O Mestrado é um curso de Pós-Graduação (stricto sensu) que prepara o aluno tanto para o meio da pesquisa acadêmica, quanto para o mercado de trabalho. Para desmistificar algumas crenças sobre o curso, conversamos com a Thais Godinho, do canal e blog Vida Organizada, e mestre pela Faculdade Cásper Líbero.
Por que escolheu fazer Mestrado em Comunicação?
Inicialmente, meu propósito para ingressar no mestrado era iniciar minha formação para poder ser professora em universidades. Eu já atuava como professora convidada em cursos livres e alguns programas de Pós-Graduação, além de cursos voltados ao ensino a distância, e acreditava que o diploma de mestre me qualificaria ainda mais. Optei pelo mestrado em Comunicação porque me parecia coerente com as graduações anteriores (Jornalismo e Publicidade), e também pela instigante missão dos pesquisadores da área em fortalecer o campo da pesquisa em Comunicação.
No final das contas, tudo se trata de um recorte. O tema que pesquisei no mestrado poderia ter sido pesquisado dentro de outros recortes, como o das Ciências Sociais ou da Psicologia, ou até mesmo da Administração. O recorte da Comunicação, para mim, foi essencial para determinar o que eu buscaria e a carreira como pesquisadora em Comunicação que eu gostaria de começar a construir.
Qual o impacto do Mestrado na sua carreira?
Eu acabei optando por fazer um Mestrado mais adiante na minha carreira porque, de início, eu achava que era mais voltado para quem quisesse seguir uma carreira acadêmica, e não “de mercado”. Logo depois da graduação eu foquei em construir minha carreira trabalhando em agências de publicidade e em áreas de marketing interno dentro de empresas. Fiz Pós-Graduação lato sensu, especialização. Deixei o Mestrado para depois, como uma forma de me aprofundar. Se eu soubesse como o Mestrado impactaria mesmo na minha vida profissional “de mercado”, teria feito há muito tempo.
O mestrado te dá outra forma de ver qualquer assunto da sua vida, especialmente quando você trabalha na área que está pesquisando. Você desenvolve um olhar crítico. Passa a buscar referências sólidas e a construir argumentos se apoiando nas pesquisas que já foram realizadas, conectando pontos.
Estamos vivendo um momento muito particular, específico e crucial no mercado de trabalho de maneira geral, mas especialmente no campo da Comunicação. O fechamento de revistas, demissões das redações, a imprevisibilidade das fake news, a precarização dos profissionais, que foram obrigados a virarem “empreendedores”. Nossas profissões estão sendo transformadas e, as carreiras, reconstruídas. Inicialmente, não pensei em investir na área de pesquisa, e sim do ensino. Mas, quando entrei no Mestrado, me apaixonei pela pesquisa e especialmente pela pesquisa em Comunicação.
Como conciliar os estudos, o trabalho e a vida pessoal?
Esse é um ponto importante. Ingressar em uma pesquisa acadêmica depois de mais de uma década de experiência profissional “no mercado” foi fundamental, pois eu pude conhecer os dois lados. Em determinado momento, durante o Mestrado, eu me perguntei se deixaria a minha profissão anterior para me dedicar exclusivamente à pesquisa e ao ensino. Essa dúvida me ocupou a mente durante algum tempo, até eu compreender que, na verdade, essa distinção que existe entre academia e mercado acabou virando uma enorme convenção que todos repetimos. Cada vez mais me convenço de que um pesquisador não está fora do mercado – é um mercado por si só, que existe.
Eu me perguntei diversas vezes se eu conseguiria ser empresária, professora, pesquisadora, tudo ao mesmo tempo. E eu cheguei à conclusão que sim, se eu vir tudo isso como meios, e não como fins por si só. Tenho alguns propósitos com o meu trabalho. Um desses propósitos é contribuir com a pesquisa em Comunicação de alguma maneira. Acredito que seja possível a gente pesquisar, buscar significado, ensinar outras pessoas, e também ter uma relação saudável com a nossa “outra” profissão “de mercado”, seja ela qual for. Minha própria pesquisa me ajudou a repensar o meu trabalho e o que eu queria fazer dali em diante. Abri mão de alguns tipos de trabalhos para me dedicar a outros, inclusive de ensino e pesquisa.
Conciliar diferentes tipos de atividades se torna um pouco menos oneroso quando você vê a coisa toda de uma maneira mais abrangente, pois isso facilita a escolha de como alocar o tempo, a energia, no dia a dia, e também a tomada de decisões sobre para que lado virar o seu barco, quando precisa.
Conte sobre o desenvolvimento da sua dissertação. Quais foram os principais desafios e realizações que você encontrou neste processo?
Eu realmente acredito que possa existir um modo de trabalho mais gentil, menos agressivo com o trabalhador, do que o mercado impõe. O profissional de Comunicação, em especial, pois é visível a “pejotização” há anos, antes mesmo dessa tendência mundial de precarização do trabalho que hoje acomete praticamente todas as profissões. Eu sou publicitária e tive diversos episódios de abuso desse trabalho que me deixaram doente. Crises de ansiedade, labirintite devido ao estresse, entre outras incidências ao longo da minha carreira. Conversando com colegas, todos normalizavam essa situação no nosso mercado, o que é desastroso, porque é um modelo que acaba sendo perpetuado. A ideia de hora extra na agência como algo normal ou a conectividade permanente que as mídias (e as relações através delas…) nos obriga a ter, entre outras questões pertinentes e urgentes.
O meu estudo na pesquisa do Mestrado (ferramentas de Comunicação usadas com foco em produtividade) foi nessa linha, especialmente pesquisando mulheres dentro da Comunicação, pois entendemos que o recorte de gênero levantava questões importantes, além da minha própria identificação, que motivou o trabalho. O principal desafio, como se pode imaginar, foi o tempo. Foi muito difícil cada profissional entrevistada ter tempo para participar da pesquisa. Tivemos cancelamentos, adiamentos, e todos eles fizeram com que mudássemos a abordagem da pesquisa para um modelo online.
O trabalho trouxe resultados sobre o mercado, sobre a sobrecarga, sobre os abusos, sobre efeitos de ansiedade, mas, acima de tudo, ele me transformou muito ao longo desse processo. Pude entender melhor qual era o meu papel como profissional e como pesquisadora, e me ensinou que era apenas o início de uma vida de pesquisa, porque o assunto é infinito, o que me deu uma perspectiva muito legal, de verdade. Quando a gente entra no Mestrado, acha que o tema vai ser “esgotado”, que vamos trazer discussões incríveis e inéditas sobre o assunto – o que até pode acontecer, mas é todo um universo.
Toda a pesquisa de Mestrado se resume ao seu recorte. Você pode ter vários recortes e pesquisas diferentes. Aprender a ver a pesquisa como algo mais amplo traz perspectiva ao pesquisador, mas, acima de tudo, mostra como somos pequenos diante de um universo gigante onde tem tanto assunto interessante sendo pesquisado e trabalhado. Eu iniciei o Mestrado achando que seria apenas uma etapa, e transformou completamente minha relação com o meu trabalho e com o que eu queria fazer em termos de contribuição para o mundo. Não posso deixar de agradecer mais uma vez ao meu professor orientador Dr. Luis Mauro Sá Martino, por toda a condução desse processo que, graças a ele, foi de harmonia e não de caos, como só um mestre Jedi sabe fazer.