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Edição nº 6 – 2016

Uma bola de tênis quica na rede. Se ela cair do seu lado, você perde. Se cair do outro, você ganha. Já parou para pensar nos momentos da sua vida em que a sorte mudou o desfecho de um acontecimento? Para Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers), protagonista do filme Ponto final – match point (2005), ela é responsável por todos os fatos importantes da existência do personagem.

A obra cinematográfica é mais uma produção do famoso diretor Woody Allen. Após o fraco resultado de Melinda e Melinda (2004), cujas tomadas foram rodadas em Nova Iorque, o cineasta norte-americano viajou muitos quilômetros em direção ao leste para chegar à terra da rainha e decidir que ali seria o novo local para sua próxima filmagem. Na Europa, o diretor encontrou mais facilidade para o financiamento de seus trabalhos, além de ter mais liberdade artística para conduzir as gravações e autonomia para escolher os atores.

Embora não seja a primeira película gravada no Velho Continente, o filme inaugura a chamada “fase europeia” do diretor, que compreende mais sete títulos: Scoop – o grande furo (Inglaterra, 2006), O sonho de Cassandra (Inglaterra, 2007), Vicky Cristina Barcelona (Espanha, 2008), Você vai conhecer o homem dos seus sonhos (Inglaterra, 2010), Meia-noite em Paris (França, 2011), Para Roma, com amor (Itália, 2012) e Magia ao luar (França, 2014). Apenas duas obras foram gravadas nos Estados Unidos nesse período: Tudo pode dar certo (2009) e Blue Jasmine (2013).

O filme narra a história de um irlandês de origem humilde que se torna tenista profissional para escapar de sua dura realidade. Insatisfeito com a necessidade de viajar para participar dos torneios, decide virar professor de tênis. Consegue um emprego em um clube da alta sociedade londrina e torna-se amigo do aluno Tom Hewett (Matthew Goode), membro de uma rica família inglesa. Após ser convidado a assistir à ópera, Chris é apresentado a Chloe Hewett (Emily Mortimer), irmã de Tom. Percebendo o interesse que a jovem nutre por ele, o ex-jogador inicia um relacionamento com a abastada herdeira, que o ajuda a conseguir um emprego na empresa do pai, Alec Hewett (Brian Cox). No entanto, o esportista apaixona-se pela norte-americana Nola Rice (Scarlett Johansson), noiva de Tom. Ao mesmo tempo que prossegue em sua relação com Chloe, visando aos muitos benefícios provenientes dessa união, Wilton envolve-se com a cunhada.

Embora o protagonista constantemente afirme que a sorte tem um papel fundamental nas suas conquistas, o que vemos é um personagem muito ciente de suas ações. Nada ocorre por acaso, pois cada passo é planejado. Ao interpretar o papel de “homem irlandês de origem humilde que sabe seu lugar na sociedade”, ele conquista aos poucos a família Hewett, que vê no ex-tenista uma pessoa esforçada. Com bastante competência, Allen nos provoca o tempo todo: enquanto Wilton reitera em suas falas o papel da sorte e a falta de controle sobre seu destino, suas ações muito bem calculadas dizem o contrário.

Ademais, as músicas de fundo que ouvimos nas cenas são habilidosamente escolhidas, funcionando como uma observação sobre as atitudes dos personagens, ora contrariando suas falas, ora complementando-as. A trilha sonora é composta por trechos de óperas famosas, uma vez que a trama está frequentemente conectada a esse gênero: a menção a compras de CDs desse estilo, o primeiro encontro entre Chloe e Chris em meio à apresentação de La traviata e o recorrente hábito da família Hewett assistir a esse tipo de espetáculo tornam, de certa forma, o teatro lírico em uma entidade quase onipresente.

Além das referências sonoras, o filme também apresenta muitas associações com Crime e castigo, de Dostoievski, inclusive vemos o irlandês lendo um livro com ensaios críticos sobre o texto do autor moscovita. O espectador atento perceberá que a solução encontrada por Chris para resolver seu dilema amoroso remete às ações praticadas pelo protagonista russo: o crime cometido envolve o alvo primário e uma vítima colateral. Até os delírios que o ex-tenista tem no final do enredo relacionam-se com o livro. No entanto, se na obra literária a consciência pesada de Raskólnikov o leva a confessar seus crimes, na produção de Woody Allen o que vemos é um personagem que não sente grandes remorsos, como uma espécie de alegoria da modernidade: os interesses individuais estão acima dos valores éticos e morais, pois suas conquistas justificam suas ações.

Mesmo não sendo um trabalho impecável, já que há alguns pontos que o espectador pode considerar inacabados, a qualidade de Ponto final – match point sobressai e o filme entra para a lista dos títulos do diretor que merecem ser assistidos.

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