Encenado em cerca de vinte e cinco países, o drama Facas nas Galinhas está em cartaz no Teatro Tucarena, em Perdizes, até o dia 28 de abril. Escrita pelo escocês David Harrower em 1995, a montagem brasileira é dirigida por Francisco Medeiros. A peça, prepleta de simbologia, procura mostrar a transformação poética do Homem quando este se permite olhar para dentro.
O drama conta a história de um uma mulher (Eloisa Elena) casada com um marido opressor (Cláudio Queiroz) que a vê em posição inferior aos seus amados cavalos. Sua obsessão lhe traz o apelido de “potro William” no vilarejo em que residem. Sua esposa, conhecida como “mulher do potro”, não vive, apenas existe, seguindo a lógica de uma vida fadada à servidão do macho. Para ela, os objetos, os sentimentos, a vida em si somente existem pela vontade de Deus. E assim acreditava cultivar uma vida satisfeita.
Quando seu marido não pode levar alguns sacos de grãos para serem moídos, pois uma égua daria a luz, a protagonista é obrigada a ir sozinha até o moinho, onde vivia um moleiro (numa bela performance de Thiago Andreuccetti) temido por todos – já que corriam boatos que assassinara a mulher e o filho, além de ser um bêbado feiticeiro. A partir de então, a descoberta de sua subjetividade e de sua condição de indivíduo pensante permitem à “mulher do potro” criar uma identidade.
O teatro em forma de arena colabora para essa criação, permitindo aos três atores brincar com a imaginação do público enquanto montam e desmontam as estruturas do palco. Nenhum dos três sai de cena; não há coxias e quando um dos atores não participa da cena, fica na lateral produzindo os sons externos desta. O jogo de luzes é um espetáculo à parte: em plena sincronia com os sons, cria atmosferas e ambientes que traduzem a inquietude da protagonista perante as descobertas do sentir-se.
Apesar da simplicidade da peça, seu texto é cansativo e por vezes pode perder a atenção da plateia. O desconforto causado pela síntese dos aspectos externos – sons instáveis, as mudanças de luz e a trama contada a partir de três atores – colabora para essa dispersão.
Mesmo assim, Facas nas Galinhas passa muito bem a mensagem pretendida: o ápice da consciência da protagonista ocorre quando, provocada pelo moleiro, pergunta a este o que ele quer dela. Numa fala poética, ele responde simplesmente: “Seu nome”. E é nosso próprio nome que devemos buscar, incansavelmente, da forma como o diretor Francisco Medeiros bem coloca em seu depoimento sobre a peça; “para ter encontro, é preciso desencontrar”.