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Edição nº 1 – 2014

Corpos frágeis amparados por pessoas jovens, sorriso estampado em um rosto enrugado, vestimenta impecável: homens de roupas muito alinhadas e mulheres com vestidos de festa. A plateia que assiste ao espetáculo “Elis, a Musical”, no Teatro Alfa é composta em grande maioria por filhos que nunca tiveram o prazer de ver a Pimentinha em ação acompanhando os pais, reais fãs da intérprete e prestes a voltar no tempo.

No saguão de entrada, todos querem tirar fotos ao lado do banner gigantesco que exibe uma foto daquela que é considerada por muitos a principal cantora do país. Os mais velhos não disfarçam a incompatibilidade com a tecnologia e com os celulares que tiram fotos e colocam no mesmo momento nas redes sociais. “Filho, como eu faço para mandar essa foto no WhatsApp do seu tio? Ele adorava a Elis”, pergunta minha mãe.

Depois de entrar é hora de comprar uma água para a mamãe, afinal, são três horas de peça e ela não quer perder nenhum momento, também tem que tomar o remédio no horário marcado. Tudo pronto, vamos até o nosso local. O salário de jornalista não permite sentar na fila do gargarejo, portanto, temos 45 longos degraus de uma luxuosa escada com um tapete vermelho e um corrimão dourado para chegar até o andar superior.

No caminho estico o braço para que minha mãe tenha um apoio, mas fico torcendo: “Tomara que o lugar não seja muito ruim, se não vou tomar bronca em casa”. Mesmo depois de adulto, todas as mães continuam tratando os filhos como crianças e a minha, descendente de italianos com portugueses, não é diferente.

O local na segunda fileira foi aprovado. Assim, só restava à expectativa do terceiro sinal. Quando as luzes se apagaram e surgiu no palco a atriz Laila Garin no papel de Elis Regina, as poltronas começaram a se tornar máquinas do tempo. Mas a real viagem até a juventude da minha mãe e dos outros pais que estavam presentes aconteceu mesmo quando a voz incrivelmente semelhante à da Pimentinha passou a ecoar. “Filho, eu fui nesse show”; “Eu lembro quando ela apresentou esse programa”; “Mas é muito parecida”, dizia a minha mãe.

Lágrimas escorrem nos rostos dos pais. A vontade é de dançar, mas o local permite apenas o balançar os pés e cantarolar com a atriz. São duas viagens no tempo que ocorrem durante o musical. A primeira é a da plateia mais velha que retorna à juventude e a segunda acontece no palco: uma mutação da personagem Elis Regina. De menina tímida, ela se transforma em uma mulher extremamente audaciosa.

No intervalo é hora de correr para o banheiro. Aquela água na entrada já fez o efeito. “Eu tomo remédio, não consigo segurar”, disse minha acompanhante. Com as luzes acessas é possível observar a emoção em toda a plateia e constatar o que já tinha percebido logo de cara: a imensa maioria dos espectadores é realmente composta por filhos levando os seus pais, salvo alguns casais em idade avançada que estão sozinhos.

Em determinado momento da peça, quem aparece é o maestro Tom Jobim, interpretado por Leo Diniz. A caracterização do personagem surpreende a todos, inclusive a minha mãe que volta a se emocionar: “Eu gostava tanto dele”. A participação de um dos pais da Bossa Nova arranca sorrisos na plateia já que mostra o lado obsessivo dele ao ligar insistentemente para César Camargo Mariano, marido e produtor de Elis, vivido na peça por Claudio Lins, com o intuito de saber se o arranjo de “Águas de Março”, gravado em Nova York, já estava pronto.

Diversas fases da personagem central são apresentadas, inclusive quando a Pimentinha viveu algo que seria uma vida hippie, com o uso de drogas e o amor livre, sem distinção de sexo. Retratada com os personagens rolando sobre uma grama, usando roupas largas e coloridas, homens aparecem com outros homens e mulheres com outras mulheres. Do meu lado eu posso escutar uma frase balbuciada meio que sem querer: “Ela era maluquinha”.

Apesar de fã de Elis Regina minha mãe também não poupou críticas ao jeito irresponsável da intérprete. Na encenação fica claro que a prioridade da vida dela sempre foi a música. Os filhos eram deixados para trás, geralmente cuidados pelo pai. “Ela nunca deu bola para os filhos, isso é errado, eu vivi para você e suas irmãs”. Agora durma com um barulho desses, Vicente.

Uma das últimas cenas do musical é a de Elis sendo entrevistada pelo lendário programa da TV Cultura, Vox Populi. Como trabalhei naquela emissora estadual por sete anos, em um programa de entrevistas tão famoso quanto, não me contive. “Esse é o Vox Populi, mãe, o pai do Roda Viva”, comentei baixinho. “Essa voz não é daquele cara da Globo?”, indagou de volta minha mãe, assídua telespectadora da Rede Globo, referindo-se ao diretor Dennis Carvalho, cuja voz é usada no musical para simular a do apresentador da TV Cultura.

Seguindo a animação do musical, o espetáculo termina e todos os atores são aplaudidos de pé pelo teatro completamente lotado. Posso perceber no olhar dos mais jovens um brilho de felicidade em poder proporcionar aos pais um retorno à juventude. Fui embora com um prazer inigualável de fazer a minha mãe feliz. Talvez ela sentisse a mesma coisa no passado quando me levava ainda criança a um parque de diversões ou a um show infantil.
 

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