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Edição Especial – Junho de 2016

 

Na década de 1980, o rock foi o grande estilo musical brasileiro. Se você soubesse tocar guitarra e morasse em Brasília, por exemplo, já teria um contrato garantido em uma gravadora de destaque. Na capital federal, surgiram bandas como Legião Urbana e Raimundos. Era uma época de ouro para os roqueiros. Embora a jaqueta perfecto e as tachinhas punk sigam no auge nas vitrines, a maioria dos fones de ouvidos é comprada hoje para escutar a que é considerada a mais nova música pop do Brasil: o sertanejo.

Com letras na boca do povo e arranjos influenciados por quase todos os estilos, o atual gênero musical preferido dos brasileiros domina o ranking das mais tocadas nas rádios. Segundo a empresa de pesquisas Crowley, que afere a audiência desse tipo de levantamento, das 100 músicas mais executadas no ano passado, 75 foram sertanejas. Nenhum rock nacional apareceu na lista. Nos primeiros meses de 2016, a predominância se intensificou ainda mais. No top 10, apenas uma faixa não pertencia ao sertanejo.

Para a historiadora Cristina Souza, da UFMG, o rock teve que abrir lugar para o sertanejo porque assumiu uma postura underground, quando há pouco ou quase nenhum apelo comercial. “O interesse das bandas roqueiras em conversar com o grande público diminuiu. Elas querem cada vez mais estar na cena alternativa, com canções mais conceituais e menos comerciais. As pessoas ainda estão presas aos mesmos grupos dos anos 1980 e 90”, analisa. De acordo com Cristina, outro fator que fez o rock nacional sumir das paradas de sucesso foi o fato de não criar alternativas para se manter no auge. “O gringo se reinventou. Arcade Fire e Arctic Monkeys, por exemplo, ganharam uma importância enorme, lotam festivais e levantam outras bandas. Não temos um caso assim no Brasil”, observa.

O que a música sertaneja ostenta e colhe hoje pode ter sido plantado no início da década de 1990, quando o gênero começou a desbancar o rock nacional. Segundo Cristina, há pouco mais de 20 anos já eram notórios os laços de união no sertanejo. “Se você parar pra pensar, eles formam uma família desde 1995, quando teve aquele festival ‘Amigos’, exibido pela Rede Globo. Três importantes duplas (Leandro e Leonardo, Chitãozinho e Xororó e Zezé Di Camargo e Luciano) se uniram para alavancar o estilo. Era uma só voz. Com as mortes do Leandro e do João Paulo, parece que ganharam ainda mais força. De lá pra cá, só fortificaram e aceitaram novos membros, como se fosse uma família mesmo”, diz.

Arruaça-Reportagem-Felipe Paz-foto

Zezé de Camargo & Luciano cantam com Gusttavo Lima | Foto: Divulgação AudioMix

Dentro desse contexto, é comum ver hoje a participação de duplas clássicas, como Zezé Di Camargo e Luciano e Chitãozinho e Xororó, em músicas, DVD´s e festivais ao lado de Gusttavo Lima e Luan Santana, por exemplo, que são artistas da atualidade. Em outros gêneros, essa interação não é tão frequente. Dudu Borges, um dos principais produtores musicais do país, exemplifica essa sintonia. “O sertanejo prevaleceu porque ousou, se arriscou, não teve preconceitos e fez as conexões musicais necessárias para crescer. Para se ter uma ideia, eu produzi duas músicas que envolvem pelo menos três estilos. O Jorge (da dupla Jorge e Mateus) gravou com o Xand (Aviões do Forró) e com o Fábio Júnior. Isso colabora para se ter um conteúdo com diversas influências e cada vez mais bem aceito”, afirma.

É exatamente nessa questão que o sertanejo leva vantagem sobre os demais estilos, como o rock. Segundo o crítico musical André Piunti, do portal UOL, a flexibilidade é uma das virtudes do gênero mais tocado hoje no país. “Eles se adaptam a todos os públicos. Fazem pagode sertanejo, axé sertanejo, pop e assim por diante. Eles se renovam, enquanto o pessoal do rock e da MPB persegue o purismo e a mesmice. Roqueiros e emepebistas são órfãos do tempo em que as gravadoras regiam o consumo”, opina. “Em breve, vai ser difícil alguém dizer que não gosta de sertanejo, pois ele está se desdobrando em tantos estilos que vai ter música para todos os gostos”, aposta André.

Sucesso nas rádios, a música sertaneja também lidera os principais rankings na internet. As faixas geralmente são disponibilizadas na web antes mesmo de serem trabalhadas comercialmente. A dupla Henrique e Juliano lidera na América Latina a lista dos músicos mais procurados no YouTube, com mais de 1,5 bilhão de visualizações.

O sertanejo também domina o mercado de direitos autorais no Brasil. Segundo o Ecad (Escritório Central de Arrecadação), os artistas que mais arrecadaram nos últimos anos foram Victor Chaves, da dupla Victor e Leo, e Sorocaba, primeira voz na parceria com Fernando. Desde 2010, ambos faturaram mais do que Roberto Carlos. Hoje, quem mais recebe dinheiro por composições é Bruno Caliman, autor da música sertaneja “Domingo de manhã”, canção mais tocada no ano passado nas vozes de Marcos e Belutti.