INSCRIÇÕES ABERTAS PARA O VESTIBULAR 2024.2 Fechar

Ainda como caloura no curso de Jornalismo na Unesp, a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, em 2011, Tayane Aidar Abib aprendeu em sala de aula e nas experiências de reportagem pela cidade de Bauru, interior de São Paulo, o valor social da mediação jornalística. Para além das diferentes funções da profissão, encantou-se desde o início sobretudo pela possibilidade que o jornalismo oferecer de criação de vínculos entre os sujeitos envolvidos nessa prática.

Tayane Abib: jornalismo de desacontecimentos | Foto: acervo pessoal

Quando, em meados de 2013, se inseriu no âmbito da pesquisa com projeto de Iniciação Científica, Tayane buscou aprofundamento teórico para suas indagações na ideia-chave dos “desacontecimentos” – um termo criado por Eliane Brum e que serve de título para uma das obras da repórter gaúcha, Meus desacontecimentos (LeYa, 2014) – como forma de delinear um caminho narrativo diferente no interior do universo midiático convencional, orientado, tal qual dá mostra a dinâmica produtiva de Eliane Brum (Zero Hora, 2006; Revista Época, 2008), pela cobertura de fatos e atores sociais à margem do interesse público e noticioso. O diálogo com o jornalismo de Eliane Brum resultou no livro O jornalismo de desacontecimentos (Novas Edições Acadêmicas), lançado em 2015.

O pensamento em torno de acepções e dispositivos jornalísticos alicerçados na dimensão do cotidiano e da sensibilidade deu o tom desse primeiro estudo e impulsionou também sua investigação de Mestrado, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Unesp e defendida no dia 31 de outubro de 2017, sob a orientação do professor Mauro de Souza Ventura, tendo na banca examinadora os professores Angela Maria Grossi (Unesp) e Dimas A. Künsch (Cásper Líbero).

Fundamentada no método da compreensão, a dissertação O jornalismo de desacontecimentos e o novo percurso narrativo de Eliane Brum: diálogos e transformações deu continuidade à análise da prática profissional de Brum iniciada ainda durante a pesquisa de Iniciação Científica, focando desta vez em suas produções como repórter e colunista no ambiente digital (Folha de S.Paulo, 2014; Portal Época, 2009-2013; El País Brasil, 2014-2015), de modo a entrelaçar o escopo propositivo dos “desacontecimentos” à epistemologia complexo-compreensiva.

Empenhando-se em exercitar uma abordagem inclusiva e pluralista do saber, no compasso dos convites de Edgar Morin, Cremilda Medina e do grupo de estudos Comunicação, Diálogo e Compreensão, coordenado por Dimas Künsch, o trabalho procurou assumir o gesto do abraço pela promoção de conciliações entre os estudos da Comunicação e da Filosofia, da Psicologia, da História Oral e da Sociologia do Esporte.

Refletiu, assim, sobre a possibilidade de se incorporar como recurso narrativo às produções jornalísticas o diálogo, a ternura, a complexidade e a compreensão intersubjetiva, na apuração atenta aos detalhes e no encontro com o Outro, com base nos valores manifestos pelos escritos de Eliane Brum – mas com a expectativa de estender esse horizonte ao cenário das narrativas da contemporaneidade.

Ao articular a matriz dos “desacontecimentos” à perspectiva da compreensão, Tayane buscou configurá-la como forma jornalística possível para se alcançar outros lados e protagonistas, privilegiando a alteridade e o movimento em direção ao Outro, no radical exercício de atravessar a larga rua de si mesmo como princípio norteador na arte de tecer e entretecer sentidos. A organização do caos em cosmos.

Diálogo aberto e plural

O orientador do trabalho de Tayane e atual coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unesp, Mauro Ventura, destaca que  enxerga o método da compreensão como motivador de um diálogo teórico aberto e plural, um caminho possível para a construção de um espaço de alteridade também no pensamento epistemológico do campo da Comunicação.

Ainda segundo ele, a compreensão inscreve-se como elemento-chave na discussão sobre as novas possibilidades de narrativa jornalística, na esteira de uma prática inclusiva e atenta às demandas daqueles que se situam à margem, pelo acolhimento das diferentes vozes na contemporaneidade.

“Tayane trabalhou com um dos lados mais importantes de uma epistemologia compreensiva, que é o da intersubjetividade”, afirma Dimas Künsch, líder do grupo de pesquisa Comunicação, Diálogo e Compreensão e coordenador do projeto de pesquisa “A compreensão como método”, do Mestrado em Comunicação da Cásper Líbero.

“Os ‘desacontecimentos’, essa metáfora para as figuras dos antiherois da tragédia-comédia do cotidiano, nos lembram que esses personagens, quando incluídos ou abraçados na produção social de sentidos sobre o mundo, podem revelar de forma primorosa e densa os sentidos mais profundos do viver”, completa Künsch. “É aí que o Outro, um Tu que deixa de ser um Isso para se tornar Sujeito, é assumido em sua condição de produtor de sentidos sobre o mundo, e, portanto, como fonte de conhecimento.”

TCC à luz do método da compreensão

As inspirações provenientes das buscas em torno de se compreender a compreensão, tanto em sua vertente intersubjetiva quanto de produção de conhecimento, reúnem sujeitos inquietos no universo das artes plurais da narrativa jornalística. É o caso também de Karine Seimoha, estudante do quarto ano do curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Rio Branco, que estuda as mulheres sírias à luz da compreensão em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Karine Seimoha: perfis de refugiadas sírias | Foto: acervo pessoal

O estímulo para o tema da pesquisa de Karine veio da experiência, da vivência, de dentro de casa: neta de sírios, logo que entrou na faculdade a estudante sabia que queria escrever “Sob o véu: uma guerra que tem rosto de mulher”. Já a ideia de como colocar isso em prática veio da sala de aula, da disciplina Jornalismo Literário, em que escreveu um perfil, como ela recorda, “de alguém que merecesse ter a história contada”. Já demonstrando uma atitude compreensiva, Karine vai ao anônimo, às histórias (e estórias) ordinárias: escolheu uma vizinha, nordestina, mãe de cinco meninas – de dois pais diferentes – que adoeceu, foi ameaçada de morte e precisou reinventar seu modo de viver. A partir daí, o interesse pelo tema só faria florescer.

Ao contrário do que muitos podem pensar, a pesquisa não é uma atividade solitária e individual, nascendo na verdade a partir de grandes encontros. Em 2016, Karine e Renata Carraro, sua orientadora do trabalho, sonharam o livro de perfis juntas e deram início à pesquisa sobre os refugiados e os motivos que levam a Síria a enfrentar um dos maiores conflitos armados da contemporaneidade.

A ideia, então, não era narrar “objetivamente” a vida dessas imigrantes, mas pensar suas personagens de forma mais subjetiva – e aí residia um grande desafio. Karine conta que quando começou a escrever a parte teórica do trabalho, deparou-se “com uma dificuldade: para conseguir contar a história das mulheres de forma mais humana, que criasse a aproximação com o leitor – um dos principais objetivos do Jornalismo Literário –, era necessário estudar um campo mais específico da Comunicação: a compreensão como método de estudo”. Para isso, ela entrou em contato com o grupo que leva em frente o projeto de pesquisa “A compreensão como método”, no início de 2017, e não saiu mais de lá.

O produto da conversa com um jornalismo que não explica, mas compreende o cotidiano, é “Sob o véu: uma guerra que tem rosto de mulher”, que narra a vida de quatro mulheres sírias refugiadas, com instantes de poesia de Elis Regina. Jornalismo, poesia e compreensão? Tudo a ver.

No momento na entrega do TCC, Karine Seimoha se compara ao imortal Brás Cubas, personagem de Machado de Assis: ambos sofriam de uma “ideia fixa” – ele, o Emplastro; ela, o livro de perfis sobre mulheres sírias refugiadas. Após ter dado vida à sua “ideia-fixa”, a autora reflete: “‘Sob o véu: a história de uma guerra que tem rosto de mulher’ não salva vidas, não cura todas as mazelas da existência humana, como era o objetivo do ‘Emplastro Brás Cubas’ –, mas pode amenizar os anseios de quem espera encontrar mais do que números de mortos, feridos e deslocados quando falamos sobre uma guerra. Este livro objetiva contar histórias reais e mostrar que a vida real também tem suas belezas – mesmo em situações completamente desfavoráveis à poesia cotidiana”.

Encontro com as autoras

As duas autoras vão apresentar suas pesquisas durante o III Seminário Brasil-Colômbia de Estudos e Práticas de Compreensão, que ocorre na Faculdade Cásper Líbero, entre os dias 4 e 8 de dezembro.

Na quarta-feira, dia 6, às 19h, Tayane Abib e Mauro de Souza Ventura apresentam: “O universo dos desacontecimentos em diálogo com a epistemologia complexo-compreensiva: conciliações possíveis no percurso narrativo de Eliane Brum”. E, na quinta, dia 7, às 19h, Karine Seimoha fala sobre “A importância de compreender a crise dos refugiados: observando a crise dos refugiados pela lente da compreensão”.