Não é de hoje que os Estados Unidos acompanham com medo e pesar os cada vez mais frequentes tiroteios em escolas de todo o país. Casos como o Massacre de Columbine, em 1999, que resultou 13 mortos e 21 feridos, já deixaram cicatrizes profundas, e ecoam até hoje em retratos na televisão e no cinema. Elefante, do cineasta Gus Van Sant, trata justamente dessa cicatriz: em uma manhã calma de sol, Alex e Eric, dois adolescentes aparentemente comuns, entram com armamento pesado na escola onde estudam e efetuam vários disparos. Os dois jovens deixam um rastro de corpos pelos corredores do colégio e depois se matam. Nós, espectadores, ficamos na contemplação muda do desastre.

Talvez por essa frieza e distância cuidadosamente construídas por Sant, talvez por outro motivo que ainda não descobri, o que me veio à cabeça quando assisti Elefante pela primeira vez foi música. Sim, música. Em um filme de sequências longas e silenciosas, em que os únicos sons audíveis são de risadas longínquas, gavetas fechando, e passos em alguma sala qualquer, a primeira coisa que me despertou os sentidos foi a música.

A princípio, associei Sonata ao Luar à cena de tiroteio nos corredores vazios da escola. Como se Alex e Eric fossem apenas parte de um jogo de vídeo game que assistimos de longe, do alto e, da forma mais inquietante possível, esperamos o que está por vir. Mais amplamente, a música clássica surge no filme como sendo parte integrante de uma contradição. A beleza e delicadeza da melodia convivem com a brutalidade dos tiros e os sentimentos que podem nos ferir – e quase digo no senso físico da palavra. Sim, porque a solidão das personagens, tão palpáveis como reais também nos fere – sejam eles os vilões, os nerds, os homossexuais ou os populares. Com isso, Für Elise se manchou para mim. Ficou maculada com essa solidão de todos e principalmente de Alex. E talvez para ele também esta seja a mácula que descarrega sobre o piano com as notas da composição de Beethoven.

Por fim, e deixando de lado tantas outras melodias (e são muitas) que poderiam facilmente ser associadas aos sentimentos comuns que compartilhamos com Elefante, consolidei como concreto a marca da orquestra folk americana Beirut sobre a minha interpretação do filme. Elephant Gun, música infinitamente menos conhecida que as outras duas, traz um protagonista como Alex ou Eric. Sozinho, com uma ideia de fuga em mente e uma arma em punho, ele permanece no silêncio da noite ouvindo seus próprios tiros, que ecoam para abater reis e sonhos, angústias e desejos irrealizáveis.

Enquanto observo o céu azul que encerra o filme, cena limpa e silenciosa, pacífica depois da tormenta dos minutos finais, eu sei que no fundo de minha mente a voz de um cantor folk estabelece o diagnóstico final para mim, para ele, para Alex e todos os outros. E ouço os tiros que rompem “através da noite, a noite toda, toda a noite”.