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Edição Especial – Junho de 2016

 

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Pepe em sua primeira visita ao estádio para ver Palmeiras e Flamengo com o pai | Acervo Pessoal de Mônica e Felipe

Após oito anos juntos, Felipe e Mônica Padovani decidiram ter um filho. Moradores de Mairinque, cidade de 47 mil habitantes do interior de São Paulo, os dois se planejaram e nasceu Pedro, apelidado carinhosamente de Pepe. A vontade do casal é a de ter outra criança, mas isso implicaria eles terem de dividir a atenção dada a Pepe, que é autista, com esse novo filho. Pedro foi diagnosticado com autismo quando tinha três anos de idade, mas os pais já notavam os sintomas do TEA (transtorno espectro autista) desde os dois anos. A maioria dos pais percebe o autismo muito antes de o diagnóstico ser dado.

Foi o caso de Berenice Piana com o seu filho caçula, Dayan, que hoje tem 22 anos. A peregrinação a diversos médicos foi muito grande. Berenice acredita que os profissionais ainda não estão preparados para dar o diagnóstico. “Nas universidades o autismo não é ensinado e compreendido como uma deficiência. Passamos por diversos médicos que não sabiam dizer o que o meu filho tinha. Eu havia percebido claramente que ele era autista desde os dois anos de idade, mas o diagnóstico só foi feito aos seis”, diz a mãe.

Felipe e Mônica não conheciam o autismo. Os dois tiveram que pesquisar muito para entender como poderiam ajudar no desenvolvimento de Pepe. Cada conquista para o autista é muito importante. O casal se recorda de duas situações que marcaram a vida deles. Uma delas foi no aniversário de Pedro, quando ele conseguiu apagar a velinha do bolo. Felipe conta que quando ele e sua esposa chegaram à escola, Pepe ficou de longe, observando-os arrumar tudo para sua festinha. Enquanto seus colegas entravam na sala correndo e fazendo barulho, ele ficou quieto, meio desorientado. Todos se reuniram em volta da mesa e ele, incomodado com o barulho e a movimentação, levava pequenos sustos, como ocorre em algumas situações com frequência. Já sabendo que iam cantar os parabéns, rapidamente se afastou. Acompanhou tudo de longe, atento, enquanto um de seus amigos apagava a vela em seu lugar. Quando todos já estavam sentados e não havia mais barulho, ele fez uma tentativa, mas não conseguiu por falta de coordenação. Percebendo seu interesse, já em casa, os pais colocaram o mesmo bolo para que ele apagasse a vela. “Pela primeira vez, eu tive a certeza de que o Pedro entendeu que era seu aniversário”.

Um dos maiores sonhos de Felipe, palmeirense roxo, era ter um parceiro de estádio. Desde que Pedro foi diagnosticado com autismo, ele sempre achou que fosse impossível, mas aconteceu. O pai escreveu uma carta falando sobre o desejo que tinha de levar o filho ao estádio, postou no Facebook e também enviou ao Palmeiras. A carta chegou até a um ex-diretor do clube que os convidou para assistir ao jogo nos assentos do camarote. Em um domingo de manhã, os dois foram ver o Palmeiras jogar contra o Flamengo. “O Pedro se comportou, ficou os 90 minutos lá. Será um dia que eu lembrarei por toda a minha vida”, conta Felipe.

Christine Degen é psicoterapeuta e trabalha com autistas há sete anos. Ela atende em um consultório onde faz avaliação e reabilitação neuropsicológica e na APAE (Associação de Pais Amigos dos Excepcionais), onde é coordenadora clínica dos programas de atendimento aos autistas e de apoio à educação inclusiva. “Existem vários níveis de autismo. Vai depender se o paciente com TEA tem deficiência intelectual ou atraso de linguagem associados. Quanto maior a associação dessas deficiências, mais cuidados a pessoa vai precisar ao longo da vida. O autista tem condições de ter uma vida o mais perto possível do que chamamos de normal. Eles podem trabalhar, casar, se assim o desejarem, desde que tenham sido ajudados a alcançar esses objetivos”, afirma Christine.

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Apagando a velinha pela primeira vez | Foto: Acervo Pessoal de Mônica e Felipe

Felipe conta que mesmo Pepe tendo dificuldade na fala, eles conversam bastante. Uma das coisas que eles costumam fazer juntos é cantar. Lugares com muita informação e excesso de barulho, como shoppings centers, por exemplo, o incomodam muito.

Os ouvidos dos autistas têm uma hipersensibilidade muito grande. Esse é um dos motivos pelos quais Berenice alega que a melhor opção para as crianças é estudar em escolas especializadas e não em escolas regulares.

“As escolas regulares ainda não estão preparadas para receber os autistas. Eles precisam de acompanhamento com profissionais especializados e isso na maior parte das vezes falta”.

Ela percorreu um caminho duro até conseguir com que a lei do autismo fosse aprovada, batizada inclusive com seu nome. “Entre os benefícios legais está o tratamento multidisciplinar, o reconhecimento do autismo como uma deficiência e a garantia do direto à matrícula na escola regular com acompanhante especializado”. Dayan sofreu muito quando passou pelas escolas regulares. Ele chegou a fugir de uma delas quando tinha quatro anos de idade. Na época, Berenice não teve como colocá-lo em uma escola especializada, pois não existia nenhuma em Itaboraí, onde eles moram.

A partir de então, ela se empenhou novamente para que o projeto da Clínica Escola Autista fosse aprovado pela prefeitura da cidade. Hoje o local tem capacidade para 154 crianças e está sendo mantido pela prefeitura. “É muito importante o autista ser acompanhado por uma instituição especializada. Lá nós temos nutricionistas, psicólogos, terapeutas e tudo o que o autista precisa para evoluir. A vida adulta dessas crianças vai depender dos pais. Serão eles os responsáveis por isso”, diz Berenice. Hoje Dayan trabalha com ela na loja de artesanato da família. Lá ele confere, separa e entrega as peças. Sua história influenciou na escolha da profissão de sua irmã mais velha, que hoje é psicoterapeuta.

Pedro estuda em uma escola regular particular e tem apoio de uma terapeuta. Ele não segue a apostila, e suas atividades são diferentes das realizadas pelos seus colegas. Felipe acredita que o preconceito ainda existe, principalmente pela falta de informação e conhecimento sobre a deficiência.

“Uma das maiores dificuldades de um pai de autista é conseguir uma escola que encare com prazer educar uma criança especial”, relata Felipe.

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Berenice Piana e o filho Dayan | Foto: Acervo Pessoal de Berenice Piana

O casal também se envolveu em algumas causas. Em 2015 eles levaram para a Câmara Municipal de Mairinque um projeto cuja verba necessária era de R$ 30 mil reais, destinados ao departamento de educação do município. A ideia era usá-la para levar palestras e workshops às escolas, a fim de que os professores ajudassem a fazer o diagnóstico precoce. A verba também seria usada para ajudar famílias a pagarem o tratamento que costuma ser caro. Mas o projeto foi rejeitado.

O casal ajudou a fundar a primeira associação de pais autistas da cidade, a AMAIS. Além de dar apoio às famílias, eles também realizam um trabalho de conscientização com caminhadas e eventos com arrecadação de fundos. “No começo fiquei muito bravo, mas hoje entendo que não adianta esperar nada do poder público, devemos fazer por nós mesmos”, diz Felipe.

Para a psicoterapeuta Christine, a maior dificuldade enfrentada em seu trabalho não são os pacientes autistas. “Os serviços públicos da região oferecem pouco às pessoas com deficiência, tanto na área da saúde, assistência social e educação, o que acaba sobrecarregando nosso trabalho. Como vivemos de doações não conseguimos oferecer todos os atendimentos que gostaríamos. Somado a isso, ainda encontramos o preconceito”.