Finalmente após um ano de muito trabalho no escritório, trânsito intenso todos os dias, estresse e muitas horas extras, suas merecidas férias foram marcadas para julho. Chegou o dia da viagem; ao desembarcar, o transfer o estava esperando, levou-o diretamente ao hotel pegando o caminho com paisagens mais bonitas, a culinária era internacional, feita pelos melhores chefes, os dias foram tranquilos, ensolarados e cheios de selfies na praia privada do hotel. Afinal, quem não gostaria de umas férias como essas?
Para a psiquiatra Ana Christ viajar é bem diferente do descrito acima. Ela tem um blog, “Nativos do Mundo”, onde fala sobre suas experiências de viagens com uma vertente mais sustentável e de base comunitária. Ana gosta de planejar suas próprias viagens com a ajuda da internet sem ter um roteiro muito fixo. “Eu viajo para conhecer pessoas. Isso tem um pouco a ver com o que eu faço todos os dias no meu trabalho, e viajando eu consigo fazer isso, com outro olhar é claro, gosto de estar no lugar e viver o que o ele tem”, conta Ana.
Uma das experiências de viagem da psiquiatra foi a Rota das Emoções, entre Fortaleza e São Luiz. Ela ficou hospedada em uma comunidade de pescadores chamada Tatajuba a 20 quilômetros de Jericoacoara onde existe a Rede Tucum de Turismo de Base Comunitária. “Os turistas em geral vão para lá ver a Lagoa da Torta, mas somente fazem um bate-volta com o buggy. Eu e meu marido descobrimos que nessa comunidade existia esse tipo de turismo, e foi incrível porque éramos só nós e mais um grupo de cineastas hospedados. Foi uma delícia ouvir as histórias de pescadores de verdade (risos), conhecer a realidade deles, a vida simples e os ensinamentos que a gente vai perdendo com a vida moderna”, declara Ana.
Outra viagem mais recente de Ana, ao mesmo estilo, foi ao Instituto Mamirauá no meio da Amazônia a 500 quilômetros de Manaus. “As pousadas são flutuantes e nós dormimos no meio do rio literalmente. Durante a noite nós ouvíamos os jacarés caçando e comendo”, recorda-se Ana. A comunidade é formada em grande parte por migrantes do Ceará que foram para a Amazônia trabalhar na extração do látex, que não foi muito para frente. Porém essas famílias continuaram ali tirando o sustento da pesca e agora também do turismo. “Todo o lucro é revertido para as diversas comunidades do Instituto. No ano em que eu estava lá eles iam comprar um barquinho para levar as crianças à escola” conclui a viajante.
Para o pernambucano Augusto Paes, microempresário na aérea de eventos e recreação, viajar também tem outro sentido. “Quando eu viajo, busco o máximo possível absorver a cultura do local, não somente conhecer os pontos turísticos, mas sim entender como funciona a cidade, a comunidade local, a cultura e os hábitos, como eles recebem os turistas, se a atividade turística no local gera renda de fato”, descreve Augusto. Uma viagem dele com a faculdade para a Ilha do Massangano em Petrolina, Pernambuco, teve por objetivo conhecer a manifestação cultural chamada “samba de véio”. Além disso, Augusto pôde interagir com a comunidade local de um modo mais profundo, vendo não somente as partes boas, mas também os problemas enfrentados. “É uma Ilha muito precária. Os estudantes têm que pegar barco para poder ir à escola, o posto de saúde abre somente a cada quatro meses por uma enfermeira, não tem médicos e o saneamento básico é praticamente zero. A gente fez algumas ações dentro da Ilha, levamos um pessoal de foto e filmagem, fizemos imagens das vivências deles, demos as câmeras para eles próprios fotografarem. É uma comunidade muito carente e alguns nunca tinham pegado numa câmera fotográfica antes, e no final fizemos uma exposição das fotos impressas e também uma projeção na parede da capela. Eles ficaram maravilhados”, conta Augusto.
Existem práticas que também fogem do convencional turismo de massa, como o Turismo Social, o Turismo de Experiência, o Turismo Sustentável e o de Base Comunitária, entre outros segmentos. O Turismo Social surge para tentar sanar a desigualdade no que tange a oportunidades de viajar dos grupos mais vulneráveis, aqueles que não podem desfrutar da atividade turística por causa dos altos valores praticados ou outras dificuldades impostas. Essa modalidade de turismo tem como objetivo tornar acessível a toda a população a prática de viagens como uma atividade de inserção social, e não como uma atividade supérflua. Segundo o especialista Marcelo Vilela de Almeida o objetivo do Turismo Social é a recuperação psicofísica e a ascensão sociocultural dos indivíduos, de acordo com os preceitos da sustentabilidade, que devem estender-se às localidades visitadas.
Segundo a turismóloga Karina Sakata, os destinos turísticos estão cheios de redes internacionais de hotéis que constroem uma “bolha” entre as dependências do hotel e a comunidade local, mostrando apenas “o melhor” para seus hóspedes. Um exemplo disso é a rede Club Med de Resorts que está espalhada em várias cidades turísticas do mundo. Uma forma de praticar um turismo mais colaborativo é procurar por hospedagem ou restaurantes e bares de moradores locais em vez de redes internacionais, gerando assim renda para a comunidade local. É inegável que o turismo é uma atividade econômica muito forte em vários lugares do mundo, mas o que também não deve ser esquecido é que o turismo é um fenômeno humano de interação social e cultural.
A organização social de interesse público chamada Garupa se dedica a fazer do turismo sustentável uma ferramenta para a preservação dos patrimônios culturais e naturais do Brasil com iniciativas em três frentes: consultoria para campanhas de crowdfunding; realização de expedições; e divulgação de experiências sustentáveis. Monica Barroso, colaboradora da organização, conta que sua primeira experiência com o Turismo Sustentável foi em Zanzibar, na Tanzânia, em 2000. “ Na maré seca podíamos observar as mulheres coletando moluscos e diariamente podíamos acompanhar a chegada dos pescadores voltando do mar e presenciar a rica dinâmica do ‘mercado de peixe’ que acontecia ali mesmo na areia”.
Uma recente pesquisa realizada pelo Booking.com abordando o tema “O que significa fazer uma viagem sustentável?” revelou opiniões de viajantes sobre temas como acomodações sustentáveis e o que o futuro guarda para viajantes com consciência ecológica. Grande parte dos entrevistados associa uma viagem sustentável com estar em contato com a natureza, mas ela é mais do que isso, afirma a diretora de operações da Booking.com, Gillian Tans. “O mundo das acomodações sustentáveis vai muito além de iluminação suave, água de baixa pressão e ausência de uso de ar-condicionado. Os hóspedes podem não perceber, mas eles dormirão em lençóis de algodão orgânico, lavados com água aquecida por energia gerada dentro do próprio hotel. Ou, ao fazer uma refeição, estarão comendo pratos feitos com ingredientes locais, colhidos em um raio de até 30 quilômetros da acomodação. Nesse caso, eles serão viajantes sustentáveis que apoiam a economia local”.
Um exemplo de Turismo Social muito forte é desenvolvido pelo SESC (Serviço Social do Comércio. As atividades do Centro de Férias de Bertioga respeitam as diferenças e o convívio social. O local preserva 995 mil metros de aérea verde, além de desenvolver ações socioambientais ligadas à biodiversidade e à cultura local, abordados por meio de vivências, passeios e oficinas. Além do Centro de Férias de Bertioga, o SESC tem hotéis por todo o Brasil e também promove viagens e excursões com mais de mil roteiros diferentes, a preços acessíveis. Nos últimos dez anos o projeto atingiu mais de 700 mil turistas.
Outro exemplo de Turismo Social é realizado por um grupo de estudantes da USP, voluntários do projeto Rosa dos Ventos, iniciado em 2001, que visa promover a inclusão social através do planejamento e realização de viagens e excursões gratuitas. “Todos os nossos recursos são arrecadados através da venda de doces e da organização de eventos de dentro da própria faculdade” afirma Ananda Lelo, bolsista do projeto. Ela conta que o Rosa dos Ventos cresceu muito, saltando de sete voluntários para 30 em 2016. Todos os voluntários participam também das viagens e excursões como monitores. “Nosso público são pessoas com maior dificuldade de acesso ao lazer e ao turismo, normalmente idosos e pessoas com pouca mobilidade física”, conclui Antonio Tallys, bolsista do projeto.