Super Nintendo, Master System, Mega Drive, Atari, Nintendo 64, fliperamas, pinball: quem foi criança nos anos 1980 e 1990 conhece bem essas máquinas. Essa geração acompanhou a gradual invasão tecnológica na infância. O videogame protagonizou o processo, gerando uma cultura gamer hoje consolidada. Com avanços cada vez mais rápidos, os aparelhos dessa época já se tornaram clássicos. Foram substituídos por novas gerações de consoles que, por sua vez, também foram ultrapassadas. Atualmente, não é fácil – muito menos, barato – alimentar a nostalgia com um Mega Drive ou um Nintendinho. O Saloon Pub & Pinball, na Vila Mascote, zona sul de São Paulo, tem uma dessas raridades em cada mesa. A origem é uma só: Newton Uzeda, 32 anos, colecionador de videogames há duas décadas. Ele criou o lugar conhecido como “bar dos games”.
Em 2003, o Saloon surgiu como uma lan house, o grande negócio da época. Apesar de oferecer serviços variados, o foco estava nos jogos de computador. Os principais clientes de Newton eram as crianças e adolescentes do bairro, que se reuniam em jogatinas. A crescente inclusão digital devastou a era de ouro das lan houses. Newton insistiu até o fim de 2012, quando pôs em prática uma ideia que guardava há anos: transformar o Saloon em um pub. “Sempre que eu ia beber com os amigos, chegava aquele momento em que ninguém tinha o que falar. E eu dizia: um videogamezinho aqui resolvia a situação. Eu sempre quis ir a um bar, tomar uma cerveja e jogar um Mario”. O rápido sucesso do Saloon mostra que Newton não era o único.
Quem visita o Saloon encontra dois cardápios: um com bebidas e porções, outro com os jogos disponíveis. O primeiro traz cervejas nacionais e importadas, além de drinks “nerds” como a Dinamite Pangaláctica (bebida fictícia do livro “O Guia do Mochileiro das Galáxias”). Só este cardápio vem acompanhado de preços. Quem quer jogar não gasta nada – exceto nas máquinas de pinball e fliperamas, que exigem fichas. Nas mesas, basta sentar no sofá vermelho e escolher uma fita, tal como se fazia na sala de casa. Esse é o ponto forte do Saloon, pois o paulistano não está acostumado a se divertir sem pagar por isso. Newton promete manter este formato por uma questão de princípios: “O Saloon como bar é uma materialização do que eu procurava. Se o cara vai abrir um bar assim só para ganhar dinheiro, está fadado a dar errado. Ele não está fazendo com carinho. Tem gente que vem jogar e passa horas sem consumir, e nunca reclamei disso”.
Apesar de ter estudado publicidade, Newton não faz propaganda do Saloon. Ele apostou no boca a boca, que tem funcionado bem. A maioria dos clientes volta e traz mais amigos. Yuri Monteiro, 25 anos, vai toda semana: “O Saloon tem sido o lugar que eu mais frequento. Nunca deixo de voltar e divulguei para todos os meus amigos próximos”. O espaço é pequeno, comportando cerca de 50 pessoas sentadas – número sempre insuficiente nos finais de semana, quando ultrapassa as 100. Newton pretende dobrar o tamanho do pub no próximo ano, mas tem um limite. Ele não quer perder a proximidade que já é característica do lugar. “Eu já ouvi muitas vezes: ‘o Saloon é o meu bar’ e quero manter isso. Não consigo imaginar um trabalho que fosse me dar tantos amigos quanto aqui”. Filipe Gibson, 25 anos, é um deles. Ele mora na região e conhece o Saloon desde os tempos de lan house. “Aqui tem sido praticamente a minha segunda casa. É engraçado. Toda vez que estou cansado, eu digo para a minha namorada: ‘vamos ao Saloon só um pouquinho?’ e acabo voltando às 4 da manhã. E sempre encontro algum conhecido, nem preciso combinar”.
Os nostálgicos são a maior parcela do público. Eles visitam o lugar para relembrar a infância e folheiam o cardápio de jogos com os olhos brilhando. “Nossa, eu jogava muito isso quando era criança!” é, sem dúvidas, a frase mais ouvida. Ao chegar, Marcel Torres, 26 anos, foi direto para o Super Nintendo jogar Sunset Riders com o seu irmão. “A gente sempre jogava quando era pequeno. Agora jogamos juntos de novo, no mesmo videogame. Eu nem imaginei que isso ia acontecer”.
Há também os jogadores “hardcore”, que dedicam muito tempo aos videogames e conhecem táticas mais avançadas. Para eles, o Saloon sempre oferece desafios, como concluir um jogo no modo difícil. Os vencedores são premiados e terão suas fotografias expostas pelo pub em 2014. Isso promete estimular ainda mais a competitividade entre os jogadores da casa.
A maior parte do público tem entre 25 e 40 anos. São pessoas que cresceram com esses jogos ou, por não terem condições financeiras na época, sonhavam com eles. Porém, alguns moradores do bairro só visitam o Saloon por ser o bar mais próximo. Chegam a desligar o videogame, enfurecendo quem vai para jogar, pois as mesas são disputadas. É comum encontrar um grupo de amigos em pé, torcendo para que um casal apaixonado libere a mesa do Nintendo 64.
Na madrugada, os gamers conseguem dominar o pub, que se assemelha a uma grande reunião entre amigos. Pessoas até então desconhecidas se desafiam nos jogos, dividem mesas e revezam o controle nas fases do Super Mario World. Kelly Souza, 26 anos, resume essa atmosfera: “Aqui é como as reuniões que fazíamos quando crianças. A galera se junta na casa alguém, come salgadinhos e fica a noite toda passando o controle, torcendo pelo outro, falando besteira”.
Otávio Albuquerque, de 31 anos, comemorou o aniversário no Saloon. Mesmo morando a cerca de uma hora e meia, ele vai no mínimo uma vez por mês. “Aqui eu sinto que o pessoal é igual a mim. Perdi grande parte da minha infância jogando isso”, ele conta. “Vi um cara jogando Nintendo e ele teve o cuidado de colocar um guardanapo no controle para não sujar. Lembrei quando eu, ainda moleque, ia à casa de um amigo e ele fazia todo mundo lavar a mão antes de jogar. Só vem aqui quem tem um carinho grande por videogames”.
Diego Quinteiro, 27 anos, também mora longe e conheceu o Saloon pelos amigos. Ele sempre jogou videogames, e chegou a apresentar o MTV Games, programa televisivo sobre o assunto. “Aqui tem coisas da infância e coisas que a gente não tinha porque era pobre, tipo o Nintendo 64. Também curto os pinballs. São poucos lugares em São Paulo que conseguem uma mesa dessas. O melhor daqui é poder juntar a vida adulta e a infância: o bar e os jogos”.
No livro Homo Ludens, de 1938, o historiador Johan Huizinga já traçava este paralelo. A festa e o jogo têm muito em comum, pois ambos pertencem ao lúdico: possuem um tempo e espaço próprios, separados da vida cotidiana, e valorizam a diversão ao invés da seriedade. Apesar disso, a tensão também é característica do jogo. Afinal, o espírito lúdico é acompanhado pelo desafio e a incerteza. No Saloon, Hugo Caserta, 31 anos, resistiu até as 7h da manhã para zerar Super Mario World. “Decorei a maioria das fases porque, quando era criança, a minha fita veio com um problema e não salvava o jogo. Eu sempre tinha que começar do zero até o final”. Desta vez, Hugo também não poderia continuar depois, já que outras pessoas jogariam antes que ele voltasse ao Saloon. Com o apoio de amigos resistentes, Hugo finalizou o jogo após várias horas. As últimas fases, mais complexas, deixavam o grupo tenso e angustiado. Os funcionários do Saloon acabaram entrando na torcida e só fecharam o pub quando Hugo completou o desafio. Ele ganhou uma bebida como prêmio e foi para o trabalho sem dormir, mas realizado.
Essa é a essência de jogar: a mistura de alegria e tensão que coloca a “vida real” em segundo plano. Em Homo Ludens, Huizinga define o jogo como “um intervalo em nossa vida cotidiana”. Nele, somos transferidos para outros universos, podendo assumir papéis variados. Essa liberdade absorve o jogador facilmente, mas tem um limite de tempo: todo jogo começa e termina, com caminhos e objetivos definidos. Porém, mesmo após o fim, ele pode ser repetido a qualquer momento. Isso faz o jogo resistir enquanto fenômeno cultural – é relembrado e transmitido até se firmar como tradição. Em torno dele, nascem comunidades e grupos sociais. Huizinga diz que todo jogo é criador de cultura, produzindo significados, rituais e associações. Atualmente, esse fenômeno cresce nos videogames. É isso que vemos no Saloon, espaço quase sagrado para os jogadores, onde compartilham memórias e gostos em comum. Ao promover um retorno à infância e um culto aos jogos clássicos, o Saloon é um dos templos da nostalgia e da cultura gamer.
Saloon Pub & Pinball – www.facebook.com/SaloonPinballBar
Endereço: Avenida Mascote, 991 – Vila Mascote – São Paulo – SP
Telefone: (11) 5677-6131
Horário de funcionamento:
Quarta a sábado: das 18h00 às 06h00
Domingo: das 16h00 às 00h00
Fotos: Barbara Brogelli e Marilia Sestari
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