logo_arruaça

Edição nº 4 – Janeiro de 2016

 

 

Arruaça-Perfil-Bruno Desiderio-Foto 1

Da esquerda para a direita: Chuck Hipolitho, Gustavo Riviera e Arthur Franquini, no início da carreira | Foto: Arquivo Forgotten Boys. Uso autorizado.

A banda Forgotten Boys começou em 1997, em São Paulo, quando o baterista Arthur Franquini mostrou a seu amigo, o guitarrista e vocalista Gustavo Riviera, duas canções que havia composto. A ideia era a de um som baseado nos artistas de rock dos anos 1970 e do movimento proto-punk, como MC5, New York Dolls, The Stooges e Johnny Thunders. Os dois ensaiaram as músicas e decidiram gravá-las no dia seguinte. Depois de uma sessão de duas horas no estúdio El Rocha, a dupla tinha em mãos a sua primeira fita (ainda cassete) demo. A partir daí, a carreira desse conjunto, com seus altos e baixos, pode ser vista como um manual de como manter um projeto musical independente no Brasil. Desde como se organizar para gravar e lançar seus trabalhos, conseguir espaços para se apresentar, passando pela realidade de fazer parte de uma gravadora (e depois deixá-la) até o momento atual, em que busca manter-se posicionada em uma cena, e mercado, em constante mudança.

 

Faça Você Mesmo
Boa parte da trajetória da banda (especialmente em seu início) está muito ligada à ideologia punk do “faça você mesmo”. Distribuíram cópias de sua primeira fita demo para vários organizadores de shows da cena do rock independente de São Paulo. Dessa maneira, conseguiram suas primeiras chances de mostrar suas músicas ao vivo. “Fazíamos um show muito visceral e por conta disso tivemos uma boa aceitação do público de rock, especialmente dos punks”, lembra Riviera. “O fato de fazermos músicas autorais com essas influências de MC5, The Stooges e Johnny Thunders, o que não se ouvia na época, naquela cena, também chamou atenção para nós”, completa.

A boa recepção por parte do público, aliada às novas canções escritas, deu ao grupo confiança para dar o próximo passo: viabilizar uma demo maior, com 13 músicas. Nove faixas foram gravadas em estúdio e as restantes em um gravador de quatro pistas, emprestado por um amigo. “Eu passei dias fazendo cópias dessa fita e tirando xerox do encarte para podermos distribuí-las nos shows e para enviarmos para quem quisesse”, conta Riviera. O resultado veio em forma de um aumento de público e mais shows, alguns em outras cidades e estados (o que possibilitaria à banda contatos que seriam úteis para a viabilização de turnês futuras). Mais importante, o conjunto atraiu o selo independente Ataque Frontal, que lançou o primeiro disco do Forgotten Boys, em 2000, já com o baixista Chuck Hipolitho formando o trio.

A banda crescia, mas não era possível para seus integrantes tirarem seu sustento dela. Todos mantinham empregos paralelamente. Através da atitude “faça você mesmo”, se organizaram e trabalharam de modo a gravar e lançar seus próximos trabalhos, conseguindo eventuais parcerias com diferentes selos independentes para a distribuição. Também corriam atrás, por conta própria, para conseguir o máximo de shows possíveis. “Tinha que dar um jeito de coordenar as viagens com as férias do trabalho, tentar descolar algumas folgas. Na verdade, a gente faltava bastante quando tinha show”, explica Riviera.

Em 2004, o conjunto organizou uma turnê que rende frutos e histórias até hoje. Os quatro membros (Zé Mazzei assumiu o baixo naquele ano, enquanto Hipolitho passou a tocar segunda guitarra) embarcaram em um automóvel Fiat Palio, de motor 1.3, colocaram seus instrumentos em um rack no teto, e dirigiram de São Paulo a Buenos Aires, realizando, no caminho, mais de 20 apresentações, passando pelo Paraná, Rio Grande do Sul e Argentina. “Foi uma turnê em que ganhamos muito mais do que dinheiro. Crescemos como banda e conhecemos pessoas e lugares incríveis”, diz Mazzei. Algumas dessas pessoas fazem parte do selo argentino Rastrillo Records, que desde então viabiliza shows do grupo naquele país e é responsável pelo lançamento do último disco, Outside of Society, de 2015.

 

Gravadora
Em 2005 o Forgotten Boys é contratado pela gravadora ST2, pela qual lança o disco Stand By The D.A.N.C.E. . A empresa disponibilizou para banda toda uma estrutura para a gravação (com o produtor Daniel Ganjaman) e para divulgação e turnê (com empresário, assessoria de imprensa e promotor). Foi o período de maior popularidade, com algumas músicas tocando nas rádios e videoclipes em execução em canais de TV. “Na época da ST2 a banda era nosso sustento. Fizemos vários shows e ganhamos bons cachês”, lembra Riviera. “Foi um tempo de muitas coisas boas, mas também teve o outro lado, o de entender o que você está disposto a aceitar para fazer parte desse mundo de gravadora”, pondera Mazzei.

O baixista se refere ao momento em que estavam na etapa de pré-produção do próximo disco e, durante várias reuniões, profissionais da ST2 rejeitavam as ideias do grupo e sugeriam mudanças no som que não agradavam aos integrantes. “Queriam que nós gravássemos um disco em português e com uma sonoridade diferente da que estávamos buscando”, explica Riviera.

Arruaça-Perfil-Bruno Desiderio-Foto 2

Da esquerda para direita: Paulo Kishimoto, Dionísio Dazul, Thiago Sierra (na bateria), Gustavo Riviera e Zé Mazzei, em show da formação atual | Foto: Arquivo Forgotten Boys. Uso autorizado.

A língua em que as músicas são cantadas, aliás, sempre foi uma questão para a banda, que compõe praticamente a totalidade de suas canções em inglês. A ST2, bem como várias pessoas dentro do mercado musical, já pressionou o Forgotten Boys para fazerem mais músicas em português, sob o pretexto de que, dessa maneira, suas músicas tocariam mais nas rádios. Ideia rejeitada pelo conjunto. “Se fosse uma ideologia das rádios brasileiras, de só tocar músicas em português, eu entenderia, mas a maior parte das programações é composta por grupos internacionais. Por que uma banda nacional não pode cantar em inglês?”, argumenta Riviera, que explica que a escolha pela língua inglesa deve-se, exclusivamente, pelas suas referências artísticas.

Sem uma resposta positiva da gravadora, a banda resolveu gravar o disco Louva-a-Deus, lançado em 2008, de maneira independente. A ST2 foi avisada da decisão via e-mail. Essa escolha viria proporcionar ao Forgotten Boys a oportunidade de trabalhar com Roy Cicala, produtor musical norte-americano que já havia trabalhado com artistas como John Lennon, Patti Smith, Lou Reed e Frank Sinatra.

 

Respeito de seus pares
A carreira do Forgotten Boys é marcada por várias parcerias com artistas de renome internacional. Logo na época do lançamento de seu primeiro álbum, em 2000, a banda foi escalada para participar da turnê de Marky Ramone, ex-baterista do Ramones. Também já dividiram palco com os ídolos do MC5, New York Dolls, assim como outros que os influenciaram como The Mission e Stiff Little Fingers. Além disso, abriram show do Guns´n´Roses. “Sempre buscamos uma sonoridade mais voltada para o rock dos anos 1970 e proto-punk. E isso é reconhecido pelos artistas do gênero que vêm de fora e buscam bandas para participar de suas turnês”, avalia Riviera. “Isso faz com que produtores e organizadores de shows nos indiquem para parcerias como essas”, completa.

Mas, talvez, a parceria que mais marcou o grupo, e seu trabalho, foi a com Roy Cicala. Em 2008 ele já morava no Brasil e havia trabalhado com alguns artistas de pop e MPB. Ao assistir ao videoclipe da música Just Done, Cicala ficou empolgado para conhecer o Forgotten Boys. Junto com o produtor Apollo 9, trabalharam no disco Louva-a-Deus. “A produção foi simples, mas a mixagem do Roy foi incrível”, conta Riviera.

Em 2011, banda e produtor voltaram a trabalhar juntos e o resultado foi Taste It, seu disco mais elogiado até hoje. Com esse álbum, receberam o prêmio de melhor conjunto musical pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Após a entrega do prêmio, um repórter do programa CQC, da Band, abordou o conjunto e fez uma piada que parece retratar bem a situação, não só dele, mas de boa parte dos artistas da cena musical independente no Brasil. “Forgotten Boys: reconhecidos pela crítica e esquecidos pelo público”. “As críticas desse disco foram excelentes, mas sua distribuição foi muito ruim. Ele não chegou às pessoas”, comenta Mazzei.

Após o lançamento de Taste It a quantidade de shows diminuiu bastante e a banda decidiu parar por um tempo, com cada um de seus membros se dedicando a seus próprios projetos.

 

Renovar é preciso
Em 2015 a banda lançou Outside of Society, pelo selo argentino Rastrillo Records. Trata-se de uma coletânea de covers de rocks dos anos 1960 e 1970, com músicas de Patti Smith, Ramones, MC5, The Stooges, entre outros. O disco foi uma ideia de Roy Cicala, que não pode acompanhar o resultado final, já que faleceu em 2014. “Queremos voltar a tocar ao vivo porque, com o lançamento desse álbum, novamente temos algo a dizer”, afirma Mazzei.

Mas a volta à ativa do Forgotten Boys pode ser acompanhada de uma renovação na forma como o grupo lança e promove seus trabalhos. Seus membros admitem, por exemplo, que ainda não usam a internet da melhor maneira possível para divulgar sua obra e para se comunicar com o público. O lançamento de futuras músicas diretamente em plataforma digital no intuito de atingir uma audiência maior não está descartado. “O mercado hoje é muito diferente daquele no qual nos formamos. Cabe a nós nos organizarmos. Os shows que voltaremos a fazer a partir de agora serão grandes oportunidades para nos juntarmos e discutirmos melhor esses projetos”, explica Mazzei.

Hoje o Forgotten Boys é formado por Gustavo Riviera (guitarra e vocal), Zé Mazzei (baixo), Dionísio Dazul (guitarra), Paulo Kishimoto (teclado e steel guitar) e Thiago Sierra (bateria). A banda não é o ganha pão de seus membros, que realizam seus próprios projetos profissionais. Mas isso não é motivo que faça Gustavo Riviera, membro fundador, pensar em parar. “Quando começamos não tínhamos a ambição de viver da banda. Deixávamos rolar, sempre tentando nos apresentar mais e fazer boas músicas”, diz. Tampouco ele vê seu conjunto como um hobby. “Essa é minha profissão, eu sou músico. O Forgotten Boys é meu escritório, mesmo não sendo meu sustento. Ao ser questionado sobre o que o faz ter essa certeza de seguir em frente, Riviera não tem dúvidas. “Quando a gente toca junto entende porque continua”.

 

Discografia:
Disco (Ano de lançamento) – Selo
Forgotten Boys (2000) – Ataque Frontal
Forgotten Boys/Killerdolls Split (2001) – Spicy Records
Gimme More (2002) – 13 Records
Gimme More… And More (2003) – No Fun Records (EUA)
Forgotten Boys/Motosierra Split (2004) – 13 Records
Stand By The D.A.N.C.E. (2005) – ST2 Records
Louva-a-Deus (2008) – Independente
Taste It (2011) – Independente
Outside Of Society (2015) – Ratrillo (Argentina)