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Edição nº zero – 2013

Podia ser uma quarta-feira qualquer no Largo da Batata. Lojas fechando, pessoas caminhando em direção ao metrô, futebol passando na tv e o forró começando a tocar nos botecos de esquina. Mas se você prestar atenção, ouvirá um som diferente, com um grave que faz as janelas tremerem de tempos em tempos, saindo de um sobradinho cuja entrada está pintada de preto. Nenhum nome luminoso ou segurança na porta, apenas uma folha de papel sulfite colada que diz ”Feche a porta após entrar”.

A casa em questão se chama S/A – Sociedade Anônima – e é mais uma empreitada de Akin Deckard, do coletivo Metanol, na tentativa de mudar o modo como os paulistanos vivenciam a música eletrônica, subvertendo a lógica de mercado e levando cultura para quem quiser – independente do poder aquisitivo.

A festa #OFF, que acontece às quartas-feiras, é gratuita e tem horário para começar e acabar – das 19h às 23h – incentivando o uso do transporte público. A noite pede que o público desligue-se do stress diurno e relaxe um pouco. Se sua intenção é dançar até seus pés cansarem ou encontrar alguém para continuar a noite com você, talvez essa não seja a melhor opção. Mas se estiver atrás de música boa e pessoas que se preocupem com o que está saindo dos auto-falantes, você acaba de achar a sua nova casa preferida.

No decorrer do ano, o coletivo Metanol atrai centenas de pessoas, um público que cresce a cada edição, para suas festas gratuitas nas ruas da Vila Madalena. O som, que mistura hip-hop com música eletrônica, é perfeito para reunir diferentes tribos sob o mesmo céu. A divulgação é feita pela rádio online Metanol FM e pelas redes sociais. Não há nenhum tipo de patrocínio ou incentivo oficial. O dinheiro sai do bolso do próprio coletivo, que também conversa com os comerciantes e os moradores das ruas onde acontecem as festas, certificando-se de que não haverá problemas.

“Eu acho que isso tudo é uma certa reação à mercantilização extrema que a música eletrônica sofreu nos últimos 10 anos. Com o boom que ocorreu na metade dos anos 2000, muita gente viu na música eletrônica um mercado, uma atividade econômica. As pessoas que eram apaixonadas por aquilo antes desse hype já não se sentem parte de festas com valores inflacionados.” conta Thiago Freitas, DJ que toca no S/A e circula por diversas festas gratuitas da cidade. “Se as pessoas podem chegar e ir embora de um evento de transporte coletivo, isso também subverte a lógica de mercado. Não é preciso ter um carro e muito dinheiro pra se divertir”, completa.

Se você tiver os amigos certos – na vida real ou no facebook – saberá que no domingo da mesma semana acontece uma festa do coletivo Voodoohop, ao ar livre, no Parque Augusta. A divulgação acontece somente nas redes sociais e é suficiente para trazer centenas de pessoas ao parque. Nunca reparou que existe um parque na Rua Augusta? Na próxima vez em que estiver cruzando com a Caio Prado, olhe para os lados. O terreno com 24.000 m² de mata atlântica está abandonado há décadas, mas foi comprado há pouco tempo pela Setin e pela Cyrella para ser transformado em três torres de apartamentos. Entretanto, os moradores da região querem um parque, e terão um parque, até que provem o contrário. O coletivo liderado pelo alemão Thomas Haferlach, já conhecido na noite paulistana, ajudou a trazer público ao local, que recebeu centenas de pessoas no 1o Festival do Parque Augusta. Tudo isso ao som de música eletrônica com pitadas de baião e maculelê.

A Voodoohop já é conhecida por organizar festas de graça nas ruas do centro de São Paulo, em lugares que os paulistanos não costumavam frequentar após o sol se pôr. Em 2009, foram obrigados a desligar o som de uma festa por não ter o alvará exigido pela prefeitura. Em 2012, foram chamados pela prefeitura para tocar na Virada Cultural; uma prova de que a cidade está mudando. Quando não acontece na rua, a sede das festas é a Trackers. Um prédio com cara de abandonado na Av. São João, que também abriga uma escola de audiovisual e diversas exposições de arte. Quem chega fantasiado, paga meia-entrada. Quem chega de bicicleta, entra de graça. “Muita gente entende o espírito da Voodoo e vai lá pra um ritual mesmo, pra se libertar de coisas pesadas que a sociedade te impõe no dia a dia. E na festa, ele coloca pra fora em forma de arte, tocando, dançando, performando”, diz Pita Uchoa, integrante do coletivo.

Muitos acontecimentos em 2013 – que vão além das manifestações de junho – provaram que a cidade precisa mudar sua estrutura e seus valores, e, para isso, a população precisa se unir. Repressão também traz união e coletividade é a palavra da vez. Não há nada como um inimigo comum – capitalismo, preços abusivos, o stress da grande cidade – para unir pessoas de diferentes universos.

 

 

 

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