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Edição nº 2 – Dezembro de 2014

Crédito: Daniela Rodrigues

Crédito: Daniela Rodrigues

Em uma segunda-feira de tarde ensolarada, marcada pela alegria juvenil de um poeta urbano, claramente feliz ao receber outro ser urbano de mochila nas costas – após atravessar a cidade de sul a norte em pouco mais de uma hora e meia de viagem de transporte público –, acontece um encontro de ricas prosas, para falar de um assunto que interessa a ambos e a um número expressivo de fãs.

No início de uma avenida “ladeiroza”, sou recebido primeiramente pela mulher do jovem a ser entrevistado, Daniela Rodrigues. Adentro o sobrado claro na região de Lauzane Paulista, e a segunda etapa dos cumprimentos de boas vindas é concluída pela assessora de imprensa. Na sequência, três garotões ao maior estilo skatista, cada um deles debruçado ao seu notebook, trabalhando, recebem, com uma simpatia efusiva, a visita do “patrão”: “E aí, beleza?”.

Água para o viajante acompanha o sorriso do anfitrião. Em seu home studio (ou escritório, como Daniela prefere chamar o espaço), no andar de cima do sobrado, onde Michel gosta de se concentrar para compor e experimentar as bases que estarão nos discos e nas ruas, sentamo-nos para conversar de forma descontraída. Dali em diante, percebi o quanto é bom falar sobre rap, música e seus desdobramentos.

Michel, agitado entre uma resposta e outra, mostra-se otimista e determinado, como promete a expressão criada por ele mesmo: “Foco na missão”– que já virou marca de seus shows, dos bonés que comercializa e que, segundo ele, significa “levar a mensagem que a gente acredita para as pessoas e colocar o rap em um patamar de grandeza na música popular brasileira”.

Rashid começa a me contar que antes de arriscar suas próprias letras “queria mesmo era ser grafiteiro”, mas aos 12 anos de idade já escrevia suas rimas, abordando política, mesmo “sem conhecer patavinas sobre o assunto”, sonhando, um dia, poder subir ao palco. Na época em que morou na cidade de Ijaci (MG), próximo a Lavras, região de Ouro Preto, entre 13 e 17 anos de idade, chegou a grafitar na rua, enquanto pensava que as frases que lia nos muros eram dos próprios grafiteiros. Depois, descobriu que os versos eram de rappers, passando, adiante, a criar seus próprios trechos de poesia suburbana, que mais tarde se tornariam letras para serem musicadas.

Ainda na adolescência, integrou dois grupos formados por amigos, passando assim, a compor com mais frequência. Aos 16 anos, já participava de batalhas de freestyle, chamando a atenção de MCs mais experientes. Ele conta que “a parada das rinhas [dos MCs] veio mais tarde, em 2006 (…) e numa segunda edição, coincidentemente quem ganhou foi um tal de Emicida [um dos principais nomes do rap brasileiro, atualmente]. Foi lá que eu o conheci. Eu e o Projota – meu amigo de infância – começamos a comparecer a esses encontros. Foi aí que nasceu a amizade dos três, na batalha do Metrô Santa Cruz”, diz-se das mais reveladoras “batalhas de rimas” do Brasil (ambiente comum para quem pretende ser um grande rimador), de onde também foram revelados nomes do gênero, como Rael e Criolo.

O rap, sempre atuando de forma independente, ganhou mais popularidade nos últimos dez anos. Não há casos de grupos de hip hop brasileiro que tenham se vinculado a alguma grande gravadora. Racionais MCs, a banda mais popular do gênero, encabeçou o sucesso de outras anteriormente consideradas menores.

Crédito: Daniela Rodrigues

Crédito: Daniela Rodrigues

Rashid, um dos rappers que comanda essa linha de frente, diz que recentemente recebeu proposta de uma gravadora e distribuidora, mas relata certo “ciúme” do que já foi criado por ele e confessa que “às vezes faz falta ter alguém que pudesse investir mesmo, porque eu tenho muita ideia anotada e que não consigo realizar. Eu não tenho dinheiro para produzir tudo – CD, camiseta, música e clipe – então, um monte de ideia morre ou fica anotada, para um dia, quem sabe em 2025 [diz sorrindo], a gente consiga colocar em prática. É tudo concentrado na gente. Imaginamos: ‘como uma gravadora faria para fazer tudo isso?’”.

O gênero cresceu, além de tudo, profissionalmente. Vendas de discos, camisetas e acessórios, aproximação de fãs e shows lotados – dos centros culturais aos festivais de rua – mostram-se uma realidade comercial viável. Michel me conta como pensou com Daniela, por exemplo, o lançamento do último disco: “O que uma grande gravadora faria? O que o Jay-Z faria? Pensamos em tudo, nas ações de marketing e ainda mais. Pode ser que uma gravadora nem trabalhasse dessa forma. A gente até podia colocar na rádio e pagar jabá [prática usada para ‘compra’ de espaço em rádios], mas isso a gente não faz, então vamos espalhar o máximo que a gente pode”. Se ele e sua mulher se consideram bons empreendedores? “Acho que sim. Obtivemos sucesso dessa forma e tem muito mais para crescer”.

A internet, uma das principais responsáveis pela alta visibilidade dos novos nomes do estilo musical periférico, foi e ainda é parceira de Rashid, durante todo este tempo de produção.

O êxito da carreira de Rashid é endossado pelas suas redes sociais – Facebook, Twitter e Instagram –, na expressividade de seus números: mais de um milhão de “likes”, 179.000 e 90.000 seguidores, respectivamente. Ele está à frente de suas publicações online, mesmo Daniela tendo breves participações. Esta me conta que já venderam em torno de 30 mil discos físicos e já perderam a conta dos downloads: “O Que Assim Seja teve 70 mil na primeira semana, o Confundindo Sábios também tem números parecidos”.

Enquanto isso, Racionais MCs, ícone máximo do rap no Brasil, com 20 anos de carreira, acumula 1,5 milhão de discos vendidos, além dos quatro milhões de cópias piratas. O grupo conta com cinco milhões e meio de “likes” no Facebook, 103 mil seguidores no Twitter e quase 35 mil no Instagram.

Crédito: Daniela Rodrigues

Crédito: Daniela Rodrigues

Rashid não é só um nome artístico, é uma equipe, uma empresa que funciona com o espírito da periferia, mostrando-se muito produtivo na especialidade de mobilizar jovens. Daniela Rodrigues, diz que o rapper é focado em sua missão e não é dado muito ao lazer, “está sempre trabalhando, escrevendo, fazendo instrumentais ou gravando guias no home studio, não para”.

O rapper segue ainda fechando parcerias com outros nomes importantes do gênero musical como Emicida, Kamau, Projota, Rael, Tássia Reis, Flora Matos, Lurdes da Luz, entre outros. Afirma que as aproximações entre rappers “favorece o movimento e fortalece o gênero”.

Carrega em seu histórico shows lotados, em várias cidades do Brasil, marcando presença em grandes eventos como Virada Cultural, Circuito Cultural Paulista, Circuito Sesc de Artes e apresentações no South by Southwes (SXSW), um dos maiores festivais de música e tecnologia do mundo, que aconteceu no início de 2014, em Austin, capital do estado do Texas, nos Estados Unidos.

Com a agenda cheia desde o lançamento de sua última mixtape, Rashid segue “confundindo os sábios” e sem perder o “foco na missão” pelas cidades brasileiras por onde passa.

 

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