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Edição nº 7 – 2018

O Brasil recebeu diversos imigrantes, principalmente na época da Segunda Guerra Mundial. Em São Paulo a grande maioria da comunidade judaica se estabeleceu entre os bairros de Higienópolis e Bom Retiro, trabalhando principalmente como comerciantes.

No agitado bairro do Bom Retiro é possível ver de longe a parede quadriculada vermelha e branca da Casa Búlgara, aberta em 1975. A entrada é tomada por um balcão e somente no fundo há algumas mesas. Na cozinha, Dona Lina, proprietária do estabelecimento, ainda é responsável por todas as receitas produzidas.

Lina Levi nasceu em 8 de maio de 1927, em Varna, na Bulgária. Emigrou para Israel com o marido, Alberto, por causa da Segunda Guerra Mundial, e então para o Brasil, em 1975, devido à Guerra do Yom Kippur, agora com o marido e os dois filhos mais novos – a filha mais velha viria só doze anos depois.

Alberto já havia visitado o Brasil um ano antes de a guerra eclodir, pois tinha primos que já tinham imigrado. Maravilhou-se. Voltou para Israel com a certeza de que se saíssem de lá, seria para morar no Brasil. Sabia fazer sorvete, queijo, iogurte, e foi nisso que apostaram ao mudar para Israel. Para o Brasil já vieram como investidores, com dinheiro para aplicações, o que fez a imigração muito mais fácil.

Lina se lembra como se fosse ontem o dia em que pousaram em Viracopos, em Campinas: “Era um dia lindo de novembro e estava calor. Tudo verde, muito bonito. Nós não tivemos muitas dificuldades porque sempre estávamos em família. Fomos bem recebidos e logo nos adaptamos. Quando eu percebi que íamos ficar por aqui, que meu marido estava bem, que meus filhos tinham se adaptado, resolvi que era hora de aprender a língua.” Conta que a primeira coisa que fez foi comprar uma TV e um rádio, que eram ligados assim que acordavam e só desligados quando iam dormir.

Compraram o imóvel que se transformaria em loja assim que chegaram. Cerca de oito meses depois foi aberto ao público, mas a trajetória não foi simples. Além dos problemas com a reforma, Lina conta que o início do funcionamento, conseguir empregados, treiná-los, também não foi nada fácil. “Foi muito esperado porque anunciaram que teria a nova loja de comida típica. Já no primeiro dia, foi aquela loucura, porque tínhamos muitos clientes e poucos produtos. Foi um pouco difícil o primeiro ano, depois começou a melhorar.”

Com o tempo conseguiu empregados fixos e pôde dividir seus afazeres, mas as receitas ainda é ela mesma que faz, e faz questão de provar tudo que é produzido. Até os fornecedores Dona Lina nunca mudou, a qualidade é a prioridade sempre, e se orgulha muito de nunca ter ouvido nenhuma reclamação a respeito da qualidade.

As receitas que usa são herança de família, bem tradicionais, mas aos poucos se modificaram a pedidos dos clientes. A bureka por exemplo, uma rosca de massa folhada recheada, no início só era servida com três opções de recheio: queijo, carne e espinafre com queijo. Hoje têm mais de dez.

Shoshana, a filha mais velha, mudou-se definitivamente para o Brasil em 1986, e ajudou a tocar o restaurante junto com os pais por quatro anos. Lina fala que foi mais fácil, pois ela sempre a viu cozinhar: “Ela sabe mais do que eu agora. Os jovens hoje em dia sabem mais, e ela sempre viu como se preparam as receitas. No dia que precisar ela vai assumir. Hoje em dia eu ainda consigo sozinha.”

Mas quando os irmãos mais novos puderam ajudar, Shoshana e o marido resolveram abrir o próprio estabelecimento. A ideia inicial foi uma rotisseria: “Em Israel é comum a pessoa vir e comprar comida. Só que nós viemos para um país que tinha empregadas em casa, que cozinhavam; na época as pessoas não compravam comida pronta, compravam ingredientes”. Aos poucos foram se adaptando e seu estabelecimento virou uma rotisseria e restaurante, a Delishop, também localizada no Bom Retiro.

Assim como a mãe, também conta da dificuldade ao abrir o restaurante. “Mão-de-obra, ensinar a fazer a comida. Até hoje os temperos eu que coloco. Comida judaica é reflexo das suas especiarias, precisa conhecer bem”. Hoje quem assume a cozinha é o filho, que dá um toque mais contemporâneo às receitas principalmente judaicas.

Manter esse tempero exige um cuidado especial, apesar de conseguirem encontrar todos os insumos no Brasil, os ingredientes mais básicos como farinha e açúcar são são idênticos, é preciso fazer adaptações de quantidade até acertar, mas garante que o sabor fica exatamente o mesmo.

O apreço pela tradição é mantido, seguindo sempre as receitas da família. “Por exemplo, o pudim de caramelo, que se chama cream caramelo, foi eleito pela Paladar (revista gastronômica do Estadão), o melhor. Ganhei do DOM (restaurante de Alex Atala) e do Erick Joacquin, que ficaram em segundo e terceiro lugar. E é receita da minha avó, segredo de família que eu não divido com ninguém.”

Tanto mãe quanto filha nunca se imaginavam proprietárias de restaurantes. Dona Lina teve uma infância já conturbada pela guerra e não chegou a planejar um futuro para si. Já a filha trabalhou por muitos anos em banco em Israel e diz que, se não tivesse imigrado, teria continuado em banco. A cozinha foi uma alternativa viável para alguém que não falava bem a língua. Hoje são muito felizes no que fazem, mas seu maior sonho continua sendo ver a paz em Israel.