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André Singer, cientista político e professor da USP, 
explica o crescimento do consumo e das oportunidades 
para a classe C

Depois da transformação social ocorrida no Brasil na última década, um novo termo começou a se destacar no dia a dia da população brasileira: a chamada nova classe C. Como resultado do governo Lula, iniciado em 2003, e também das condições econômicas internacionais favoráveis, cerca de 30 milhões de pessoas deixaram a linha de pobreza, passando das classes D e E para a classe C. Devido ao crescimento desse estrato, analistas de diversas áreas adotaram o fenômeno da diminuição da pobreza como objeto de estudo.

André Singer, 54 anos, cientista político, jornalista e professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), se interessou especificamente pelo movimento do lulismo. No artigo Setor ascendente será objeto de disputa política, publicado no site da revista Teoria e Debate, em novembro de 2011, Singer esclarece que o Brasil não está se tornando um país “de classe média”, visto que 40% da população continua aquém da classe C. De acordo com o cientista político, a situação das pessoas que se encontravam abaixo da pobreza melhorou: Singer relacionou tal ascensão aos programas sociais, como o Bolsa Família, e à expansão do crédito e do consumo. As oportunidades de emprego também aumentaram, inclusive para os jovens. “Pessoas que estavam desempregadas passaram a ter uma renda fixa”, explica.

Para facilitar o estudo desse novo segmento social, Singer divide a classe C em duas partes muito diferentes entre si: a classe trabalhadora, composta pelos novos assalariados que, submetidos a péssimas condições de trabalho, aderem às forças sindicais; e a classe média, da qual fazem parte os que melhoraram ainda mais seu padrão de vida.

Ao seu ver, os que estão próximos à classe média tendem a ter uma postura mais conservadora, pois, satisfeitos com sua nova posição, desejam apenas preservar o que já foi conquistado. Em entrevista à Esquinas, Singer comenta o surgimento da nova classe C e, sob a ótica das ciências políticas, define suas características particulares, valores e padrão de consumo.

 

Qual seria a definição adequada para a chamada nova classe C?

A classe C tem duas definições. Uma é a tradicional do mercado, que é a posse de determinados bens de consumo. É a classificação que as empresas de pesquisa de mercado utilizam. Agora, a que eu me refiro é a definição do economista Marcelo Neri, na qual a renda familiar mensal em torno de dois salários mínimos e meio é usada como critério.

 

Além da renda, essa classe tem uma característica particular?

Ela tem muitas características e, por isso, há grandes dificuldades de análise. Este tema é muito complexo, porque dentro dessa mesma faixa de renda que Marcelo Neri chama de classe C, temos diferença entre as pessoas que estão no topo e na base desse estrato. Embora elas tenham tecnicamente superado a linha da pobreza, ainda estão muito próximas ou dentro daquilo que chamamos genericamente de pobreza. Boa parte dessas pessoas não tem, por exemplo, tratamento de esgoto. No entanto, quando falamos do topo desse estrato, os que estão chegando à classe B, há uma condição de vida mais próxima daquilo que normalmente consideramos como classe média. É um universo heterogêneo.

 

Porque este segmento social se tornou tão falado a partir do governo Lula?

Como houve cerca de 30 milhões de pessoas que passaram da linha de pobreza, ou seja, saíram das classes D e E e entraram na classe C, esse estrato ficou grande, sendo hoje mais da metade da população. Por ter crescido tanto, acabou se tornando objeto de interesse de analistas de vários tipos: políticos, sociólogos, economistas, publicitários, empresários.

 

Quais fatores determinam o crescimento da classe C e de que forma ele ocorreu no período do governo Lula?

Se a nova classe C for pensada nesse paradigma de renda, então ela cresceu porque houve um aumento neste quesito. Esse aumento ocorreu porque transferiu-se a renda, por meio de programas sociais, como a Bolsa Família, e o aumento do crédito, que gerou um crescimento na capacidade de consumo. O salário mínimo aumentou e, sobretudo, expandiu- se o emprego. Pessoas que estavam desempregadas passaram a ter uma renda fixa e, com isso, as estatísticas mostram que aumentou a quantidade de pessoas que tem uma renda superior a do nível da pobreza.

 

O mercado atual contribui para a inserção e o desenvolvimento profissional da nova classe C?

Sim, em termos absolutos. Foi justamente pela inserção no mercado de trabalho que ocorreu a transferência de tantas pessoas para a classe C. No desenvolvimento profissional eu não sei, porque os dados mostram que 90% dos empregos criados são de baixa remuneração, nos quais existe uma alta rotatividade. As indicações não apontam grandes possibilidades de desenvolvimento profissional para a classe C.

 

Qual é o padrão de consumo dessa nova classe? O que ela consome que influi na economia?

O que parece ter acontecido foi um processo em duas etapas. Numa primeira etapa, o acesso aos bens de consumo imediato, desde comida e roupas, até celulares, TV de plasma e DVD. Numa segunda fase, que ocorreu por volta de 2008, e foi um elemento interessante no combate da crise econômica desse mesmo ano, parece ter havido um acesso a automóveis e casa própria, sobretudo por meio do Minha casa, minha vida [programa do Governo Federal]. Neste momento, passamos a falar de pessoas em outro patamar, porque estamos levando em conta bens mais caros e mudanças estruturais, sobretudo quando se fala a respeito de moradia.

 

Qual é o perfil político e religioso dessa nova classe?

Sobre o perfil religioso, há indicações de uma forte influência pentecostal e neopentecostal. Não se sabe exatamente qual é o perfil político. Acredito que existam duas vertentes, mas nada muito claro. Uma vertente é um aumento da força reivindicativa desse setor. O telemarketing pode ser usado como exemplo, visto que já há algum tempo estes profissionais – grande parte da classe C – reinvindicam por meio de greves melhores condições de trabalho nas empresas. É compreensível que, uma vez que esse setor se fortaleça, comece a acontecer um processo reivindicativo. Deste modo, as greves seriam um sinal de uma postura política mais agressiva.

Ao mesmo tempo, as greves no setor de construção civil, sobretudo nas obras das hidrelétricas ou nas obras dos estádios para a Copa do Mundo, são sintomas de que o comportamento político desse setor seja mais próximo daquilo que foi tradicionalmente a conduta da classe trabalhadora, ou seja, a união para atingir certas reivindicações, certos objetivos de classe. Uma outra vertente é a dos setores que, dentro desse grupo, melhoraram um pouco mais. Sempre uso essa imagem: em vez de subir um degrau, subiram dois ou três degraus. É nesse setor que encontramos um comportamento político mais conservador, mais à direita: ele quer preservar o que conquistou, sem se organizar para novas conquistas.

 

Você acredita que os indivíduos que se tornam da nova classe C realmente aderem aos valores da classe média?

Não creio que haja uma percepção de uma identidade com a classe média para aqueles setores que estão na base da classe C. De modo geral, o que está acontecendo não é a formação de uma nova classe média, mas de uma nova classe trabalhadora, com valores e uma identidade mais próxima da atual classe trabalhadora do que da atual classe média.

 

Existe diferença entre a classe média e a classe trabalhadora?

No Brasil existe. A classe média tem plano de saúde privado, matricula os filhos em escolas particulares, faz viagens internacionais, tem acesso a produtos importados. Enfim, tem um padrão material de vida e também uma concepção de mundo bem diferente da classe trabalhadora.

 

Desde o governo Lula as condições internacionais favoreceram para que o Brasil crescesse economicamente. O que aconteceria no caso de uma crise? A regressão imediata de cada classe? 

O que acontecerá quando vier uma crise e quando essa crise irá acontecer são as perguntas que todos querem responder. O governo está fazendo uma política progressiva de combate à pobreza, que não é radical e, por isso, não é rápida. Ela vem produzindo esses efeitos acumulativos lentamente. Se olharmos o programa da presidente Dilma e os seus pronunciamentos, a perspectiva é de que isso continue. Nós estamos em uma espécie de crise, porque, há uns meses, o ministro Guido Mantega disse que a situação atual é tão grave quanto a de 2008, só que, como ela não veio de repente, veio silenciosamente, as pessoas não percebem. É até surpreendente. Os economistas não entendem como o Brasil, crescendo tão pouco, está conseguindo manter o emprego. Pode haver um retrocesso se a crise se agravar muito, como o que está acontecendo na Europa. Essa é a grande questão: o quanto este modelo brasileiro é sustentável, e como as coisas vão evoluir.