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Edição nº 1 – 2014

De todos os neologismos, gírias e termos que fogem da internet para compor o nosso léxico, como tuitar, bullying e selfie, anote aí mais uma palavra que, se ainda não faz parte, deve ser incluída o quanto antes em seu vocabulário: trata-se de Urbex. Abreviação do inglês para Urban Exploration, o urbex é uma subcultura relativamente nova que consiste na fotografia baseada na exploração de lugares abandonados. Também conhecida como espeleologia urbana e infiltração, a prática atrai um público variado, que vai desde amantes de fotografia, arquitetura e urbanismo, história contemporânea, belle époque e cultura vintage em geral a aficionados por filmes de ficção científica com cenários apocalípticos, como os de guerras nucleares e invasões zumbis.

Com um leque tão amplo de praticantes, não é de se estranhar que o fenômeno reúna cada vez mais gente. Até mesmo porque, apesar do nome, os adeptos não se restringem ao âmbito urbano, fotografando praticamente qualquer lugar onde haja algum vestígio de civilização recente e que esteja em estado de abandono. Na internet, existem diversos fóruns sobre o assunto – inclusive em português – que incluem fotos de expedições a lugares como ilhas, faróis, minas, catacumbas, estações de esgoto e até mesmo a cidades submersas em diversos lugares do mundo.

Embora seja possível caracterizá-la como uma forma de preservação da memória, a fotografia de exploração urbana é vista por seus entusiastas como um hobby, e não como parte de uma atividade de caráter documental, estando mais ligada ao campo das artes do que ao da história. No urbex, a tônica é o prazer de explorar ruínas e tirar belas fotos. Em comparação, pode-se dizer que ele está para a arqueologia como o parkour está para as artes marciais.

Ninjalicious e o guia para exploradores

Interessou-se pelo assunto? Conhece algum lugar em estado de degradação e quer fazer as suas próprias fotos? “Take it easy”, como já dizia Jorge Ben. Antes de sair por aí fotografando a torto e a direito, vale a pena ler um pouco mais a respeito. Além dos fóruns, há diversas publicações e até mesmo guias para quem deseja se aventurar no mundo da exploração urbana.

Um dos pioneiros no assunto foi Jeff Chapman, mais conhecido pelo pseudônimo Ninjalicious. Morto em 2005, após uma batalha contra o câncer, ele foi o autor de algumas publicações, como um fanzine pioneiro no assunto e de um livro, chamado Access All Areas: A user’s guide to the art of urban exploration (Acesse todas as áreas: um guia para a arte da exploração urbana, em tradução livre), sem edição em português.

Em “Access All Areas”, Ninjalicious aborda temas como ética e legislação, dá dicas para iniciantes sobre como planejar a expedição e ensina táticas de guerrilha para os exploradores mais “hardcore”, como se esconder de vigias e seguranças, andar pelos locais sem atrair atenção e até mesmo sobre como utilizar disfarces conforme o ambiente para conferir mais credibilidade.

E apesar deste lado transgressor, muitas de suas máximas – seguidas à risca pelos praticantes mais engajados – pregam o respeito à propriedade, como “nunca roube, vandalize nem danifique nada. A emoção está na descoberta e em tirar belas fotografias.”

Fui no Itororó tirar foto, não tirei

Se por acaso lhe parecer pouco emocionante o fato de tirar fotos de um local abandonado, eu, como “cobaia”, posso atestar que em minha tentativa de expedição urbex senti muito mais adrenalina do que imaginei que teria, embora não tenha sido exatamente bem sucedido em minha visita. O local escolhido foi a Vila Itororó, no bairro da Bela Vista. Embora o projeto seja datado como sendo de 1922, sua história começa cinco anos antes, com a desativação do Theatro São José, no Vale do Anhangabaú. Quando o edifício começou a ser demolido para dar lugar à sede da companhia de energia Light, parte de seus escombros foram a leilão. O comerciante português Francisco de Castro então os comprou, transportando-os para o seu terreno na Bela Vista, e no ano da famosa semana de arte moderna, inaugurou o seu projeto.

Com a morte de Castro na década de 50 sem deixar herdeiros, o complexo foi leiloado entre seus credores e começou a entrar em declínio, sofrendo constantes invasões até se transformar em cortiço. Após um tortuoso caminho entre sua doação ao Hospital Beneficente Augusto de Oliveira Camargo, processos de usucapião por parte de seus moradores, tentativa de compra por pelo Sesc, tombamento pelo Condephaat e efetiva desocupação pelos últimos moradores, desde 2011 se encontra em estado de total abandono.

Batizado por sua localização às margens do então existente Riacho Itororó, o conjunto é uma verdadeira salada arquitetônica composta por 37 casas e um palacete, misturando estilo neoclássico, art déco e a “arte” tipicamente brasileira do puxadinho. Entre suas peculiaridades, estão colunas gregas, cariátides, vitrais, estátuas de diversos materiais, gárgulas e até mesmo uma piscina que costumava ser abastecida com água do riacho.

Terminada a sessão aula de história, vamos à ação. Os preparos para a expedição começaram alguns dias antes, com a tentativa de contato com a subprefeitura da Sé, que administra a região, e com o Condephaat, responsável pela conservação de patrimônio. Depois de saber que após a entrega do formulário pedindo autorização para entrar no terreno teria que esperar pelo menos 45 dias para obter uma resposta, e que mesmo no caso de ela ser positiva ainda teria que aguardar um prazo indeterminado para o agendamento de visita, resolvi driblar a burocracia e fazer uma incursão na marra, como os exploradores mais “oldschool” fariam.

Ao meio-dia de um domingo, após uma volta para reconhecimento prévio da região, decidi entrar pela Rua Maestro Cardim, cujos muros são mais baixos e fáceis de pular. Máquina fotográfica a tiracolo, eu já havia feito fotos da entrada lateral, na Rua Monsenhor Passaláqua, bloqueada por um muro. No entanto, descendo a rua, fui abordado pelo morador de uma das casas invadidas da região, que advertiu:

– Aí, se eu fosse você, não descia essa rua aí não hein, ainda mais com uma câmera dessas. Tá cheio de “nóia” aí na esquina, e eles estão todos por ali agora.

Eu já havia notado a presença de usuários de drogas nas redondezas, mas como estava sozinho, não havia muito mais o que fazer. A vontade de fotografar era grande, mas o receio de voltar para a casa sem câmera acabou sendo maior. No final das contas, com o auxílio de uma escada, consegui ao menos escalar o tapume e fazer algumas fotos da entrada principal, na Rua Martiniano de Carvalho, que é um pouco mais tranquila.

Em suma, apesar da frustração de não ter explorado o local do modo como queria, a experiência acabou se revelando interessante. Mas se por acaso você pretende se aventurar no urbex, é bom anotar algumas dicas para organizar a sua primeira expedição:

– Tente obter autorização para a sua visita. Ir a determinados lugares, como bens tombados e imóveis particulares sem permissão prévia pode render alguns problemas, e você pode acabar fichado como invasor;

– Verifique com antecedência as condições do local a ser explorado. O grau de deterioração e a presença de riscos físicos (materiais tóxicos, pregos e tábuas soltas) são determinantes para o tipo de equipamento a utilizar, como roupas de proteção, botas, corda, escada, lanterna, etc.;

– Controle o número de visitantes. Ir sozinho, como foi meu caso, pode ser arriscado, mas também seria se eu colocasse trinta pessoas dentro de um imóvel correndo risco de desabamento;

– Cheque previamente o quão abandonado está de fato o local a ser explorado. Locais habitados por invasores podem abrigar gente não muito amistosa, e estar sozinho em uma situação dessas é definitivamente um risco desnecessário.

Um mundo sem pessoas

A paixão por fotografia em lugares abandonados levou o jornalista croata Oleg Mastruko a passar oito anos desenvolvendo o seu projeto, chamado Without People. Neste período, ele visitou 47 países e tirou um incontável número de fotos em sítios que vão desde uma cidade deserta no estado de Nevada, Estados Unidos, até Pripyat, na zona de exclusão de Chernobyl.

A partir de lugares com características tão distintas entre si, Oleg consegue traduzir diferentes estados de espírito em suas imagens. Enquanto o caos de um complexo de túneis subterrâneos remanescente da era soviética inspira uma certa agonia claustrofóbica, logo depois é possível apreciar um momento de calma e serenidade, onde a natureza reclama de volta o seu espaço e invade o concreto de uma cidade esvaziada. Em comum entre estes dois mundos, apenas a desolação e a quase certeza de que ambos estão melhores sem a presença humana.

Para concluir Without People, Oleg lançou uma campanha em um site de financiamento coletivo, onde encontrou apoio de outros aficionados pelo assunto, que em pouco tempo o fizeram não apenas chegar à sua meta, mas conseguir o dobro do valor inicialmente almejado – sinal de que há grande interesse do público em relação ao tema. Todavia, quando questionado a respeito do porquê de sua própria fascinação, ele diz desconhecer a origem: “Não sei… é apenas um dos motivos que me interessam. Eu gosto de clicar outros motivos também – o mar, paisagens, lugares religiosos…”

Este último, aliás, é tema de seu próximo trabalho: “planejo fazer um Without People 2 no futuro, contudo, meu próximo projeto será sobre vários templos religiosos ao redor do mundo, sob o título Expiações”.
Para conhecer um pouco mais o trabalho de Oleg, confira a entrevista:

Primeiramente, gostaria que você se apresentasse:
Meu nome é Oleg Maštruko, minha profissão é de editor de uma revista de informática na Croácia; nossa revista é distribuída nos países vizinhos que compartilham a mesma língua (herdada da antiga Iugoslávia).

Que equipamento você usa para as suas fotos?
Eu uso câmeras Sony. Para o meu projeto eu usei 5-6 modelos diferentes de câmeras Sony com lentes intercambiáveis, mas a minha favorita é a câmera Sony SLT A77. Eu uso lentes Sigma, Tamron, Sony e Samyang. Minhas lentes favoritas para este projeto foram Sigma 10-20 – a maioria das fotos em Pripyat para este projeto foram feitas com esta bela lente – e Samyang fisheye, que é surpreendentemente flexível para uma lente especializada assim – com um bom enquadramento, você pode fazer as imagens que não pareçam “fisheyed” em tudo.

Qual é o seu método para tirar fotos? Você geralmente reorganiza os móveis e equipamentos, ou tentar deixa tudo intacto e o ambiente com o mínimo contato possível?
Essa é uma pergunta interessante. Eu consigo pensar em apenas uma foto onde eu tenha mudado alguma coisa – movi uma cadeira para ser preciso. Em 99% das fotos eu não mudo uma única coisa.

Você costuma fazer suas visitas sozinho ou tem uma equipe de suporte em seus ensaios?
Eu prefiro fazer visitas e fotos sozinho, porque leva muito tempo para encontrar um enquadramento perfeito, todas as exposições que eu preciso etc, que podem ser enfadonhas e demoradas para quem me acompanharia. De um modo geral eu não tenho problemas se as pessoas quiserem ir comigo, se eles forem pacientes o bastante ou interessados naquele lugar em particular ou pela fotografia em geral, mas este tipo de companhia é raro, por isso prefiro ir sozinho.

Eu gostaria de saber um pouco da parte burocrática do projeto. Eu acho que existem alguns lugares onde é necessária uma permissão especial, certo? Como foi lidar com essa burocracia?
Normalmente, não é necessária nenhuma permissão, ou se for, eu prefiro não perguntar. Uma exceção notável é, naturalmente, Pripyat e a Zona de Exclusão de Chernobyl, onde você deve ter todas as licenças do governo ucraniano com antecedência. Provavelmente é ainda mais complicado agora, dada a situação atual na Ucrânia.

Você já pensou em desistir do projeto ou simplesmente “não seguir as regras” e ir a algum desses lugares sem permissão por causa da burocracia?
Eu parei de ir a alguns países porque eles criam um monte de problemas com vistos, ou não autorizam as visitas de jornalistas (o meu principal trabalho é de jornalista-editor da revista de informática). Uzbequistão e Coréia do Norte não emitem vistos para os jornalistas, por exemplo, então eu decidi não ir lá por enquanto. A Rússia também é um país muito inóspito e burocrático.

De onde veio esse interesse para fotografar em lugares abandonados?
Eu não sei… É apenas um dos motivos que me interessam. Eu gosto de fotografar outros motivos também – o mar, paisagens, lugares religiosos…

Qual é o lugar ou situação mais perigosos que você já passou para este projeto?
Eu não estive em nenhuma situação que eu chamaria realmente de perigosa. Nas montanhas do Cazaquistão dois dias depois da minha visita, muito perto do lugar que eu estive, houve um enorme incidente – 15 guardas de fronteira morreram em um tiroteio com um inimigo desconhecido. Até onde eu sei, este mistério nunca foi resolvido – os combatentes eram provavelmente contrabandistas, traficantes de drogas ou algum outro tipo de criminosos. Em Pripyat há algum perigo radioativo, mas é insignificante. Já a zona desmilitarizada entre as duas Coréias é sempre tensa, mas não havia nenhum perigo real…

Você já esteve no Brasil? Se sim, quais são suas impressões? Se não, se você pretende vir filmar aqui?
Eu nunca visitei o Brasil, é claro que eu gostaria de ir, se houvesse algum patrocinador ou empresa (provavelmente relacionados a TI) que me convidasse para visitar, eu ficaria feliz em ir. Caso contrário, o país está na lista, mas há muitos outros lugares também.

Em entrevista ao Smithsonian, você falou sobre uma “visão de uma civilização falha” e lugares desumanizados. Você gosta deste cenário apocalíptico de quase extinção humana? Que lugar você gostaria de se fotografar se o mundo ficasse abandonado?
Qualquer lugar, eu gostaria de fotografar qualquer lugar abandonado anteriormente habitado.

Qual é a sua foto favorita deste projeto? E em geral?
Minha foto favorita deste projeto em particular é o da mina na Estônia, com água azul excepcionalmente clara inundando as antigas estruturas de minas. No entanto, eu gosto de cada foto que eu faço.

Você tem algum outro projeto em mente no momento?
Sim, eu pretendo fazer um Without People 2 em algum momento no futuro, no entanto, o meu próximo projeto será sobre os vários templos religiosos em todo o mundo, o título é Expiações. Depois disso eu pretendo fazer um projeto sobre o mar. O título desse trabalho é ridículo, e é uma referência ao álbum do grupo Einsturzende Neubauten e ao romance de Ernest Hemingway – Halber Mensch e o Mar. Então, provavelmente voltarei ao Without People 2.

Qual é o seu fotógrafo favorito? Existe alguém que você tenha como uma influência em seu trabalho?
Há alguns fotógrafos muito bons por aí, são muitos para fazer uma lista.

Alguma dica para alguém que curta fotografia e que esteja interessado no assunto?
Pegue qualquer câmera, você não tem que possuir a mais recente ou o modelo mais caro, no entanto, tente pegar uma câmera com lentes intercambiáveis. Em seguida, clique, clique, clique… Além disso, se você tem dinheiro para investir em sua fotografia – invista em uma boa viagem para um local interessante, não no equipamento! Esse é o melhor conselho que posso dar. Se fotografar pessoas é a sua praia, então “invista” – e não me refiro ao seu dinheiro, mas à sua energia – para conhecer as pessoas certas para fotografar, novamente, não no equipamento. Qualquer câmera com lentes intercambiáveis, e um par de boas lentes é bom o suficiente para fotografar qualquer coisa.


 

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