INSCRIÇÕES ABERTAS PARA O VESTIBULAR 2024.2 Fechar

DEIXÁVAMOS O CENTRO de Amsterdã esperando por uma longa viagem, convictos de que saberíamos distinguir pelo cenário o momento em que chegaríamos ao destino final. Slotervaart é um bairro no oeste da capital holandesa, com aproximadamente 45 mil habitantes – cerca de 60% deles imigrantes. “A maioria das pessoas que mora em Amsterdã nem considera Slotervaart parte da cidade”, conta Paul Andersson Toussaint, escritor e jornalista holandês, autor de um livro sobre a região: Staatssecretaris of seriecrimineel: Het smalle pad van de Marokkaan. O bairro é considerado, até pelos mais entusiastas, pobre e perigoso.

Como brasileiros, a imagem do bairro que nos vinha à cabeça era definitiva: ruas sujas e estreitas, invadidas por construções ilegais e pequenas casas amontoadas umas sobre as outras. Além da falta de transporte público, de comércios de bens básicos, de escolas ou áreas de lazer. Longe disso, o que encontramos foram prédios bem estruturados – seguindo toques do padrão de construções do centro –, abundância de ônibus e uma linha de trem próxima. No final da tarde, mães passeavam com seus filhos numa grande praça com uma fonte central. Tudo calmo, com ar de cidade do interior, em que as pessoas se reconhecem nas ruas.

 

DE ONDE VEM A XENOFOBIA?

Para realizar seu trabalho, iniciado em 2006, Toussaint passou dois anos visitando Slotervaart duas ou três vezes por semana. Ele fazia uma série de reportagens sobre o tema, quando percebeu que o assunto poderia render muito mais. Turcos, marroquinos, surinameses e antilhanos, principalmente vindos de Curaçao, são os maiores grupos imigrantes da área e, na visão de Toussaint, não se esforçam para se integrarem na sociedade holandesa. “Eles assistem à televisão turca, ao Al Jazeera, e não olham para a própria vizinhança, mas sim para o Oriente Médio, que está tão longe daqui.” Para o escritor, a situação é como um apartheid não organizado, já que não há integração.

“É claro que não se pode generalizar, existe um grupo que se sente holandês”, contrapõe o jornalista para, logo em seguida, completar: “mas a maior parte é racista”. Para ele, os estrangeiros vão para os Países Baixos por causa de benefícios como saúde pública completa, boas universidades e melhor qualidade de vida. “No entanto chegam com uma cultura contra os nativos. Acredito que xenofobia, no sentido de pessoas brancas descriminando imigrantes não é um grande problema na Holanda.”

Com discurso inverso ao de Paul, Ibrahim Wijbenga, membro do Partido Democrata Cristão (CDA) e assistente social, defende que a xenofobia está presente na Holanda e é voltada contra muçulmanos, em especial, marroquinos. “As pessoas pensam que os holandeses são livres, abertos. Eu estou de acordo, mas existem algumas questões das quais o povo holandês não fala e que deveriam ser tratadas, como o alto índice de criminalidade entre jovens marroquinos e descendentes”, declara Ibrahim.

Ele afirma que a discriminação se dá por várias razões e acusa o Partido da Liberdade (PVV) de agravar ainda mais os problemas já existentes. Geert Wilders, líder do partido, é contra a imigração de muçulmanos e pessoas do leste europeu, e associa muitas das dificuldades atuais da sociedade holandesa aos imigrantes. “O PVV diz que todos devem ser iguais na Holanda, mas eles simplesmente não discutem os problemas dos imigrantes”, diz Ibrahim.

 

BOAS E MÁS INTENÇÕES

Mesmo com visões contrárias sobre a questão da xenofobia, Toussaint e Wijbenga concordam num assunto: a diminuição da criminalidade em Slotervaart e o principal ator dessa melhoria: Ahmed Marcouch. “Ele tenta uma integração maior, pois sabe que se os imigrantes ficarem isolados, eles acabam não conseguindo um emprego”, afirma Toussaint.

Marcouch foi o primeiro subprefeito marroquino e islâmico da Holanda e realizou ações em Slotervaart especialmente nas áreas de segurança e educação. Hoje, é membro do parlamento holandês e acredita que as questões ligadas à xenofobia, ou à “islamofobia”, como se refere ao preconceito sofrido pela comunidade muçulmana nos Países Baixos, não é um problema apenas do bairro.

Para o político, as questões históricas são importantes quando se trata do assunto. Após a independência das colônias holandesas e com o crescimento econômico do pequeno país europeu, muitos imigrantes se mudaram para a Holanda. Por estabelecerem-se em bairros mais afastados do centro das cidades, como Slotervaart, os imigrantes acabaram não interagindo tanto com a sociedade holandesa. “Existem comunidades imigrantes que têm medo de perder sua identidade ao se misturar com as pessoas locais. Não se trata de perder nada, mas sim agregar ainda mais coisas para a sua vida”, defende.

 

CENTRO DE JUVENTUDE

Em uma avenida arborizada de Slotervaart encontra-se o Argan Youth Center, fundado como um centro de juventude marroquino, mas que hoje dá assistência a jovens de qualquer nacionalidade. Por meio de festivais, aulas e debates, ele tenta fazer com que os adolescentes aprendam a expressar e respeitar opiniões. De acordo com Taoufik Yahia, diretor de projetos do centro, “o objetivo é dar aos jovens uma força no debate político e ensiná-los a ser tolerantes com as minorias e pessoas que têm ideias diferentes. ”

Taoufik é filho de marroquinos, nasceu na Holanda e cresceu em Slotervaart. Ele afirma que o bairro mudou muito de dez anos para cá. “Antigamente, se você andasse nas ruas, tinha chance de ser assediado ou roubado, pois muitos criminosos viviam na região. Hoje, o bairro tornou-se urbanizado e está muito mais seguro”, relata. A região conta com uma delegacia de polícia e algumas organizações comunitárias, que ajudam a conter os jovens que estão fora das escolas, levando à diminuição da criminalidade no local.

O centro comunitário Argan organiza encontros e palestras regularmente. Num salão amplo, moderno e colorido, pessoas de diferentes origens e regiões de Amsterdã são recebidas para debater assuntos que vão desde o papel do jovem dentro do próprio bairro até a Primavera Árabe. “Para nós, émuito importante que compareçam pessoas com diferentes pontos de vista, assim as vozes podem ser ouvidas em harmonia. No centro ninguém nunca foi atacado por sua opinião”, afirma Taoufik, que busca principalmente fazer com que os jovens muçulmanos e descendentes encontrem seu lugar na sociedade holandesa. “Nós queremos fazer de Slotervaart um lugar melhor, do qual todos possam participar.”