Consegui um horário na agenda turbulenta de Carolina Barretto, diretora de contas da Africa, no fechamento dessa reportagem. Foram trinta minutos contados no relógio. Se não tivesse interrompido uma das suas discussões com uma dupla de diretores de criação, não teriam sequer existido. “Ainda bem que você me tirou dali, iria naquela conversa para sempre”, desabafa acelerando o passo a caminho da sua sala. “Bom, vamos lá. Vamos falar sobre igualdade de gênero, certo?” e bate a porta.
Começamos, e no início do bate-papo ela já confessa. “Em 24 anos de profissão, até antes dessa nossa conversa, nunca tinha parado para pensar a fundo no assunto”. Fico em silêncio e ela logo explica. “Acho que em alguns momentos a visão do profissional de atendimento quanto à igualdade de gênero é bastante distorcida. O departamento está sempre misturado com os demais”. E continua contando que os atendimentos publicitários estão em constante movimento dentro da agência. São a ligação entre todos os departamentos e o cliente. Fico surpresa. Pouco antes dessa resposta esperava a explicação mais óbvia, algo que dissesse que a visão do profissional de atendimento parece ser distorcida porque a área é regida, coordenada, operacionalizada por mulheres na grande maioria das agências.
Pergunto se agora, que pensou melhor sobre o tema, ela consegue dizer se se incomoda com a quantidade de mulheres presentes no mercado. Ela pensa por uns dois minutos e desabafa. “Me incomodaria mais se estivesse em departamentos como criação ou mídia”. Nessas áreas as mulheres são quase imperceptíveis. Pergunto se ela enxerga um motivo para isso. “Sim. Ao meu ver, mulheres não são vistas como as grandes mentes criativas, hiper-inteligentes, fortes o suficiente. Cabe mais a nós os cargos e os departamentos mais operacionais, organizacionais e gerenciais. Aqueles que exigem um corpo e mente multitarefa, sabe? O ruim é que eles obviamente não são os melhores cargos e nem os melhores salários”.
Passo pelos demais departamentos, chego à criação e ali enxergo, ouço, sinto que o buraco é mais embaixo. Uma pesquisa feita pelo portal “Meio&Mensagem” em abril deste ano pontua que nas 30 maiores agências do país, no máximo 20% dos profissionais que atuam na área de criação são mulheres. Isso quando não chega a zero. “Aqui a criação tem 42 pessoas e apenas 5 são mulheres” afirma Fernando Lyra, diretor de arte da agência JWT, que conversou comigo por telefone. “Você me desculpe, é que hoje está corrido mesmo”.
Lyra, como é conhecido, levantou motivos possíveis para essa quantidade ser tão baixa. “Acredito que a principal razão é que criação sempre foi dominada por homens. O ambiente foi e é machista e mantê-lo assim ainda é interesse de muitas pessoas que comandam grandes agências por aí. Colocar mais mulheres, equilibrar os gêneros dentro da criação pode pôr a perder todo esse universo que foi construído”.
É, se trata de um universo. Quando entro na baia do departamento, dou de cara com voz alta, risadas graves, palavrões e até comentários sobre a nova funcionária. “Aquela é carne nova, hein?”. O ambiente é descontraído, é leve até, mas carregado de comentários machistas. Não parecem ser mal-intencionados, mas estão presentes.
Com certeza é um conforto para eles manterem o dia-dia exatamente assim.
Segundo Lyra, ainda há outro ponto relevante ligado à presença feminina no departamento. “É uma área que exige muito tempo extra dos funcionários, abrir mão de muitas coisas da sua vida pessoal. Num processo seletivo vem à tona a ideia de que mulheres não vão abrir mão de uma vida mais calma, regrada, para encarar madrugadas e madrugadas dentro de uma agência abdicando da casa e dos filhos. Eu sei, isso é antigo, mas as pessoas ainda consideram. Veem a mulher como um gênero mais frágil e menos disposto a aguentar o tranco” pontua Lyra.
Começo a perceber então que o mercado enxerga a desigualdade, mas está conformado com o modelo já estabelecido. Até que pula na minha caixa de entrada o seguinte e-mail: “Desculpe falar por aqui, é que a minha agenda está insana”. Na sequência, leio a opinião de Gal Barradas, co-presidente da BETC Brasil.
A agência foi lançada em Paris em 1994, em Londres em 2011 e em São Paulo em 2014. Para minha surpresa, a igualdade de gênero na BETC é uma realidade. “Há os co-presidentes da Rede e os co-CEOs de cada uma das unidades da BETC, sempre um homem e uma mulher”, afirma. “Esse problema de igualdade nunca existiu aqui” comenta orgulhosa.
A cultura imposta pela sede francesa vale não só para os grandes cargos, mas para todos os processos seletivos “Fazemos questão de ter um número igual de candidatos por gênero”, comenta Gal.
Mas o papo não fica restrito à agência que ela co-preside. Quando questionei sobre seu interesse em mudar a realidade da porta para fora, ela garante que é total. “Existem vários motivos para publicitários como eu se envolverem nessa questão. Um ambiente onde há diversidade é naturalmente mais criativo. Trabalhamos com modelos de target, e tanto o homem como a mulher mudaram ao longo do tempo. Temos que espelhar a realidade de hoje e não valorizar os estereótipos de ontem”.
Quando eu toco no assunto “criação”, que ainda é o grande problema, Gal conclui “Acredite, esse cenário aos poucos está mudando. Produtividade com resultados é o que importa. Nesse sentido, os gêneros passarão a competir por avaliações iguais. Mas se trata de uma mudança cultural e isso leva tempo. Chegaremos lá”.