Há sete anos um alemão deixou seu país de origem para, sem saber, descobrir sua verdadeira missão: levar aos paulistanos um novo olhar sobre a cidade. Como? Por meio de um coletivo artístico que um dia viria a se chamar Voodoohop. Tendo como instrumentos a música, as artes visuais, a liberdade de expressão e o conceito de sensações sinestésicas, o foco de Thomas Haferlach, 32 anos, é fazer com que os espaços públicos da cidade de São Paulo passem de locais de passagem e se transformem em locais utilizados, valorizados e respeitados pela sociedade paulistana.
Cansado da rotina que o cercava na Escócia, onde estudava robótica e passava grande parte do tempo em frente a um computador, o jovem alemão, na época com 25 anos, aceitou o convite de um amigo para conhecer o Brasil e, desde então, nunca mais saiu da primeira cidade brasileira na qual colocou os pés, São Paulo. Alguns anos depois, mais precisamente em 2009 no bar do Netão, na rua Augusta, num ambiente tomado por pessoas que estavam apenas em busca de um refúgio do dia a dia estressante da cidade, nasceria a Voodoohop.
“Era uma noite de amigos que estavam reunidos com o único objetivo de se divertir. E nada mais. Ninguém queria ir para balada. Estavam todos cansados da proposta que a maioria dos locais proporcionava que era a de pagar um valor para a entrada e ser obrigar as pessoas a passar a noite toda naquele mesmo local”, explica. “Então teve um dia que eu comecei a fazer um som no bar do Netão. Qualquer um podia entrar e sair quando quisesse. No outro dia, outro amigo tocava. Amigos de amigos começaram a frequentar, até que aquilo tomou uma proporção tão grande que tivemos que migrar para lugares maiores”.
Daquela noite em diante, Haferlach revolucionou conceitos pré-estabelecidos através da música, da reunião de pessoas e da utilização de espaços públicos. O projeto ganhou público e o jovem alemão o levou para locais inusitados do centro como estacionamentos e prédios abandonados e até praças de cemitérios. As festas tinham propostas e estilos bem diferentes que reuniam desde música eletrônica até música cigana. “No início não tinha nada de muito concreto como conceito. Mas depois começamos a fazer em outros lugares com mais espaço e integramos esse lance de brincar com várias formas de estímulo, não apenas música. Porque a ideia era de não focar no DJ e na pista de dança, mas em todos os sentidos, fazendo algo sinestésico”.
Algum tempo depois as festas ganharam seguidores e já era possível observar a mudança da vida noturna e cultural da cidade. Com DJs e bandas de diferentes estilos no comando do som, a veia artística do evento ficou cada vez mais pulsante, e todas as festas passaram a contar com performances, instalações, VJs, live painting e muita gente fantasiada. Algumas festas em meio à natureza também começaram a ser feitas e o tradicional “Voodoostock”, um festival libertário e hedonista que acontece num sítio, com instalações, projeções, performances e uma programação musical que vai de música brasileira da década de 1970 a vanguarda eletrônica alemã ficou bem conhecido.
A Voodoohop permaneceu durante dois anos num escritório na Augusta até que o prédio foi interditado pela falta de alvará. “Nessa mesma época, tivemos contato com algumas pessoas da Secretaria da Cultura da Prefeitura que aprovaram o que estávamos fazendo e passaram a nos contratar para evento diversos, além da Bienal de Arte e da Virada Cultural Paulista”, conta. “No entanto, atualmente a grande maioria dos nossos eventos é bancada com nosso dinheiro. Estamos tentando conseguir mais incentivos por parte do governo, até para que possamos fazer mais festas em locais públicos com apoio, para internalizar essas ações”.
Apesar de tratar de um tema político, que é a utilização de locais públicos, as festas da Voodoohop não têm a característica de protesto agressivo. As manifestações, quando existem, são sempre relatadas de uma maneira muito sutil. Na área de 24 mil m² de Mata Atlântica e mais de 600 árvores do Parque Augusta, no centro da cidade, o coletivo convocou um verdadeiro mutirão de limpeza e plantação de árvores com o objetivo de alertar a população sobre a existência de locais como esse que ainda sobrevivem em meio à selva de pedra. “Quando saiu uma lei municipal que proibia as pessoas a darem comidas aos moradores de rua, fizemos um sopão e distribuímos. Essa acho que foi a ação mais escancaradamente política que fizemos. Porque a intenção não é estabelecer pensamentos, regras ou levantarmos bandeira, mas apenas alertar sobre o que está acontecendo à nossa volta” .
Hoje a Voodoohop é um coletivo formado por mais de dez pessoas, atualmente sem sede física e com espírito itinerante, explorando possibilidades de ocupação e propostas revolucionárias. Para o futuro, Haferlach aposta em festivais na natureza e num site que irá divulgar tudo sobre todos os coletivos de São Paulo. Com relação ao que pensa sobre impacto que o trabalho do coletivo tem causado na cidade, faz apenas uma afirmação: “as pessoas já estão mudando o olhar”.
Associação Brasileira de Empresários de Diversões
Depois de o prédio que sediava a Voodoohop ter sido fechado por falta de alvará, foi iniciada a busca por um novo local, que mais tarde passaria a ser também o point oficial das festas do coletivo. Com o nome Trackers, o prédio antigo em uma esquina da Avenida São João, foi durante pouco mais de dois anos a sede oficial do coletivo e tem uma história pouco conhecida pela grande maioria. No local, que ainda serve como palco para muitas festas, uma placa carrega o nome da “Associação Brasileira de Empresários de Diversões”, que para muitos foi um nome perfeito criado para o coletivo. Mas o que poucos sabem é que, na verdade, aquela associação realmente existiu e tinha sede naquele mesmo prédio. Era formada pelos artistas circenses da cidade.
Quadro
Na Voodoohop há, além de tudo, muita criatividade quando é preciso criar um nome para um evento.
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