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Edição nº 3 – Junho de 2015

Histórias em quadrinhos são fenômenos universais, geralmente associados à adolescência: fáceis de ler, de trocar, de guardar e de descartar. Para muitos adultos, elas são consideradas superficiais, inúteis e pouco relevantes, sem muito fundamento. Mas as reportagens sobre conflitos étnicos internacionais de Joe Sacco, que retratam a guerra entre palestinos e israelenses na Faixa de Gaza e o massacre de muçulmanos na Bósnia, por exemplo, fogem desses estereótipos. Vencedor de vários prêmios, como o American Book Award, a linguagem escolhida para seus relatos de não-ficção consagrou o jornalista e o gênero, batizado de Jornalismo em Quadrinhos.

De acordo com o professor e pesquisador Aristides Dutra, autor de uma dissertação de mestrado sobre o assunto, Joe Sacco ainda é o mais importante jornalista a se aventurar pelo formato. “Seus livros possuem grandes qualidades tanto como história em quadrinhos quanto como reportagem”. Para ele, Sacco é o autor mais lido, mais comentado e, sobretudo, o mais comprometido com a ideia de reportagens em quadrinhos, que são o foco de sua produção, e não apenas uma experimentação ocasional.

Apesar de não serem conhecidos pelo termo “jornalismo em quadrinhos”, que só passou a ser utilizado depois de Joe Sacco, a partir de 1992, há registros de narrativas que se aproximam desse formato que datam do século XIX, como algumas produções de Angelo Agostini, um desenhista italiano que firmou carreira no Brasil. Mas segundo Dutra, o título de primeiro HQ-repórter, termo utilizado para designar os profissionais que se aventuram pelo JQ, é, provavelmente, do pintor Constantin Guys, que cobriu a Guerra da Crimeia (1853-1856) para o jornal inglês Illustrated London News. Ele produzia os desenhos e os enviava para a capital inglesa, onde eram transformados em xilogravuras e impressos no jornal.

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Joe Sacco é um jornalista e quadrinista nascido em 1960 em Malta. Formado em jornalismo, descobriu-se apaixonado por quadrinhos e passou a documentar a realidade através dessa linguagem. Seus relatos humanizados e que contam a história do ponto de vista das pessoas comuns fizeram de obras como Palestina e Área de Segurança: Gorazde ganharem destaque em meio às diversas reportagens sobre conflitos étnicos internacionais | Crédito: Joe Sacco – Palestina

 

 

 

O quadrinho mostra e o jornalismo conta
Apesar de o gênero ser uma área ainda pouco explorada, o interesse por ele vem crescendo, já que o poder da informação visual de um gibi aproxima e cativa mais o leitor, além de facilitar a compreensão. Ainda assim, surgem algumas questões, como o que separa o que é jornalismo do que é quadrinho em um trabalho de JQ. “Numa boa obra – como a de Joe Sacco – não há essa separação. A conjunção perfeita é quando se tem a impressão de que aquela reportagem em quadrinhos não poderia ser realizada em outro formato”, responde Augusto Paim, jornalista, tradutor e pesquisador.

Uma peça exemplar de JQ precisa, ao mesmo tempo, ser uma boa história em quadrinhos e ainda trazer os elementos necessários para uma boa reportagem, como processos de pesquisa, apuração, entrevista e checagem das informações. “Mas como uma situação ideal raramente condiz com a realidade, basta uma história em quadrinho pretender ser jornalística para que seja aceita como tal”, diz Paim.

A linguagem da nona arte conta com um arsenal de recursos e possibilidades técnicas, narrativas e estilísticas, conforme elenca Dutra: “uso de cor ou PB; coloração a mão; coloração por computador; diferentes estilos de traço; narrativa em primeira ou em terceira pessoa; texto com a história mais centrada na ação ou nos diálogos… Muitas e muitas e muitas possibilidades”. É orientado por essas escolhas que o jornalista expressa o tom que a reportagem terá. Assim, além de um desenho poder ser mais detalhista que uma foto, ele pode trazer uma informação que não seria adequada por meio da fotografia, de forma que crie um impacto diferente no leitor.

Arruaça-Reportagem Karina Aurora Dacol-foto 2Art Spiegelman, o único autor de histórias em quadrinhos que foi premiado com o Pulitzer por seu livro Maus, conta, na obra, a história de seus pais, sobreviventes do holocausto. Ele retratou os judeus como ratos, os alemães como gatos, os poloneses como porcos e os americanos como cães. Na mídia, não existem imagens tão fortes como a que a narrativa de Spiegelman traz ao representar um prisioneiro no campo de concentração se alimentando de sopa de baratas | Crédito: Art Spiegelman – Maus

 

Para pôr a mão na lapiseira

Para aqueles que se interessam pelo gênero além da teoria e do consumo, é preciso, inicialmente, se familiarizar com questões técnicas da linguagem dos quadrinhos e conhecê-la no nível de um criador na área. Aprofundar-se no Jornalismo Literário, ou new journalism, pode ser um diferencial no envolvimento do HQ-repórter no tema tratado. Paim indica como fundamental a leitura dos livros de Scott McCloud e Will Eisner. “Depois, acho importante se familiarizar com as falas do próprio Joe Sacco sobre JQ, pois além de um grande autor, ele também é uma pessoa preocupada em refletir sobre esse novo formato de se fazer jornalismo”.

No momento de colocar a ideia em prática, é necessário que o desenhista esteja presente durante a apuração, no caso de duplas. Afinal, nem todo repórter precisa trabalhar sozinho e dominar a arte do desenho. Para o jornalista e quadrinista Alexandre De Maio, a apuração de uma reportagem pensada em termos de JQ é feita do mesmo modo que uma reportagem normal. “Por isso, é essencial que o desenhista participe dessa investigação e entenda o processo do jornalismo”. Em outros termos, essa pessoa tem a mesma função de um fotorrepórter ou de um cinegrafista. “Ela precisa apurar através das imagens. Só assim seus desenhos podem ser igualmente informativos, não apenas ilustrativos”, explica Paim.

Arruaça-Reportagem Karina Aurora Dacol-foto 3Enquanto muitos jornalistas mantém a pretensão de “observador neutro”, Sacco é um personagem de suas histórias, participando ativamente das situações retratadas, conversando com o leitor e constantemente observando o que ocorre ao seu redor |Crédito: Joe Sacco – Palestina

 

 

 

 

 

 

 

 

Da mesma forma como o cinema, a literatura ou a fotografia podem tratar de qualquer assunto, os quadrinhos também não apresentam nenhuma restrição temática. No entanto, os principais trabalhos publicados até hoje têm se concentrado em conflitos étnicos e injustiças sociais, do presente e do passado. “Isso de forma alguma significa uma restrição, apenas aponta para interesses comuns de uma geração de autores”, esclarece Paim.

Arruaça-Reportagem Karina Aurora Dacol-foto 4O jornalista Augusto Paim passou alguns dias na comunidade Complexo da Maré, no Rio de Janeiro e, em parceria com o ilustrador Mau Mau, narrou a invasão policial e seus desdobramentos na guerra ao tráfico | Crédito: Augusto Paim e Mau Mau – Cartoon Movement

 

 

 

 

 

Fazer uma reportagem em quadrinhos é um trabalho que pode levar meses, ou até mesmo anos para ser finalizado. Por que não fazer uma reportagem tradicional, com texto e fotos, que é mais rápido, fácil, informativo e acessível para mais leitores? Para Dutra, é mais produtivo questionar o que pode acontecer numa reportagem do gênero que normalmente não acontece em outras formas de jornalismo. “A luta que a história em quadrinhos tem travado nos últimos 20 anos tem sido a de deixar de ser vista como um gênero menor e impor-se definitivamente como uma linguagem completa, autônoma e sofisticada. O cinema também era menosprezado na primeira metade do Século XX, mas venceu essa guerra”, afirma.

 

 

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