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Edição nº 2 – Dezembro de 2014

Crédito: Autumn Sonnichsen

Crédito: Autumn Sonnichsen

Em outubro passado o lançamento da mixtape “Caro Vapor/Vida e Veneno”, o primeiro trabalho solo de Don L, completou um ano. A revista Arruaça conversou com o rapper sobre o cenário do rap nacional e as dificuldades da indústria musical brasileira.

Após um ano do lançamento de sua mixtape solo, o que mudou em sua vida profissional e pessoal?
A mixtape teve uma repercussão excelente. Muita coisa mudou na minha vida profissional e pessoal, que são indissociáveis. Mudei de cidade, conheci pessoas novas, e me estabeleci em São Paulo.

E como a cidade tem influenciado na sua criação?
Cearenses são acostumados a viver em êxodo pelo mundo e a se adaptar a condições desfavoráveis até torná-las favoráveis. Nesse sentido eu não sou diferente. Gosto da cidade, da cultura do trabalho, das festas e dos eventos culturais diários até de madrugada, porque isso pra alguns também é trabalho. É a vida rápida, na velocidade máxima. Combina comigo.
Mas faço shows pelo Brasil inteiro e acho que as capitais se parecem muito. São todas grandes metrópoles de um país de terceiro mundo. Do governo das corporações, do desenvolvimento torto, do acesso á informação e à desinformação sem precedentes. Um pais do auge máximo da propaganda – a propaganda personalizada e em tempo integral – e de uma facilidade de acesso ilusória. É uma época louca.
Dentro desse contexto, São Paulo é a Nova Iorque do terceiro mundo. Terra de oportunidades onde você pode se dar bem ou muito mal, mais do que em qualquer outro lugar.

O rap no Brasil vive um grande momento. A que fatores você atribui esse sucesso?
Além do barateamento dos meios de produção e divulgação, existe uma atmosfera de liberdade de criação importante. O livre acesso ao que está sendo produzido e ao que já foi feito favorece a produção musical. Acho que a música mundial vive um grande momento.
O rap e a música brasileira em geral bebem um pouco desse sucesso e aí você tem alguns casos de coisas muito boas acontecendo. Isso de certa forma melhora um pouco a qualidade, mas não acho que estamos vivendo um grande momento no Brasil.
As coisas realmente relevantes você pode contar nos dedos, o resto daqui a dez anos não vai ter a mínima importância. Temos grandes artistas mas pouco suporte, quase nenhuma curadoria – digo curadoria com investimento – e pouco profissionalismo com sensibilidade artística. Existe um profissionalismo frio e imaturo a serviço de algum orçamento de marcas ou um amadorismo com alguma sensibilidade e talento, mas nenhum recurso.
É isso ou os velhos órfãos das gravadoras. Que continuam procurando o próximo Luan Santana em algum programa de auditório ridículo. Não temos muitos casos de direcionamento de carreira relevantes, de construção de obra. Somos tão carentes disso que, pelo fato de termos alguns fenômenos acontecendo nesse sentido, nos sentimos em um grande momento.
Apesar disso acho a ocasião propícia para começar alguma coisa. Existe um espaço, uma oportunidade. Uma terra fértil onde podemos ser inteligentes e aproveitar, fazer investimentos e plantar grandes culturas que vão dar frutos pelas próximas décadas. Ou podemos simplesmente desmatar tudo, vender a madeira, ganhar muita grana em dois anos e tornar a terra infértil pelos próximos 30.
Infelizmente essa última opção é uma coisa que está enraizada na nossa cultura, a nossa política reflete bem isso. Mas pode ser que estejamos num ponto de mudança. Agora, disso para um grande momento, ainda demora um pouco.

O que mudou no cenário do rap no Brasil nos últimos anos?
Tivemos alguns casos de sucesso de auto-gestão de carreira por alguns artistas e um público consumidor de outros nichos que começou a consumir rap.
Esses casos bem-sucedidos são fenômenos. Artistas que foram muito inteligentes na gestão da própria carreira e conseguiram reunir as pessoas certas em torno deles – músicos, produtores e empresários – em um momento que também era propício.
Isso deveria impulsionar toda uma indústria de produção e investimento em novos artistas, mas o que acontece é que ficam apenas aqueles espaços para alguns fenômenos que conseguiram fazer um cross-over. Eu não acredito que temos um cenário de rap relevante no Brasil. É tudo possibilidade ainda, promessa. É preciso bem mais do que views de Youtube pra isso acontecer.

E no Ceará?
Não existe cena regional de rap. Alguns fenômenos ocorrem e se tornam nacionais. O rap é música urbana e as grandes cidades todas têm muito público consumidor de rap, mas isso não quer dizer que exista uma.
Para mim existe um cenário quando há grana circulando entre produtores, artistas, marcas etc. para pelo menos tornar viável sua própria sustentação. Não existe nenhum rapper que faça sucesso regional e possa se manter disso. Então, não existe cena regional nenhuma.

Você já afirmou em várias entrevistas que sua música quer provocar as pessoas. Como se dá exatamente essa provocação?
Acho que uma das coisas que consigo fazer com a minha música é gerar nas pessoas um pouco mais de ambição em relação à vida. Ter sede de construir grandes coisas para o futuro e de viver grandemente esse exato momento. Usar todas as limitações como impulso criativo na construção de um roteiro onde cada um tem a responsabilidade de transformá-lo num grande filme. Manipular e transformar a realidade, “pimpar” o mundo.

O que significa ser artista no Brasil hoje? Na sua opinião, qual é a participação que o poder público

Crédito: Autumn Sonnichsen

Crédito: Autumn Sonnichsen

tem na arte e na cultura produzidas no país? E os meios de comunicação, como eles lidam com isso?
O poder público precisa incentivar, mas como sempre isso serve mais para os velhos sanguessugas se aproveitarem. Aí você tem grandes nomes da música descartável que já faturam milhões sem o governo e ainda se beneficiam das leis de incentivo à cultura para gravar discos e fazer turnês.
Existem grandes festivais de bandas pop com cachês milionários cobrando ingressos caríssimos e se beneficiando também das leis de incentivo. Quando na verdade o que acontece é publicidade grátis para grandes marcas que vão direcionar a maior parte do abatimento de imposto deles para um grande festival de bandas pop, e não para o disco ambicioso do artista pequeno que não tem um milhão de views na internet ainda.
E o governo também se beneficia muito mais com a publicidade num show da Cláudia Leite em uma cidade do interior, do que com um projeto de circulação de dez shows de um artista em desenvolvimento. Como artistas o que a gente pode fazer? A gente tem que arrancar os recursos de onde for possível para fazer o que a gente precisa fazer, do jeito que a gente quer fazer.
Isso é como a realidade da universidade pública. Tirando o sistema de cotas que é muito recente e limitado ainda, quem se beneficia mais são os filhos da classe média alta que frequentaram as melhores instituições de ensino particular até chegar à universidade pública. Enquanto os mais pobres vão arrumar um emprego e se virar para pagar uma faculdade particular. Acho que a proporção de orçamento de incentivo à cultura para quem realmente precisa de incentivo é proporcional ao sistema de cotas. Mesmo assim é importante.
Alguns acreditam que o hip hop e rap estão “esgotados”. Como você vê o futuro desses gêneros no Brasil?
Todos os gêneros musicais estão esgotados. Agora chegamos a uma era pós-gêneros musicais e ninguém sabe o que vai acontecer, mas eu estou curtindo as possibilidades. Entramos numa nova fase, zerou o jogo e agora há um mundo totalmente novo a ser explorado. Um momento com menos fronteiras em todos os sentidos, musicais e geográficos.

A abordagem do rap de assuntos como sexo e drogas nem sempre é cuidadosa como a que você propõe, sacana sem ser estúpido; romântico sem ser piegas. Por que é difícil tratar desses assuntos?
Eu realmente não sei. Para mim é uma coisa natural. Mas tenho a impressão de que isso tem a ver com noção de vida e do mundo mesmo. Uma questão de percepção e sensibilidade. Tem coisa que não bate bem no ouvido e você não sabe nem dizer o motivo, só sabe que não cai bem. Que aquilo provoca um desvio, traz imagens que fogem do clima, do sentido, da intenção, enfim, do que está querendo ser transmitido. Outras coisas que ao contrário, naquele determinado tom, naquele determinado momento com aquele determinado clima da música, dizem mais do que a palavra poderia dizer num texto.

Que influências da arte, da literatura e da cultura você tem recebido ultimamente?
Eu estou tentando ler a obra de Machado de Assis, experimentando jogos de vídeo game atuais extremamente violentos e realistas e garimpando música atual boa, com sonoridade boa, com feeling e sem dar prioridade a nenhum gênero em especial.

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