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Edição nº zero – Dezembro de 2013

Arruaça: Nos últimos anos houve um aumento no número de eventos culturais ligados a games no Brasil, principalmente em São Paulo. O motivo disso se resume ao crescimento do mercado nacional ou existem outros fatores?

Henrique: Creio que não se trata apenas do crescimento do mercado de games, mas sim do fato do videogame estar integrado à própria cultura contemporânea. O videogame faz parte da identidade da geração que cresceu nos anos 80 e 90. Nada mais natural, portanto, que os videogames estejam presentes na forma desses indivíduos, já adultos e profissionalmente ativos, de se expressarem e produzirem. Um evento cultural ligado à game não precisa ser, necessariamente, aqueles patrocinados e organizados por grandes empresas. A intervenção urbana é uma forma de expressão coletiva dos indivíduos que compõem um espaço e uma espécie de evento cultural emergente, e é cada vez mais comum vermos videogames inseridos na cidade, seja na “invasão” do artista urbano francês Invader, que em 2011 espalhou 50 Space Invaders pelos muros de São Paulo (e tantas outras cidades por onde passou redor do mundo), seja nas brincadeiras de amarrar em postes os icônicos blocos de interrogação de Super Mario Bros., recriados em papelão, muito recorrente nos EUA. Portanto, muito mais do que reflexo da expansão do mercado de games, o que estamos vendo é o reflexo da nossa própria identidade na cultura contemporânea e urbana.

Arruaça: Você acredita na capacidade destes programas em apresentar os videogames como uma forma de arte para o público leigo?

Henrique: Sim. Cada vez mais, videogame está presente em exposições de arte digital, como no anual (e gratuito) Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (FILE). A barreira que separa games da arte simplesmente não existe mais nestas exposições. É tudo sobre a transmissão de mensagens, sensações e ideias através de experiências interativas, e videogame já faz parte disso, juntamente com instalações e outros tipos de obras digitais. Ainda em 2013, creio que você se lembra, a rede de LEDs que recobre o prédio da FIESP (o mesmo que sedia o FILE há alguns anos), na Av. Paulista, virou um imenso telão a céu aberto, onde o público podia jogar jogos derivados de títulos clássicos, como Pac-Man, além de assistir à animações inspiradas pela linguagem do videogame. Tudo em um telão imenso, que era na verdade um dos prédios mais icônicos de uma das principais avenidas do País.

A singularidade do evento, o senso de proporção e o impacto proporcionados pela experiência ao público que passava pela avenida naquele momento, com o intuito de participar do evento ou não, leigo ou não, eram suficientes para movê-los, independentemente do que esse público entendia como arte. Gradativamente e de forma natural, os games e a arte se aproximam mutuamente. Esses eventos só reforçam essa afirmação, e não vejo motivos para que o público tenha dificuldade em aceitar ou ver os videogames associados à arte – até porque, eles tendem a ser mais acessíveis e compatíveis com nossa realidade do que, digamos, exposições sobre arte renascentista, barroca etc.

Arruaça: Salvo exceções como o show Video Games Live e a exposição Ukyo-e Heroes, qual a sua opinião sobre os formatos destes eventos? Eles não têm se resumido demais ao túnel do tempo dos consoles e feiras de novidades?

Henrique: Eles são apenas reflexo da pluralidade dos games e das inúmeras formas que eles podem assumir em nossa cultura. Esses eventos podem ser comerciais, como as tradicionais feiras de novidades, mais baseadas em consumo, artísticos, como a citada exposição Ukyo-e Heroes, históricos, como as exposições de videogames antigos, que é uma forma de valorizar a rica história dos videogames e refletirmos sobre a evolução de sua linguagem, tecnologia e cultura etc. Sendo sincero, nunca tivemos tantos eventos relacionados a games em São Paulo: são coletivos, como o pessoal do Chippanze, que faz apresentações de chiptune, com seus computadores e Game Boys antigos; instituições privadas, como o Itaú Cultural, que sempre traz exposições digitais envolvendo games; museus, como o MIS, que além de sediar eventos relacionados a games, promove palestras e workshops gratuitos na área, e por aí vai.

Arruaça: Existe espaço no Brasil para formatos mais segmentados, como aqueles que focam na comunidade gamer LGBT?

Henrique: Espaço existe, pois público não falta. Talvez o que falte sejam iniciativas para eventos (palestras, exposições, apresentações…) segmentados. Há muito a ser debatido sobre questões de gênero e sexualidade no meio de videogames, um ainda dominado pelo homem heterossexual – o que acaba, consequentemente, tornando sua produção menos variada e mais repetitiva. Mas conforme a indústria e sua produção se diversifica, com títulos que já abordam temas atuais e relevantes para nossa sociedade (como os excelentes Dys4ia, sobre terapia de reposição hormonal de um indivíduo transsexual, Gone Home, sobre a descoberta da homossexualidade na adolescência ou Papo & Yo, sobre alcoolismo e abuso infantil), mais ela chama a atenção. E quanto mais pessoas prestando atenção, mais chances temos de ver videogames inseridos em programas culturais, segmentados ou não. Mas sim, sinto falta de ver, por exemplo, videogames inseridos num Festival Mix Brasil, que conta com representantes do cinema, da literatura, das artes cênicas e plásticas, mas ainda não dos videogames.

Arruaça: Qual a importância dessas exposições para os artistas brasileiros que usam os games como principal fonte de inspiração? Alguém já conseguiu usa-las para destacar o seu trabalho?

Henrique: Creio que a importância está na troca de experiência com outros artistas que trabalham com a linguagem do videogame, na expansão dos horizontes, na ampliação das referências. Mas dificilmente isso se aplicaria a um evento comercial de games.

Arruaça: Quem são as pessoas e organizações que se dedicam a trazer esse tipo de conteúdo cultural para o Brasil?

Henrique: Já citei algumas. Instituições ligadas à Secretaria da Cultura, como o MIS, têm feito um ótimo trabalho com videogames. Sei que no Rio de Janeiro a Oi tem feito um trabalho bacana envolvendo programas culturais e videogames, com seu projeto Nave. O Itaú Cultural esporadicamente realiza exposições interessantes de arte digital, envolvendo videogame direta ou indiretamente. O anual FILE, que acontece em São Paulo, Rio, Belo Horizonte. Enfim, têm acontecido muita coisa legal, mas sempre há mais espaço para novas iniciativas, tanto do setor público quanto do setor privado.

Arruaça: Quais são as barreiras que mais impedem a vinda destes eventos para o nosso país?

Henrique: Não sei dizer exatamente. Creio que o apoio para a realização de eventos existe, mas é preciso saber onde encontrá-lo. Coisa de contatos com instituições privadas e públicas de fomento à cultura. E claro, pessoas interessadas em realizá-los. Mas, sinceramente, não sei dizer.

Arruaça: Lembrando que a ministra Marta Suplicy disse que “games não são cultura”, como ocorre, se é que ele existe, o dialogo entre os produtores de shows e exibições tematizados em jogos com o Ministério da Cultura?

Henrique: Creio que Marta Suplicy fez tal afirmação para reforçar que videogames não se encaixavam no projeto do Vale-Cultura. O maior problema aí, na minha opinião, é que a declaração entra em conflito com o fato de videogames serem contemplados pela Lei de Incentivo à Cultura, (a Lei Rouanet). Ou seja, o Brasil já reconhece videogame como cultura, independentemente das declarações da Ministra da Cultura, e a tendência é que essa porta se abra cada vez mais. No início de 2013, o pessoal da SwordTales, do Rio Grande do Sul, foi autorizado a captar R$ 370 mil com o aval do Ministério da Cultura. Isso é sobre captação de desenvolvimento de um jogo feito no Brasil, que é uma coisa. Outra coisa são eventos culturais, ligados a games ou não. Creio que é mais fácil contar com patrocínio público realizando um evento cultural do que um game, mas as duas possibilidades estão aí.

 

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