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Edição nº 4 – Janeiro de 2016

 

A cidade de São Paulo conta com um vasto circuito de peças de teatro em inúmeros locais. Algumas delas ficam em cartaz durante anos e se transformam em estrondosos sucessos de público e crítica. O teatro tem públicos de diversos segmentos devido à grande quantidade de gêneros teatrais que atendem a todos os gostos e estimulam a convivência entre os indivíduos. “Vivemos em uma sociedade em que o isolamento do indivíduo está cada vez mais predominante. O teatro rompe a solidão, aproxima e relaciona as pessoas”, declarou, em uma entrevista em 2011, Beto Silveira, famoso diretor e preparador de atores brasileiro. Para Juliana Novaes, estudante de 22 anos, há uma vantagem em se acompanhar peças de teatro em vez de filmes no cinema. “É mais interessante ver os atores de perto em um palco, é mais real e não tão artificial como ver um filme no cinema”. A estudante acredita que é preciso um apoio majoritário por parte do governo e das escolas e que, sem essas iniciativas, o teatro no Brasil não conseguirá sobreviver.

A Praça Roosevelt, localizada na região central da cidade de São Paulo, é um ponto de forte agitação cultural e de encontro das mais variadas tribos, dentre as quais, jovens estudantes de faculdades aficionados por teatro, boêmios e skatistas que se reúnem do outro lado da rua, mais precisamente, na pista especial inaugurada em novembro de 2014. Aos sábados à tarde, a Roosevelt recebe uma quantidade muito grande de pessoas, muitas delas saídas da estação República do metrô, munidas de skates ou vestindo camisas de bandas de heavy metal a caminho dos muitos bares presentes na região. E nos teatros da praça é possível notar a aglomeração de pessoas fumando e bebendo à espera do horário das peças.

Anderson Carvalho, 22 anos, visual descolado, usando um surrado terno preto, camisa desabotoada por baixo, cabelo desgrenhado e barba por fazer, estilo parecido com o de integrantes de várias bandas alternativas de rock brasileiras, como os gaúchos do Cachorro Grande, é um dos muitos freqüentadores das casas de espetáculos e dos bares da região. “Na verdade, essa é uma espécie de, digamos, ‘padronização’ do estilo de todos aqueles que costumam freqüentar a Praça. São pessoas antenadas com a efervescência da cena cultural do lugar”, afirma.

O Satyros, um dos teatros mais conhecidos da cidade, foi fundado em 1989 e concentrou-se no Brasil, mais precisamente em Curitiba (PR), e em Portugal durante mais de uma década, voltando a São Paulo, de onde havia saído no começo dos anos 1990, fixando-se na Praça Roosevelt. O grupo luta pela valorização dos artistas de teatro e da identidade cultural brasileira e realiza todos os anos, durante a primavera, as Satyrianas, maratona cultural que durante 78 horas oferece várias atividades culturais de fácil acesso a todas as pessoas.

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Foto: Divulgação | Satyros. Uso autorizado.

Surgido em 1991, o grupo Parlapatões, prestes a comemorar vinte e cinco anos de carreira, trabalha com comédia, circo e teatro de rua, tendo sua sede própria, o Espaço Parlapatões, um dos locais responsáveis pela revitalização do centro da cidade, onde são realizados ensaios, treinamentos e cursos geridos pelo grupo.

Fabek Capreri, 42, ator de teatro que trabalha no Parlapatões há nove anos, está atuando na peça Os mequetrefe. “É uma peça que fala sobre o cotidiano de quatro palhaços, todos de nome Dias, que trata das jornadas, dos dias vividos por cada um deles. Não à toa eles têm esse nome, que é justamente para ter essa brincadeira com a palavra. É um espetáculo que trata de todos os percalços pelos quais eles passam, desde quando acordam, pegam condução para o trabalho e dormem”, declara.

O ator diz concordar com a alcunha “teatro alternativo” dada ao modelo de peças de teatro produzidos pela casa. “Acredito que é uma definição muito boa, porque quem realiza este tipo de teatro não tem outra alternativa a não ser ‘fazer na raça’, sem verba. Eu acho que o ‘alternativo’ se encaixa nisso, no sentido de que as pessoas que gostam de teatro não conseguem encontrar outra forma de fazê-lo que não seja, muitas vezes, de forma precária, sem infra-estrutura”. Contudo, o ator acredita que o fato de os Parlapatões não terem muito dinheiro não implica comprometer a qualidade das peças. “Mesmo sem grana, o esforço de se fazer um espetáculo bacana é o mesmo das grandes produções”, ele conclui.

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Foto: Evelson de Freitas | Agência Estado. Uso autorizado.

A produtora de espetáculos Aline Lima, 32, por sua vez, demonstra um incômodo. “Eu não gosto de usar o termo ‘alternativo’, porque já se tornou um clichê, mas esse é um teatro mais independente, com menos patrocínio e menos pessoas famosas participando”, ela afirma. Aline acredita que apesar das dificuldades encontradas pela realização desse tipo de espetáculo, a qualidade das peças não é afetada. Ela lembra que, a despeito das dificuldades financeiras com a produção, o nível dos artistas e dos roteiros é satisfatório.

Uma característica marcante dos Parlapatões é a política de preços populares, que se dá pelo entendimento de que a cobrança de ingressos caros é inviável, dado o perfil do público da casa, e não atrai o público desejado, justamente aquele que costuma freqüentar a Roosevelt e que não está disposto a pagar R$ 100,00 por uma peça de teatro. “A média dos espetáculos aqui é de R$ 30,00 a R$ 40,00 para o público adulto, e de R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia) para o público infantil. Se aumentarmos o valor não conseguiremos um público suficiente para lotar”, Capreri constata. As duas casas contam com a ajuda financeira de leis de fomento à cultura através de parcerias com entes das esferas municipal, estadual e federal.

Nos Parlapatões, a peça Os mequetrefe contou com o incentivo do Prêmio Zé Renato, Projeto de Lei instituído em 2013 que dá apoio à produção e ao desenvolvimento da atividade teatral na cidade de São Paulo. Já a peça Sala de Espelhos teve a ajuda do Prêmio Carequinha, projeto de incentivo ao circo. O Satyros, “concorrente” dos Parlapatões, por sua vez, já contou com o financiamento da Lei de Fomento ao Teatro de São Paulo para a festa dos vinte e cinco anos do grupo em 2014 – evento que contou com palestras destinadas a atores, pesquisadores e ao público em geral, com entrada gratuita.

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Foto: Divulgação | Parlapatões. Uso autorizado.

Maria Fernanda, estudante de 23 anos, acompanhada por um grupo de amigas – freqüentadoras dos Parlapatões – vê maior presença de pessoas da classe artística nas redondezas, além de uma importante questão econômica. “[Aqui, nos teatros da região] normalmente são atores vendo peças de outros atores, ou pessoas que conhecem esse circuito. Pelo fato de o aluguel estar mais em conta para quem não tem patrocínio e está começando, não se tem muita divulgação e com isso o público mais amplo não tem muitas informações”, diz a estudante.

O modelo de teatro realizado pelos Parlapatões e pelos Satyros traz à tona a discussão em torno da possibilidade de realização de peças mais autorais, independentes, sem o risco da perda de suas identidades Ambos são espaços da Roosevelt muito respeitados por críticos, artistas e admiradores da arte da cena.