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Edição nº 4 – Janeiro de 2016

 

Em meio aos ensaios de um novo formato de seu show, em um estúdio no bairro da Casa Verde, acompanhado de músicos profissionais, ótima estrutura e assessoramento, Mc Garden lançou em outubro de 2015, no SPTV veiculado pela TV Globo e no canal Vevo da internet, o videoclipe da música Namorado ausente. “Ei menina, não desanima. Esse é o típico moleque. Que se encontra em qualquer esquina”. Letras que parecem um pop romântico pulsam na batida do funk.

Garden teve seu primeiro contato com o ritmo em 2007, aos treze anos, quando ganhou um MP3 de sua mãe. “Pedi para um ex-cunhado colocar músicas nele, e ele inseriu várias do funk carioca dos anos 1990, que percebo hoje, serviram de inspiração”. Enquanto o Mc ouvia os funks melodys de Claudinho e Buchecha, em 2008, o Brasil foi promovido a investiment grade, pelas agências nacionais de ranking, passando a integrar o grupo de IDH alto pela ONU. E no mesmo ano, foi publicado pela Fundação Getúlio Vargas um estudo intitulado “A nova classe média”, mostrando que, entre abril de 2004 e abril de 2008, a parcela de classe C subiu 22,8%. Mas nas favelas de São Paulo, onde houve um dos maiores índices de crescimento, a população já sabia disso. Em 2008 também nos deparamos com o começo do funk ostentação.

O consumo crescente por parte da classe emergente, que aprendia a lidar com a nova condição da periferia, refletia nas letras das músicas. Renato Meirelles, presidente do Instituto de Pesquisa Data Popular, e criador do Instituto de Pesquisa Data Favela, fala sobre este efeito em seu livro Um país chamado favela. “Mais do que esbanjar, a idéia seria mostrar que os membros dos estratos sociais inferiores são capazes de obter bens antes reservados à burguesia”. Garden, que vive em Americanópolis, zona sul de São Paulo, conheceu de perto esse movimento. E apesar de já estar familiarizado com o funk, não seguiu este caminho. “Mesmo andando na contramão, resolvi acreditar que minha música poderia influenciar de maneira mais positiva. Acreditei e ainda acredito nisso. Não que eu escreva para julgar ou me colocar acima de ninguém, escrevo o que acho correto para nossa geração”.

Com essa postura, ele teve a primeira música postada em seu canal do You Tube, no ano de 2010, intitulada Pai nosso. “Ser sujeito homem é o que eu sempre falo. Pra ver se um dia “os moleques” entendem. Essa vida loka não leva a nada. Ele roda roda mas nunca aprende. (…) Pai nosso que estais no céu. Abençoe a minha gente. E ajude que com minha voz. Mostre um lado diferente”.

Filho de professor de matemática, e envolvido no trabalho voluntário com sua mãe desde muito jovem, Garden diz que sempre teve acesso à realidade social brasileira dentro de casa. E com essa base familiar, continou a fazer seus funks divulgados pela internet, com mensagens politizadas. Como Mina das erradas em 2012 (244.834 visualizações), Descaso é a causa do atraso (163.472 visualizações) e o Funk da educação (430.319 visualizações), postados entre fevereiro e abril de 2013.

 

“Geração de Pensadores”
Renato Meirelles explica que o fato de o nível de escolaridade entre as gerações ter subido 71% favorece o surgimento de jovens mais exigentes e mais conectados. “A internet é uma das principais fontes de informação desses jovens. São os novos formadores de opinião da classe média brasileira”, diz ele. “Foi isso que assistimos em junho de 2013, quando eles mesmos saíram às ruas para as manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus. O descontentamento difundido pelas redes sociais atingiu quem mais utiliza o transporte público, e isso não distinguiu o local onde moram”.

Neste mesmo mês, no dia 19, aproveitando o ápice dos protestos, Garden sai do anônimato ao lançar a música Isso é Brasil em seu canal do You Tube. Ele faz um videoclipe simples, mas com versos indignados. “Brasileiro quer ser mais malandro. (…) Enquanto isso o nosso Nióbio. Sai daqui por debaixo dos panos. (…) Olha lá nossos governadores. Não investem na educação. Pra não ter uma geração de pensadores. (…) Mas você fingiu que não viu. Aqui a bunda vale mais que a mente. Infelizmente esse é o Brasil”.

Ao alcançar milhões de acessos e compartilhamentos, Garden vê durante o pleno estado de revolta que tomou conta das ruas seu canal de músicas suspenso. Quem o ajudou foi o humorista Rafinha Bastos, que entrou em contato com conhecidos do You Tube, para colocar o video novamente ao ar. Após este fato, viraram amigos. Até hoje não se sabe o que aconteceu, mas essa projeção não foi de toda ruim, e acabou o fazendo se aproximar de Gabriel, o Pensador e de Emicida, que passaram a divulgar seus trabalhos e a chamá-lo para cantar em seus shows. Foi assim que sua música saiu da periferia e conquistou os fãs “do asfalto”.

A partir de então, com a crise que chegou ao país, vemos lentamente o declinio do funk ostentação. “Esses jovens estão reduzindo as compras de roupas e produtos de marca, bem como boa parte da sociedade em geral. Mas a régua de qualidade mudou, eles também vão às ruas exigir os seus direitos”, diz Meirelles.

 

“Não quero escrever em vão”
Em junho deste ano, Mc Garden viraliza um novo vídeo na internet, a música Encostei no baile funk. Com a câmera do celular nas mãos, e apenas uma batida ao fundo, ele percorre seu quarto, cantando um dos versos: “Encostei ali num baile funk. E fui vendo uns ‘bang’ que não eram bons. É que eu vi os moleques de 13, com a cara de sono. E a latinha na mão. E essa lata já tava amassada. Em vez de refri tinha lança-perfume. É o perfil do moleque que o pai fugiu da responsa. E a mãe não assume.”

O funk só foi reconhecido como gênero em 1960, com James Brown, e deste então passou por varias vertentes (ver quadro). Mas sempre foi um ritmo polêmico para todas as épocas. Como podemos ver no Brasil, o funk’nLata, funk proibidão, ostentação e o melody são exemplos que conquistaram as estações de rádio Brasil afora, e foram alvo de preconceito de muitos outros. Agora, chega o funk consciente nas batidas de Mc Garden. E fica a dúvida, qual será o futuro do funk no Brasil?

Ao responder à pergunta, Garden é decisivo. “Prefiro falar sobre a expectativa de uma geração melhor, com mais assistência social, boas escolas, hospitais, empregos, transportes públicos e acima de tudo viver com dignidade. Adoraria poder escrever um funk sem essa revolta no conteúdo. Mas a caminhada é grande, a música ajuda a passar minha mensagem para uma grande massa. E eu posso assim auxiliar de alguma maneira, para que os brasileiros vejam a realidade em que o País se encontra”.

 

Década de 1950 Ao colocarem mais movimento na batida de rock’n roll, artistas como James Browm creditam a criação do ritmo funk à banda “The Upsetters”, em meados dos anos 1950, durante turnê que acompanhou Little Richard.
Década de 1960 O pianista norte-americano Horace Silver pode ser considerado o pai do funk. Silver uniu o jazz à soul music, e começou a difundir a expressão “funk style”. Mas somente após James Brown, o funk passou a ser considerado um tipo musical distinto. A gravação de “Papa’s Got a Brand New Bag” em 1965 é considerado como o lançamento do gênero.
Década de 1970 Em 1970 George Clinton com suas bandas Parliament e posteriormente Funkadelic fez um funk mais pesado do que na década anterior, influênciado pelo jazz e rock psicodélico, dando origem ao P-funk. Outros grupos de funk surgiram nesta época, como Earth, Wind & Fire, The Brothers Johnson e os popstars Michael Jackson e Prince. A disco music também apareceu como uma vertente do funk. James Brown, no final da década, se intitulou como “The original disco man” (1979). Enquanto isso no Brasil, Tim Maia gravava “Tim Maia Disco Club” (1978).
Década de 1980 Nessa época surgiram algumas derivações do funk, como o electro. E se tornaram combustivel para os movimentos rap, break e hip hop. Nos anos 80 também encontramos as fusões de funk rock em grupos como Red Rot Chilli Peppers, que inclusive teve seu segundo album produzido por George Clinton. Já no Brasil, o funk chega ao Rio influenciado por um novo ritmo da Flórida, o miami bass, que trazia músicas mais erotizadas e batidas mais rápidas. As letras brasileiras retratavam o cotidiano dos freqüentadores do baile funk: abordavam a violência e a pobreza das favelas.
Década de 1990 Nos anos 90 encontramos no Brasil o funk melody, nas vozes de Claudinho e Bochecha, Latino e Copacabana Beat, que fizeram tanto sucesso que artistas de outros gêneros musicais acabaram incorporando o ritmo a seus CDs. Mas também surge com força o funk proibidão, sendo pouco divulgado fora das favelas. Retrata a realidade das comunidades e exalta o tráfico de drogas.
Década de 2000 Mostrando-se mais próximo ao rap americano, o funk começa a se integrar às demais classes sociais. Há as letras eróticas e de duplo sentido. No final da década, com a ascensão da nova classe média, entra no cenário o funk ostentação. Que mostra a realidade atual em que a população da periferia se encontra, podendo consumir coisas às quais antes não tinha acesso.
Década de 2010 Devido à insatisfação geral da população brasileira, o funk acompanha os protestos de junho de 2013, sendo divulgado assim o funk consciente, com letras de protesto na voz de Mc Garden.