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Edição nº 3 – Junho de 2015

Programadores, produtores de filmes, especialistas em comunicação, agitadores culturais: o Ônibus Hacker, iniciativa do grupo Transparência Hacker, carrega várias ideias em suas viagens. Ávida pela expansão da cultura digital no Brasil, a trupe primeiro criou a Casa de Cultura Digital em 2009, que tinha sede na rua Vitorino Camilo, no bairro Santa Cecília. A partir daí, rascunhos de projetos começaram a aparecer.

Pedro Belasco, que foi membro do Transparência Hacker desde o começo e participou ativamente do projeto do ônibus, conta: “Eu vi que estavam vendendo aqueles ônibus usados para levar as bandas [em turnês]. Aí pensei: a gente precisa de um desses!”. A ideia era levar os debates da Transparência Hacker para mais longe, expandindo a cultura digital.

Arruaça-Reportagem Ana Silvia Cursino Guariglia-foto 1O laboratório de quatro rodas foi pago em 2011 por mais de quatrocentas pessoas por meio do site de financiamento coletivo Catarse; apresentou um orçamento de R$40.000,00 e conseguiu arrecadar R$58.593,00. A partir de então, a base móvel passou a ocupar várias cidades, participando de feiras e festivais como o SP na Rua, o Festival do Parque Augusta e o Festival Abril Poético, em Minas Gerais.

Quem coordena a operação do Ônibus Hacker é o especialista em mídias sociais Pedro Markun. Até 2010 ele manteve online o Jornal de Debates, criado em parceria com seu pai, o jornalista Paulo Markun, mas esse não foi seu único projeto. Markun também tem um papel importante em outras plataformas de discussão por meio de dados abertos, como a Casa de Cultura Digital, e foi criador do LivroLivre, projeto que incentiva a doação anônima de livros, no qual o leitor etiqueta um livro e o liberta em espaços públicos. “Às vezes acho que a gente viaja só para poder trocar e aprender com o outro”, diz Markun. “O Ônibus é um espaço que respeita as diferenças e a diversidade. Temos gente de extrema esquerda e gente que lê Olavo de Carvalho conversando feito gente grande.”

O objetivo do Ônibus Hacker não é apenas pensar a tecnologia a favor da sociedade, mas também promover a troca de conhecimentos entre pessoas, num exercício de cidadania. Assim como um centro cultural, o projeto cria muitas atividades – de oficinas de reciclagem de lixo eletrônicoa aulas de tênis de mesa –, reunindo pessoas de diversas frentes e incentivando debates. As viagens e ocupações do ônibus são financiadas pelo governo estadual e municipal, por meio de editais, ou a partir de iniciativas independentes, como a organização de festas para arrecadação de dinheiro.

Sabendo muito bem lidar com o conceito de comunidade e rede que caracteriza o novo século, Markun aposta no diálogo e nas ações multilaterais. O Ônibus Hacker não tem um idealizador fixo – todos são idealizadores. O grupo de discussões do grupo no Google, por exemplo, é aberto a quem quiser participar. Este ano, o Ônibus Hacker ganhou um documentário de 26 minutos por meio do Jovem.doc, iniciativa da Fap (Fundação de Apoio à UNIFESP), que incentiva a produção audiovisual brasileira pelas mãos dos jovens. Grande parte das imagens já está produzida: os frames captados por diversas pessoas ao longo dos quatro anos do projeto serão compilados, ajudando a ilustrar o documentário. O resto do roteiro ficará por conta de uma viagem que representará todas as viagens do “busão”.

“Vamos fazer saindo de São Paulo e indo até Brasília. No caminho vamos passar por pelo menos duas pequenas cidades, que é o tipo de local onde o ‘busão’ tende a causar o maior impacto.”, conta Markun. A defesa do livre acesso à informação e o debate acerca dos problemas de cada cidade visitada são uma das bandeiras principais do projeto.

Café Reparo
Arruaça-Reportagem Ana Silvia Cursino Guariglia-foto 3Uma moça desce a rampa de uma das entradas do Centro Cultural São Paulo com um toca-discos Garrard em mãos, o cabo de energia balançando conforme os passos e o filho acompanhando ao lado. Não é difícil notar o conjunto de mesas à esquerda: no lugar dos jogadores de xadrez que sempre praticam ali, uma forte luz de LED quadrada ilumina todos os que estão sentados nas cadeiras de plástico pretas. É um teste. “Ela está ainda muito difusa, ainda não encontramos o que tem de errado”, explica Jorge, um dos monitores do Café Reparo. Ele conseguiu o equipamento por 15 reais na Santa Ifigênia. O toca-discos também chegou para ser consertado.

O Café Reparo, viabilizado pelo edital Redes e Ruas da prefeitura de São Paulo, promove encontros todo segundo domingo do mês até agosto, com diferentes participantes em cada edição. A ideia principal do evento é convidar as pessoas a trazerem seus equipamentos quebrados para aprender a consertá-los. “Você tem que conhecer o seu computador, o seu aparelho. Se souber identificar os problemas, não vai precisar jogar fora”, diz Michael Howard, um dos membros do Garoa Hacker Clube.

Em cima das mesas unidas, um notebook, uma maleta prateada, várias placas de Arduíno – plataforma eletrônica que serve de base para a programação de quase tudo – e uma bomba-relógio construída para marcar o tempo de um desafio. Cinco minutos. A bomba não explode. Se tivesse sido programada para explodir em cinco minutos, os pilotos e copilotos amadores de programação estariam perdidos. É só uma brincadeira.

O Coding Dojo foi trazido ao evento pelos membros do Garoa Hacker Clube – convidados daquela edição do Café Reparo – como incentivo à aprendizagem de programação. Dojo é um termo emprestado das artes marciais; significa o lugar onde se aprende a lutar. Nesse caso, o lugar onde se aprende a programar.Arruaça-Reportagem Ana Silvia Cursino Guariglia-foto 4

Para o jogo, são necessários a) um computador; b) uma placa arduíno; c) um dojo shield, nesse caso um simples número 8 constituído por luzes de led. O objetivo é fazer com que os sete leds que formam o número 8 no painel façam uma espécie de dança, contornando o número sucessivamente, como uma cobra. Cada piloto tem cinco minutos, marcados na bomba relógio. Acabado o tempo, piloto vira copiloto, e assim por diante.

Sentada na cadeira do piloto, computador em frente com o software Arduíno aberto, tive medo de digitar qualquer coisa e queimar o dispositivo que estava ligado à entrada USB. “Hoje você vai aprender a programar”, disse Amanda Yumi, membro do hackerclube. Depois de algumas dicas sobre como começar e informações sobre o que significava cada comando escrito na tela, consegui pelo menos identificar quais eram os números correspondentes a cada led. Digitando no computador e reprogramando com as alterações, o led ao lado dava sinal de vida, como que confirmando a resposta correta. Cinco minutos passaram em um. Tive que dar lugar a outra pessoa, enquanto o alarme soava ao meu lado. Depois de quarenta minutos o mistério estava resolvido, e o 8 dançava ao prazer do potenciômetro ligado a ele, mais rápido ou mais devagar, dependendo do gosto do programador.

Programação na escola
Arruaça-Reportagem Ana Silvia Cursino Guariglia-foto 5“Programar é questão de lógica, e as crianças são surpreendentemente boas nisso”, comenta Fábio Hirano professor de programação para alunos de 5 a 17 anos, fundador da escola Mad Code. Hirano ensina às crianças começando por aplicativos para tablet que dão uma primeira ideia do que é a prática de programação. Um tigrinho com uma bola de basquete, por exemplo, como desenvolvido pelos criadores do Scratch: é preciso que o aluno programe cada movimento do personagem e da bola, para só depois ver o resultado dos movimentos.

Não seria possível alargar a faixa etária da escola para até uns 25 anos, pelo menos? “Olha, esse não foi o primeiro pedido que recebi”, diz Hirano, rindo. Muitos adultos também querem aprender a linguagem, e podem fazê-lo também por meio de aplicativos. Enquanto isso, com cada vez mais tecnologia à nossa volta, a tendência é de que os códigos de programação acabem fazendo parte da estrutura curricular das próximas gerações, por ser uma ferramenta importante de criação capaz de construir de robôs até vídeo games. “Daqui 10 ou 15 anos, acredito que a disciplina será fixa nas escolas”, conclui.

“Essa contracultura, essa nossa tradição de pensamento desobediente tem que estar associada à política de cultura digital”, arremata Pedro Belasco. E é isso o que o Ônibus Hacker, o Garoa Hacker Clube e outros grupos dedicados à cultura hacker têm conseguindo conquistar no espaço público: a inclusão e confluência entre pessoas dentro de uma comunidade que antes parecia seleta, mas que hoje em dia vem cada vez mais abrindo portas a quem quiser entrar.

 

 

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