Alguns anos atrás, o diretor nascido em Nova York, Benh Zeitlin teve a ideia de filmar uma fantasia poética que parecesse com Duro de Matar. Missão cumprida. Indomável Sonhadora apareceu como o candidato forasteiro e indesejado numa festa do Oscar marcada pela elevação do espírito norte-americano.
Se filmes de grande orçamento como Lincoln, Argo e A Hora mais Escura dominaram as indicações ao Oscar com temas sobre redenção nacional, preconceito racial e vingança, coube aos maravilhosos As Aventuras de Pi e Indomável Sonhadora carregarem a audiência com o misticismo e a espiritualidade que estavam faltando.
Hushpuppy é uma garota de seis anos interpretada pela jovem de nome quase impronunciável Quvenzhané Wallis. Ela vive com seu pai, Wink (Dwight Henry) na “banheira”, o lado sujo, feio e miserável de uma Nova Orleans pós-Katrina que foi dividida por uma barragem do lado “civilizado”.
A tempestade acaba chegando, trazendo consigo a enchente e a fantasia da mente de Hushpuppy. Surgem os Alroques: javalis gigantescos e pré-históricos que ficaram congelados na calota polar até que foram libertados pelas forças da natureza. Ambos precisam descobrir uma maneira de sobreviver numa terra que já é pós-apocalíptica, antes da chegada da tempestade.
Wallis, a atriz mais jovem da história a receber uma indicação ao Oscar, é uma força da natureza em miniatura. Ela possui aquele espírito impetuoso e incontrolável que é manifestado na forma dos Alroques. E seu pai, o fantástico Dwight Henry, protagoniza um pai alcóolatra – como são todos os que vivem naquelas condições – que, por um lado, dá fantásticos conselhos, enquanto por outro lado joga tudo fora numa garrafa de destilado.
Indomável Sonhadora é uma espécie de milagre. É um daqueles filmes com um orçamento pífio e atores que nunca atuaram antes (Henry, por exemplo, é padeiro) que sobreviveu à máquina capitalista de Hollywood. Não é fantasia, no entanto. É realismo mágico. Observamos pelos olhos de uma menina a feiura de um mundo transformada em luzes, cores e espetáculos. Ele é incômodo e cruel.
Em uma das cenas, Hushpuppy proclama orgulhosa ao seu pai: “Eu sou o cara”. Com certeza. E seu fascinante filme não é de se deixar passar.