Em 13 de agosto, 19 pessoas foram mortas em uma chacina nas cidades de Osasco e Barueri, na Grande São Paulo. No começo de setembro, o menino sírio Aylan Kurdi, de apenas 4 anos, é encontrado morto afogado em praia europeia, trazendo à tona uma nova perspectiva para as discussões sobre imigração no velho continente.
Essas são questões humanitárias com as quais jornalistas, especializados ou não na cobertura de Direitos Humanos, têm de lidar em seu dia a dia. Dada a dimensão e delicadeza necessária à cobertura destes fatos, o tema “Jornalismo e Direitos Humanos” foi escolhido para encerrar a 23ª Semana de Jornalismo Cásper Líbero. Estiveram presentes para debater o tema Laura Capriglione, repórter com passagem por alguns dos principais veículos do país, em especial o jornal Folha de S.Paulo, e que hoje atua na construção da organização de mídia independente JornalistasLivres, Leonardo Sakamoto, blogueiro do Portal UOL, professor da PUC-SP e coordenador da ONG Repórter Brasil, que utiliza o jornalismo como ferramenta de combate ao trabalho escravo no país e Marina Pita, jornalista, coordenadora do Coletivo Brasil de Comunicação Social, o InterVozes, que busca a construção de uma mídia democrática no Brasil.
A abertura do evento, transmitido ao vivo pela internet, foi feita pela professora Tatiana Ferraz, vice-coordenadora do curso de Jornalismo. e a mediação do debate, pela professora Michelle Prazeres. Capriglione iniciou sua fala citando o caso de Osasco e Barueri e apontando para a criminalização das vítimas, que, segundo ela, foram transformadas dentro do imaginário em delinquentes para justificar a agressividade da abordagem policial, conferindo, diretamente, a responsabilidade por isso aos ditos “programas policiais” exibidos pela televisão aberta brasileira. “É uma dor indizível, mas o pior é ter que ver o pai, a mãe, família, se esforçando para provar ‘mas ele não era bandido’. Pra mim, sempre foi mais sofrido ver as famílias com as carteiras de trabalho dos filhos na mão para provar que eram trabalhadores. Quem morre é a civilização quando esses meninos são mortos como estão sendo”, completa.
Marina Pita aborda o ponto levantado por Capriglione e crítica a atuação de jornalistas que defendem uma abordagem agressiva nos meios de comunicação. Coordenadora do InterVozes, coletivo que trabalha com um acompanhamento da mídia e a busca por um projeto de controle social. Pita argumenta que a regulação da mídia não se trata de censura e sim, na visão dela, de um meio para a construção de um ambiente com pluralidade de vozes. Apresentou alguns elementos importantes para a compreensão do assunto, como a finitude do espectro eletromagnético – a existência de um número máximo de frequências para emissoras de televisão e rádio – e o Marco Civil da Internet. Pelo Marco, está prevista a neutralidade de rede, ou seja, que todos os conteúdos sejam capazes de atingir a mesma repercussão no ambiente digital, sem que um “rode” mais rápido que outro. Segundo ela, isso está sendo descumprido por algumas operadores e ameaça a razão de existência da internet, que é de ser uma mídia livre e democrática. Como exemplo, citou a iniciativa do Facebook, apoiada pelo governo federal do Brasil, de constituir uma rede chamada de “internet.org”, levando conexão à regiões distantes. Uma conexão que, por sua vez, contemplaria apenas o Facebook, sites governamentais e outros veículos parceiros.
Antes de encerrar a sua fala, a jornalista reforça a necessidade de um ambiente midiático mais favorável á cobertura dos Direitos Humanos, o que, segundo ela, só seria possível com ações voltadas para a democratização dos meios de comunicação. Último a fazer sua exposição inicial, Leonardo Sakamoto expôs a obrigatoriedade dos veículos de comunicação de promover a integridade humana e social, que, na visão dele, não está sendo cumprida. Segundo Sakamoto, a preocupação é que “não houve educação para a tecnologia”, que hoje temos uma séria dificuldade que os meios digitais, ao invés de promover uma pulverização do controle da informação, estão sendo ferramentas para que sejam compartilhados boatos e notícias sem checagem prévia, como as mensagens trocadas no conhecido aplicativo WhatsApp, a partir de uma proteção legal de que “você pode até discordar da VEJA ou da CartaCapital, mas ambas podem ser processadas. Agora uma mensagem irresponsável, apócrifa, não tem o que ser feito”.
O jornalista reforçou que a saída para fazer uma boa comunicação que promova os Direitos Humanos está na empatia. Citando o caso do menino sírio, explicou: “Você ler no jornal que 15 mil pessoas morreram tentando fugir pelo mar mediterrâneo de um conflito ou uma criança que tem o mesmo corte de cabelo do seu filho ou do seu irmão, que usa as mesmas roupas do seu filho ou do seu irmão e que estava com o rosto para baixo, portanto, encoberto e que, pelo fato de ‘não ter rosto’ poderia ter mil rostos diferentes? o que gera empatia?”. Isso gera empatia, isso gera mobilização, gera o fato de que você vai fazer alguma coisa. E, explicando um pouco do trabalho da Repórter Brasil, apresentou como o jornalismo pode amplificar e conscientizar sobre casos de graves violações à humanidade, como o trabalho em condições análogas às da escravidão.
Seja pela responsabilidade na cobertura policial, a democracia da mídia ou pela empatia, todos concordam que promover ambiente saudável aos Direitos Humanos fundamentais dos indivíduos é dever dos jornalistas. Após quase duas horas de conversa, todos, convidados, palestrantes e estudantes, deixaram o Teatro conscientes desse dever e muito mais preparados para enfrentar estas questões quando ocorrerem no cotidiano das atividades profissionais, independente dos caminhos individuais de cada um dos presentes, um verdadeiro reforço da missão essencial do jornalismo de, se não for possível mudar o mundo, pelo menos torná-lo um lugar melhor de se viver, onde todos sejam respeitados em sua humanidade.