Robbie (Paul Branningan) está enfrentando uma série de problemas: está desempregado, vivendo de favor na casa de um amigo e sua namorada – cujo pai não o aceita de forma alguma – está prestes a dar a luz ao primeiro filho do casal. Além disso, Robbie terá que cumprir 300 horas de serviço voluntário, pena recebida por ter agredido brutalmente um rapaz na rua.

Assim poderia ser descrita a primeira parte do filme A Parte dos Anjos, uma coprodução escocesa, belga e italiana. Primeira parte porque a nova obra de Ken Loach dá a impressão de ser a junção de dois filmes diferentes. O primeiro trata da vida pessoal de Robbie, mostrando algumas marcas de seu passado e as injustiças enfrentadas pelo protagonista em seu cotidiano. Essa busca pela empatia do público é mal executada: lenta, quase tediosa, some com a expectativa de que algo maior está por vir.

Mas algo maior acaba vindo. O “segundo filme” – que é muito melhor, diga-se de passagem – não é só sobre Robbie, mas sobre todo o grupo de serviços comunitários. Surge daí passagens que muito acrescentam ao desenvolvimento do personagem e da própria história.

Com a amizade de Harry (John Henshaw), o responsável pelo grupo, vem o gosto pela degustação de uísque,, que se torna grande parte da vida de Robbie. Ao descobrir que o uísque mais raro do mundo será leiloado, Robbie e seus novos amigos bolam um plano para roubar um pouco da bebida e vendê-la por uma quantidade de dinheiro grande o suficiente para que possam viver sossegados por um bom tempo.

Esse novo ritmo do filme traz consigo personagens simpáticos, sacadas cômicas e, despretensiosamente, uma nova ótica em relação ao próprio Robbie. As razões de ser do protagonista ficam evidentes, e são reveladas diferentes nuances de sua personalidade. Paul Brannigan consegue – mesmo com todos os empecilhos no caminho – fazer um bom trabalho em sua interpretação da personagem.

Mas acaba sendo ofuscado pelas performances de John Henshaw e Gary Maitland, que dão vida aos personagens Harry e Albert, respectivamente. Enquanto Henshaw colabora com a carga emocional, Maitland traz vivacidade ao filme com seu excelente timing humorístico.

O diretor Ken Loach (de Ventos da Liberdade) é conhecido por sua excelência em tratar a realidade. O que continua sendo verdade após A Parte dos Anjos. As complicações de Robbie e a sua busca por uma segunda chance na vida não têm aquele tom de realidade ficcional, meio ensaiada, comum no cinema. Pelo contrário, as locações, os figurinos, maquiagem, tudo remete à realidade bruta. Inclusive os próprios atores, que improvisam em algumas cenas.

No entanto, o ritmo estabelecido no início do filme – e que deveria dar o tom para o que se segue – não condiz com a história que está sendo contada. E diversas cenas passadas antes de Robbie descobrir seu talento para degustação se provam desnecessárias ao longo do desenrolar da trama.

A Parte dos Anjos é o décimo primeiro filme de Ken Loach a competir no Festival de Cannes e na edição do ano passado, ganhou o prêmio do Júri. Com tanto prestígio, o filme muito promete, mas como um todo, pouco consegue cumprir.