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Edição nº zero – 2013

Leia a reportagem Primeiro ato: como transportar crianças para um mundo mais lúdico que a internet

Arruaça: Como é fazer a trilha para um musical infantil. O que surge primeiro, a letra ou a música?

Charles: Na verdade isso depende. Normalmente a letra vem antes, mas algumas vezes a musica é feita primeiro e a letra é redigida em cima da melodia. Na maioria das vezes funciona assim: Escreve-se uma letra. Em seguida a musica é composta usando-se a letra como está ou usando o “clima” e alguns ou vários trechos da letra, às vezes invertendo a ordem das frases e etc. Se esse é o caso, após a música estra formatada, a letra é reescrita para melhor adequação. Esse modo de trabalho se refere a qualquer tipo de teatro musical, não apenas infantil. Mas de qualquer forma, cada equipe de criação tem seu método e não existe, necessariamente, uma norma.

Arruaça: A trilha nasce antes do texto da peça, ao mesmo tempo, ou apenas no final?

Charles: A trilha nasce após a história estar escrita (ou ao menos estar concebida), pois enquanto musical cada número depende totalmente das características das personagens, do motivo da cena ou da função dramática. Isso no caso de criação de canções inéditas. Por outro lado se a ideia for usar músicas já conhecidas, o processo pode ser inverso. Ou seja: escrever a história para justificar as musica.

Arruaça: A trilha para o público infantil é muito diferente da trilha para o público adulto?

Charles: Ambas as coisas. Musicalmente eu acredito e trabalho para que não. Ou seja, que o cuidado e o tratamento dado à parte musical seja análogo ao de um musical adulto. Isso é muito importante para que a criança se torne um adulto habituado a exigir qualidade e com capacidade critica. Por outro lado em um musical infantil o compositor acaba tendo mais liberdade para ousar com texturas e ritmos diferentes. O universo infantil dá possibilidade ao compositor de ir além e experimentar coisas mais inusitadas, oque é muito interessante.

Arruaça: Como é fazer a trilha, os arranjos vocais e ao mesmo tempo encenar a peça? A responsabilidade aumenta?

Charles: Não realmente, pois quando se está em cena apresentando o espetáculo, a parte de criação já está concluída. Dessa forma, é um outro profissional que está como personagem, e não o compositor ou o maestro.

Arruaça: O sucesso de um musical infantil está diretamente ligado à trilha, ao texto ou aos atores?

Charles: Acredito que está ligado ao conjunto das coisas. Se apenas um dos itens for bom, o musical não se sustenta. E as crianças são o melhor termômetro: se estiver chato, elas começam a papear e perdem a atenção.

Arruaça: A atriz Andrea Beltrão fez recentemente um musical e declarou que os atores e atrizes brasileiros são esforçados, mas não necessariamente bons em musicais. O que acha disso? Falta gente qualificada nesse mercado?

Charles: Bobagem. Talvez ela não tenha trabalhado com os profissionais mais adequados. Mas certamente eles existem e estão no mercado. Não assisti à referia produção e dessa forma não tenho como opinar sobre a montagem. Não vi essa declaração, mas de qualquer forma acho no mínimo curioso que ela diga isso enquanto ela própria esta fazendo um musical.

Arruaça: Quais diferenciais um ator/atriz de musical infantil tem de ter?

Charles: Na verdade as mesmas qualificações de qualquer ator de musical: atuar, cantar e dançar.

Arruaça: Certa vez entrevistei Sandra Perez, cantora, compositora e tecladista, dona do selo Palavra Cantada. Perguntei se ela buscava o aval das crianças no que fazia. E ela foi categórica afirmando que não depende da opinião do público infantil para saber que seu trabalho é bom. O que você acha disso?

Charles: Acho uma afirmação descabida. Acredito que evidentemente o aval do publico é fundamental. Veja bem, claro que posso optar por escrever também canções experimentais, concertos barrocos ou qualquer outra forma musical. Mas se estou fazendo um musical infantil, então é isso que devo fazer: um musical que também agrade às crianças. Da mesma forma que se for escrever uma missa de réquiem, deve-se adquear a linguagem musical ao fim que se destina. Não é questão de melhor ou pior: ambas DEVEM ser boas. Mas é, sim, obrigatorio que a musica cumpra a função e comunique com o publico ao qual se destina.

Arruaça: O musical infantil tem de ser atraente para crianças e adultos. Quais ingredientes necessários para que isso dê certo?

Charles: Uma boa história, boa musica e boa produção são um pré-requisito. Mas também acredito ser importante não tratar a criança como se ela fosse estúpida. As crianças não são estupidas e não querem ver personagens idiotizados cantando qualquer coisa de qualquer jeito. Um trabalho de qualidade com bons profissionais certamente agradará a ambos: as pais e aos filhos.

Arruaça: Você já fez trilha para musical onde o cantor não era necessariamente ator de teatro. Negra Li é atriz e dançarina, mas Luciana Melo é cantora, compositora e apresentadora. As duas são famosas, como foi trabalhar com elas, houve alguma dificuldade/facilidade, ou o trabalho é igual com todos os outros profissionais?

Charles: Nenhuma dificuldade. Em ambos os casos o trabalho foi delicioso e uma troca de experiências enriquecedora. Ambas são extremamente competentes e muito dispostas a absorver a linguagem do teatro musical: tanto nas cenas quanto no modo de cantar e de trabalhar com coros. E sempre que esse tipo de troca e desejo de realização acontece um resultado valioso aparece.

Arruaça: Ultimamente tem sido muito comum os autores de novelas utilizarem nas trilhas músicas que se expressam basicamente por onomatopeias. Os refrãos emitem alguns sons que de tão primitivos parecem fisgar o ouvinte pelo corpo. Além do arranjo dançante, a música já vem com coreografia. Especialistas afirmam que o objetivo é pegar o espectador pelo o que ele tem de infantil. O teatro infantil se utiliza dessa estratégia também?

Charles: Sim, mas não necessariamente. Digo isso enquanto teatro musical e não apenas musicas para cds infantis. Pra mim é necessário que cada canção conte parte da história. A música tem uma função cênica a cumprir. Se neste contexto alguma onomatopeia se encaixar, não há nenhum motivo para que seja usada. De qualquer modo o motivo de uma canção existir em um musical é para ajudar a contar uma história, e não pra ensinar uma dança.

Arruaça: Os musicais mais recente dos quais você participou parecem ter tido uma certa preocupação em trazer para o público uma discussão atual: agora “ Enquanto Seu Lobo São Vem” discute o uso da internet pelas crianças. E planeta Sbrufs fala sobre a devastação ambiental, poluição e desumanização. Por quê? É uma maneira de envolver também o adulto na história?

Charles: Na verdade acredito ser fundamental que além de divertir, algo produzido para as crianças tenha também uma função educativa. Não se trata de dar uma aula, mas sim de contextualizar em uma história alguma questão pertinente e que fomente não só a reflexão como também o debate. Conceitos de “certo” e “errado” quando contextualizados fazem muito mais sentido. Toda fabula ou conto infantil deve ter algo a dizer em termos éticos. Isso é fundamental.

Arruaça: Os atores/ cantores de musicais tem um modo específico de cantar, cantar pra dentro por causa do microfone. É verdade isso?

Charles: Isso não faz nenhum sentido. Um ator de musical tem que cantar, e cantar muito bem. Essa história de cantar pra dentro eu nunca tinha ouvido. E qualquer pessoa que canta sabe que isso não existe. De qualquer forma, em teatro musical é fundamental que a voz falada e a voz cantada sejam próximas. A textura e timbragem devem ser as mesmas, para que o ator não pareça duas personagens diferentes: a que fala e a que canta. É muito comum que um numero alterne trechos falados e cantados e por isso tecnicamente é fundamental ter total domínio da voz, além de uma boa extensão vocal. As técnicas de belting e meia cobertura são fundamentais ao gênero, uma vez que além de cantar é fundamental que a plateia compreenda oque diz a letra que está sendo cantada.

 

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