Desde a Grécia Antiga o Teatro se apropria do espaço público para discutir problemas enfrentados pela sociedade. No Brasil as manifestações teatrais assumem diversas formas, variando conforme a região e o reflexo de sua época. O fazer teatral em espaços abertos acompanha os movimentos sociais e políticos de seu tempo.
Foi um símbolo de resistência cultural à ditadura nas décadas de 60, 70 e 80 e, na contemporaneidade, retrata a caótica e complexa vida urbana. As motivações do Teatro de Rua como forma de expressão são variadas, desde uma tentativa de atrair pessoas que não têm acesso ao teatro convencional até uma forma de militância.
O teatro muitas vezes se desdobra em arte como instrumento político. Retratando questões como exclusão social, violência doméstica e urbana, desemprego, alcoolismo, entre outras diversas causas de angústia do homem moderno, a arte se apropria da vida para pintar em cores e em vozes o ser humano como personagem inserido – e oprimido – na realidade das grandes cidades. Diversas vezes tal forma de expressão se torna um palco para a voz e a visibilidade de minorias que não encontram outra forma de serem ouvidas.
Na cena teatral paulistana atuam diversos grupos que trabalham esse modelo de produzir Teatro além da arte cênica. Alguns são amplamente conhecidos, como o Teatro Oficina, no Bexiga, região central de São Paulo.
Liderados por Zé Celso, um dos mais ardorosos defensores do Teatro em espaços não convencionais, o Teatro Oficina atua como meio de interação entre as mais variadas classes e grupos sociais. Outro grupo teatral conhecido por sua linguagem inovadora é o Teatro da Vertigem, polêmico pela escolha de lugares emblemáticos para realizar suas encenações.
A peça “O Livro de Jó”, por exemplo, foi apresentada pelo grupo em um hospital abandonado na região da Avenida Paulista. Há ainda Os Satyros, grupo que há anos mantém diversas iniciativas culturais e é considerado o principal responsável pela revitalização da Praça Roosevelt, no centro da cidade, entre diversas outras iniciativas espalhadas pela capital.
Na periferia, os coletivos teatrais também exercem um papel transformador. O Pombas Urbanas, por exemplo, conseguiu um feito quase improvável: firmou residência e difundiu seu trabalho em plena Cidade Tiradentes, maior centro habitacional da região leste de São Paulo, comunidade avessa e, às vezes, até mesmo hostil a esse gênero de espetáculo. Hoje um Instituto, o Pombas foi concebido por Lino Rojas, de nacionalidade peruana, que trouxe para a periferia da cidade uma forma de expressão amplamente difundida na América do Sul: a de trazer para as ruas os anseios e dificuldades vividos pelos habitantes locais.
Na esteira do Programa Municipal para o Fomento ao Teatro da cidade de São Paulo, o Pombas Urbanas conseguiu a concessão por vinte anos de um galpão abandonado na Cidade Tiradentes em regime de comodato.
Nesse espaço, com cerca de mil e seiscentos metros quadrados, abriga-se um centro cultural denominado “Arte em Construção” com biblioteca, cine-teatro e sala de aula. No centro convivem alguns coletivos criados por pessoas recrutadas na própria comunidade para integrarem o Pombas. São eles: os Filhos da Dita, Circo Teatro Palombar e Aos Quatro Cantos. Hoje, esses coletivos oferecem para a população local, além dos espetáculos teatrais, diversos cursos, aulas de circo para crianças e adolescentes e um debate constante sobre o fazer artístico.
Menosprezado pelos frequentadores do teatro convencional e visto por alguns como forma de agitação social, o Teatro de Rua segue com seu propósito de interação com o espectador e anseio de levar para os lugares mais distantes e públicos mais diversificados a representação do seu tempo. É da heterogeneidade do público e das mais difusas reações e interferências dos espectadores que o espetáculo se alimenta. Algumas encenações podem ser consideradas ingênuas, ou até mesmo chocantes no intuito de chamar a atenção, mas cumprem a função de divertir e mesmo provocar e instigar a reflexão no transeunte. A função da arte e do artista está contida e expressa naquele espaço não convencional. O intuito evidente é de transformar o espectador em agente transformador da sua realidade pessoal e também do seu meio, da comunidade em que está inserido. Não por acaso a maior parte dos atores que atualmente participam de coletivos são recrutados na própria região e se empenham em transmitir o conhecimento adquirido.
Mesmo que iniciativas como essas tenham um alcance pouco expressivo, se comparado ao Teatro convencional ou até mesmo a outras formas de expressão cultural, tem se mostrado eficaz em transformar pessoas de regiões historicamente marginalizadas e sem acesso à cultura em conhecedores da prática teatral. Esse conhecimento engloba desde pequisa coletiva em interpretação, técnicas cênicas e textos de grandes autores até pesquisa histórica e social dos costumes, hábitos e peculiaridades dos locais em que as peças são encenadas. Esses lugares de domínio público funcionam como núcleo emocional e político da comunidade, trabalhando em uma busca constante de respostas para questões urgentes, especialmente nas grandes metrópoles, como a falta de segurança, o acesso à educação de qualidade e a discriminação social constante nessas localidades.
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