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Edição nº zero – 2013

Quatro roqueiros em atividade no cenário autônomo de São Paulo, sem vínculo com gravadora ou empresário mostram as possibilidades de expressão do rock contemporâneo. Os personagens entrevistados são Bruno Badau (baixista, compositor e backing vocal do Lados Opostos), Jack Fahrer (vocalista e guitarrista do TREZZY, e artista solo também), Rodrigo Hiroito (baterista das bandas Noala e Crânula) e Endell Magalhaes (guitarrista, compositor e vocalista do Lados Opostos); todos músicos experientes com muitos anos de estrada.

Arruaça: Qual é o público e a receptividade do rock independente?

Rodrigo Hiroito: O público é formado, na sua maioria, por pessoas que valorizam o “produto” do amigo, apoiando as bandas indo aos shows e comprando seus respectivos materiais (cd, dvd, disco, camiseta, adesivos, etc). O rock independente só é bem recebido quando existe uma cena local e, ao contrário do que muitos pensam, quanto maior a união entre as bandas, maior essa cena. Uma banda independente, ao pé da letra, não tem uma vida saudável.

Jack Fahrer: O rock independente tem alguns públicos. Depende do tipo de rock. O rock hoje tem variações de estilo dentro do próprio gênero, como pop rock, hard rock, classic rock, trash metal, heavy metal, punk rock, gothic rock entre outros. Dependendo do estilo, o publico varia.
A receptividade é pequena, porque atualmente o rock autoral perdeu muito espaço. Poucas casas abrem as portas para ele, diferente do que acontecia no passado. A mídia também não dá espaço como nos E.U.A. onde existem rádios universitárias apoiando o rock independente.
Porém, acredito que esse cenário pode mudar, e por esse motivo estou montando um projeto de um núcleo de rock nacional para 2014.

Endell Magalhães: O público independente tem a mente aberta as novas artes, aos novos pensamentos e costumes. Esse público quase sempre é formado pelos próprios músicos independentes que infelizmente são desunidos.

Bruno Badau: O público presente nos meus shows está na faixa etária de 20 a 30 anos. A receptividade não é tão significativa, pois o espaço para o rock nacional no Brasil é fraco, principalmente quando a vertente é independente e/ou autoral.
Arruaça: Qual é o traço de identidade desse músico?

Rodrigo Hiroito: Generalizando, esse músico da cena independente não é considerado um músico profissional, pois não tem recursos financeiros para sobreviver da música que cria. Na minha opinião, são mais criativos e musicais que os ditos músicos profissionais.

Jack Fahrer: São pessoas com ideais, que tem algo a dizer e fazem de tudo para que ouçam a sua arte, mas muitos desistem (vide próxima resposta). As produções são de diferentes níveis, de acordo com a capacidade financeira de cada artista. Mas, o que vale é a arte em si. Acho importante expressar a musica. Às vezes, com um orçamento baixo se faz produções bastante interessantes. O musico independente tem que ter a sua própria personalidade. Pode até ter as suas influências, mas tem que desenvolver seu o próprio estilo para não se tornar apenas mais um. Se ele tiver uma forte personalidade artística, essa é a maior contribuição que ele pode dar, a si mesmo e a quem vai ouvi-lo.

Endell Magalhães: Sem descrição.

Bruno Badau: Ativo, de ideias e atitudes sinceras e objetivas. Mais elevado do que o “padrão” de música comercial radiofônico vigente. Essa é a sua personalidade principal, está sempre produzindo e contribuindo com ideias que se transformam em músicas.

Arruaça: Qual é o lucro do músico independente?

Rodrigo Hiroito: Financeiramente o lucro é insignificante perto da satisfação de criar e reproduzir ao vivo para quem queira ver e ouvir.

Jack Fahrer: Irrisório. É uma eterna luta. Por isso muitos desistem.

Endell Magalhães: O lucro do músico independente é o sentimento de satisfação pela liberdade de dizer e fazer a arte exatamente como pensa. Financeiramente, valeria muito se fosse essa a realidade.

Bruno Badau: Quando se faz um trabalho bem feito, honesto e sincero, a receptividade do público é positiva, devido a interação da banda com os receptores e vice- versa. Quando esta recíproca se torna verdadeira, você adquire um lucro pessoal. Mas, quando o assunto é dinheiro, não há nenhum.

Arruaça: Você recebe algum subsídio ou lei de incentivo do governo para divulgar e produzir a sua arte?

Rodrigo Hiroito: Nada. E não espero por isso.

Jack Fahrer: Nenhum

Endell Magalhães: Não, por mais que eu tenha pedido recursos e parcerias com a prefeitura, na maioria das vezes não tive nenhum sucesso.

Bruno Badau: O governo não presta nem para limpar a sola do meu sapato com a língua.

Arruaça: Aponte espaços físicos e virtuais que ajudam na divulgação de seu trabalho, sem nenhum vínculo financeiro (ou jabá)?

Rodrigo Hiroito: Existem poucos. Casas como Trackers, Mundo Pensante, Casa Mafalda, Espaço Walden. Sites como IntervaloBanger.com, brnuggets.blogspot.com, noisey.vice.com/pt_br São alguns exemplos que eu tenho certeza que ajudam o rock independente sem vínculo financeiro.

Jack Fahrer: Temos casas como Manifesto Rock Bar, Morrison e Inferno Bar, que abrem as portas para o som autoral independente. Acho isso muito importante, mas são poucos os espaços que abrem suas portas. As rádios de SP também não concedem espaço para as novas bandas, pois pertencem todas ao “mainstream” e só tocam o que já possue sucesso pleno. Se tivéssemos rádios universitárias, como acontece nos E.U.A., seria mais fácil divulgar o trabalho. Hoje temos a internet que ajuda muito na divulgação através de Facebook, Youtube e etc. Mas, ainda assim, você precisa descobrir meios de atrair as pessoas para que acessem os seus vídeos.

Endell Magalhães: As redes sociais poderiam ser bem melhores se as pessoas soubessem usá-las, mas ainda assim digo que a internet é o principal meio de comunicação.

Bruno Badau: Os espaços físicos são raros, quase inexistentes. Em alguns lugares ocorre o tal do “jabá”. Uma banda independente não tem dinheiro para investir pesado em veículos de divulgação, logo, só as bandas com integrantes que possuem boas condições financeiras compram esses espaços. Desse modo, o sucesso não é conquistado, ele é comprado. Existem muitos espaços virtuais para divulgação, mas alguns priorizam as bandas que tem dinheiro para investir, nessa lógica a banda sem dinheiro se torna uma banda ruim e sem espaço, e consequentemente ninguém investe nela.

Arruaça: Explique como é a estrutura e recursos disponíveis (aparelhagem, instrumentos, mesa de som, staff, etc) para apresentação nesses espaços físicos abertos aos rock independente.

Rodrigo Hiroito: A maioria não tem todos os recursos necessários, mas acontece um autogerenciamento da cena local e todos os recursos aparecem.

Jack Fahrer: As casas mencionadas em minha resposta anterior são ótimas e oferecem toda a infra-estrutura necessária. Eles estão de parabéns!

Endell Magalhães: Quase sempre a banda, ou um dos integrantes dela, disponibiliza o seu equipamento para realizar uma apresentação. São poucos os espaços que oferecem uma estrutura de qualidade e satisfatória para o artista.

Bruno Badau: Cada integrante da banda precisa ter seus equipamentos pessoais e eles não custam barato, então o músico tem ciúmes e o zelo por seus instrumentos. Geralmente, uma casa dispõe apenas dos equipamentos de voz (mesa, potência, PA’s de voz e um técnico de som), e o resto é por conta da banda. É desmotivador o músico ter que investir em produtos de qualidade que custam caro e não obter o retorno financeiro esperado. Por isso, eu observo que só os fortes sobrevivem e, mesmo assim, ficam estagnados.

Arruaça: Você considera democráticos a divulgação do que há disponível hoje na música brasileira e o acesso que o público tem a ela?

Rodrigo Hiroito: Música é algo totalmente democrático em qualquer lugar do mundo. O que acontece no Brasil é uma força descomunal de um consumismo capitalista, gerado por grandes gravadoras, sobre todos os tipos de mídia. Isso cria um filtro aonde só chega aos ouvidos da sociedade o que os donos das mídias querem.

Jack Fahrer: Não é democrático porque só temos os canais do “mainstream” para divulgação em massa. Assim, o público que precisa ir atrás do artista, e portanto precisa fuçar para descobrir novos talentos.

Endell Magalhães: Naturalmente. Hoje podemos dizer que a internet nos proporciona opções de escolha sobre o que ouvir. Antigamente as pessoas eram “obrigadas” a ouvir o que as rádios tocavam para depois fazer uma seleção do que era do gosto pessoal. As grandes mídias sempre tiveram como prioridade “conquistar a massa”, independente da qualidade do produto a ser vendido. Para elas, bom é o que vende mais.

Bruno Badau: Os grupos que possuem grana chegam ao tão sonhado mainstream, compram uma personalidade musical e o seu sucesso. Ou seja, pagam um valor exorbitante ou se entregam para um empresário qualquer, e ele passa a ser o dono da banda, mudando as características e transformando em uma máquinas de hits e fazendo trilhas sonoras para novelas incultas de emissoras brasileiras de televisão, e tudo isso para poder lucrar. O consumidor que integra o público de massa, por sua vez, é cego e não tem critérios ou personalidade definida, portanto se torna vulnerável a alienação para que os produtores e empresários tirem proveito disso. Não considero esse processo democrático.

Arruaça: Quais são suas considerações sobre a cena do rock nacional independente contemporâneo?

Rodrigo Hiroito: É uma honra fazer parte de alguma cena desde 1999. Vê-la crescer e diminuir, bandas acabando e outras surgindo, tudo isso é maravilhoso. Hoje, olhando para o passado, eu vejo que existe um termo que simboliza esse cenário: “faça você mesmo”.

Jack Fahrer: Existe uma vasta gama de novas bandas, e pouco espaço para divulgação. Há também falta de união entre elas, pois com o espaço limitado, ao invés de se unirem, elas brigam por esse escasso espaço. Nisso consiste o meu projeto mencionado acima, pois eu pretendo me envolver para tentar mudar esse cenário. O núcleo de rock, previsto para 2014 tem por objetivo uma grande união das bandas para despertar o interesse das casas e da mídia.

Endell Magalhães: Vejo uma cena em cada equina, vejo uma cena em cada grupo do Facebook. temos cenas espalhadas por todos os cantos, porém fracas. O Rock é forte, sempre será forte mas as pessoas que fazem o rock atual estão quase sempre se individualizando, tentando contruir mundinhos paralelos, o que torna a sua cena fraca. Se todas as tribos se unissem a um só ideal, tanto para eventos como gravações de coletâneas, poderíamos construir uma cena à altura do rock.

Bruno Badau: Como músico e artista, as considerações sobre a cena independente é maior do que a mídia radiofônica. Sou mais a favor das bandas independentes se unirem e fazerem shows umas para outras e a partir daí reconstruir a cena do Rock Independente. Se as bandas independentes não se unirem, não se conversarem e falarem a mesma língua umas com as outras, ficará mais difícil. Temos que pensar em reconstruir a cena do Rock Independente Nacional ao invés de querer chegar ao tão desejado “sucesso” sem ter que pagar jabá. O Cenário independente é uma mina de ouro que precisa ser explorada mais a fundo por quem gosta de rock.

Arruaça: Quais são suas expectativas sobre o futuro dessa cena?

Rodrigo Hiroito: Minhas expectativas são as melhores possíveis, pois várias pessoas estão abrindo o leque musical, buscando bandas novas ou antigas da cena “faça você mesmo”. Novos conceitos estão se estabelecendo, antigos conceitos ficando obsoletos. O futuro é agora.

Jack Fahrer: Acredito que com a iniciativa de algumas pessoas podemos mudar. Buscarei ajuda de jornalistas, artistas consagrados, assessorias de imprensa e tentarei um incentivo do governo. Estou muito confiante e bastante adiantado, por isso devo ter resultados bons em breve.

Endell Magalhães: Estamos passando por um processo de retificação em que as pessoas parecem mais questionadoras, porém muito desconfiadas. É impossível avaliar o futuro da musica brasileira, o que sei é que tem muitos artistas bons gravando, divulgando e trabalhando para registrar algo sincero. Isso é o que mantém um restinho de esperança.

Bruno Badau: Recomeçar a cena para que ela tenha força própria. Não ter a obrigação de fazer um som rotulado ou revolucionário, porque cada banda deve fazer o seu som para agradar quem pensar igual. A questão não é encontrar o som perfeito, vamos deixar isso para os grandes produtores brasileiros. Precisamos construir juntos a cena perfeita, aonde todas as bandas de diferentes estilos, ideias e ideais tenham seu espaço.