como buscar um livro em uma biblioteca pegando fogo. A história da música brasileira se perdeu. As empresas que detêm essas matrizes muitas vezes nem sabem o que têm. Minha principal fonte de pesquisa ainda é a oralidade de quem viveu a história”, declara Vicente. “Os fonogramas estão em empresas especializadas em arquivo, porém, elas arquivam contratos, objetos, papeis diversos e discos. Elas não têm a pretensão de saber o que se guarda nas caixas. Sua obrigação é mantê-los com segurança. Não há profissionais contratados pelas gravadoras que saibam o que se tem e que conheçam a história de cada disco guardado. Quando se abrem as caixas, há apenas as gravações. Quando coordenei o lançamento dos discos da Bethânia e da Elis, por exemplo, tive que emprestar os vinis para a gravadora a fim de digitalizar as capas, pesquisar as fichas técnicas e reescrever os versos das músicas. Não me desfaço dos discos porque mesmo depois de lançado em CD as gravadoras não se preocuparam em anexar meu trabalho às matrizes arquivadas”, complementa Faour. “Não me desfaço dos discos porque mesmo depois de lançado em CD as gravadoras não se preocuparam em guardar os scans das capas junto às matrizes arquivadas”.

O investimento e a valorização em pesquisa musical no Brasil são escassos. “Eu ganhei pouco dinheiro para resgatar trabalhos no país. Importa mais o registro desta pesquisa, é claro, porém, não é fácil e depende de muito tempo, trabalho e conhecimento. Não se pode viver somente da paixão. O profissional e seu trabalho devem ser valorizados” defende Faour.

A venda de discos cai a cada ano e dificulta cada vez mais o interesse das gravadoras em relançar álbuns antigos. “Custa muito caro distribuir um CD. A empresa que faz as cópias do CD só aceita encomendas a partir de mil unidades. Quando se vendem 300 em média, não há lucro, e as gravadoras perdem qualquer estimulo nestas produções”, afirma Faour. A internet e seus downloads irregulares acabam contribuindo para a baixa nas vendas. “Não há mais interesse no CD físico e em todo o trabalho que um resgate musical implica. O consumidor acha caro o preço etiquetado, enquanto em sites pode-se baixar gratuitamente músicas soltas, sem ficha técnica, descaracterizando todo a obra”, completa Faour.

Resta aos consumidores à antiga ir à caça de tesouros nos velhos sebos ou esperar o lançamento de uma minissérie ou de biografia de determinado artista para que seus discos sejam valorizados novamente. Até lá, iremos nos deparar muitas vezes com o aviso: fora de catálogo.

 

 


 

 

 

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