Brechó. De acordo com o dicionário Silveira Bueno, comércio de roupas ou artigos usados, de segunda mão. De acordo com a história, Belchior. Diz-se que no século 19, um vendedor de porta com esse nome tornou-se conhecido por vender roupas e objetos de segunda mão no Rio de Janeiro. Machado de Assis, em seu conto Ideias de canário, apresenta o termo: “… sucedeu que um tílburi à disparada, quase me atirou ao chão. Escapei saltando para dentro de uma loja de belchior… A loja era escura, atulhada das cousas velhas, tortas, rotas, enxovalhadas, enferrujadas que de ordinário se acham em tais casas, tudo naquela meia desordem própria do negócio.”
Com o passar dos anos, o nome se transformou popularmente em brechó, o nicho de mercado que conhecemos hoje e que vem mudando também. Acredita-se que esse tipo de comércio teve origem no “mercado de pulgas”, um tipo de bazar a céu aberto que criou a oportunidade de compra por preços muito baixos. Nos dias atuais, é possível comprar em locais com logomarca e ambientação personalizada.
O Brechó Vó Judith tem como símbolo aquela jarra de abacaxi que aparecia na série A Grande Família. Tem página no Facebook, no Instagram, um site próprio e até um canal no Youtube. É um sobrado grande, com várias salas, que fica próximo ao metrô Vila Madalena. Tem araras e estantes separadas para cada tipo de roupa: masculina, feminina, infantil, roupas de festa. No segundo andar está a parte “vintage”. Jorge Nóbrega é um dos sócios do lugar há 18 anos, com uma loja no centro e essa mais recente. Recusando o estereótipo de sujeira, velharia e bagunça que paira sobre a atividade, o proprietário afirma: “Se houver profissionalismo e as coisas forem bem feitas, tem tudo para dar certo. Já vi muitos deles irem à falência, não por má localização ou por simplesmente venderem coisas usadas, mas porque não houve cuidado em apresentar seus produtos aos clientes”.
O site do Sebrae apresenta um plano de negócios específico para a abertura de um brechó e, de acordo com o texto publicado na página da instituição, o segmento movimenta, pelo menos, R$ 5 milhões por ano. “O crescimento do mercado é registrado pelo aumento da quantidade de lojas e pela ampliação das já existentes.” Como é o caso da Capricho à Toa, um bazar criado em 1978, considerado um shopping-brechó que vende somente coisas de marca, usadas ou semi-usadas, também na Vila Madalena.
Edson Silva é gerente do Sebo Novo Conhecer, no bairro da Lapa. Trabalha há três anos no lugar e, antes disso, esteve por dez em outro sebo perto ao Capricho à Toa. Diz que teve muito tempo para observar a movimentação e o crescimento de público do comércio vizinho. “A imprensa foi importante nesse processo de mudança de visão de muitas pessoas em relação à venda de roupas usadas. Os preços e a criação de um desejo por peças únicas e ‘modernas’ fizeram crescer o movimento”, diz.
Questionado se isso também aconteceu com o tipo de comércio – considerado “primo” do brechó – que gerencia, Edson diz perceber que “houve um encolhimento do mercado impresso, como um todo. Livrarias renomadas vieram a fechar suas portas e outras estão muito mais presentes na internet, para tentar se manter no mercado digital, com ebooks ou vendas online”, lembra ele.
Os brechós e bazares também estão nas redes. Como é um tipo informal de mercado, fica difícil saber quantos desses existem na internet, mas, fazendo uma busca rápida por “brechó” no Facebook, cerca de uma centena de grupos podem ser encontrados, com 10 mil membros cada um. Exemplos de alguns dos nichos são os chamados brechós universitários, aqueles voltados às coisas de criança e ao mundo do rock. As compras são combinadas de forma particular entre vendedor e comprador, e os encontros acontecem em estações de trem e metrô.
Conforme afirma o texto do Sebrae, “A saia que foi maciçamente utilizada na estação passada, divulgada provavelmente por uma personagem da novela das oito, seis meses depois já pode ser considerada fora de moda e é descartada do guarda-roupa das consumidoras. No próximo ano, esta mesma saia pode cair novamente nas graças do público devido a um fato ou foto qualquer”. Porém, apesar da ajuda que a mídia tem dado ao mercado de roupas usadas, ainda existem pessoas que não compram esses artigos.
A universitária Gabriele Campos Sousa, 21 anos, diz que não costuma procurar e adquirir coisas nesses lugares pela falta de facilidade. “Eu não tenho hábito porque acho mais fácil comprar em lojas de que eu gosto. Na verdade, nunca fui a nenhum lugar com esse tipo de venda, mas, pelo que escuto falar, tem que procurar bastante até encontrar algo que realmente seja bom”. Gabriele conta que uma vez até se interessou por um sobretudo, mas o lugar parecia tão “esquisito” que ela nem entrou.
Daphne Bittencourt, 25 anos, publicitária, também não compra coisas usadas. Diz que até já ganhou peças que amigas e primas não queriam mais, mas que prefere comprar coisas novas, “principalmente se for roupa”. Porém, também acredita que “pra quem não liga pra essas coisas de usado, vale a pena, porque, muitas vezes, você acaba achando itens de uma qualidade boa e por preços em conta”.
Ainda de acordo com o Sebrae, “compras em brechós possibilitam economia de até 80% em relação às lojas tradicionais”. Mas, além dos preços baixos, outras características são levadas em consideração por seus consumidores. Gabriela Marques tem 18 anos, é pré-vestibulanda e só compra em brechós e bazares. A jovem acredita que se trata de uma questão ambiental e social. “Faz mais ou menos quatro ou cinco meses que deixei de comprar em grandes lojas. Comecei a procurar por brechó e bazar e acabei me apaixonando pela coisa. A princípio não tinha uma causa específica, eu estava apenas procurando coisas novas. Porém, foi no cursinho pré-vestibular, em uma aula sobre os impactos do lixo têxtil no ambiente, que aprendi um pouco mais sobre esses produtos, desde a produção até a reciclagem. Gasta-se muita água para produzir uma peça de roupa, sobra muito lixo e pouco dele é aproveitado”.
Em seu canal Afros e Afins, a Nátaly Neri expõe “dez motivos definitivos para comprar em brechó”. Seguindo o exemplo da youtuber, Gabriela afirma que “muito do que é produzido vem do trabalho análogo à escravidão”, lembrando que brechós e bazares são uma alternativa para “não contribuirmos com essa produção injusta”, o que, por sua vez, auxilia o trabalho de produtores artesanais de costureiras. “São roupas de segunda mão, mas que você pode concertá-las, personalizá-las e sair um pouco dessa ‘moda’ que o fast fashion impõe que visa apenas ao lucro”, conclui.