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Nas proximidades do Instituto de Física, na Cidade Universitária, encontra-se uma construção que, devido a sua estrutura arejada e ao seu posicionamento ao lado do Parque Esporte Para Todos, pode ser facilmente
confundida com uma grande casa de campo. O local, no entanto, é sede de uma das principais radiodifusoras do
Brasil: a Rádio USP, que segue a tradição das rádios educativas e busca experiências novas na programação,
evitando os moldes impostos pelos veículos comerciais.

Para as rádios, digamos, culturais, a convivência com as emissoras convencionais, que possuem grades esquemáticas, patrocínios abundantes e variedade de promoções, é complicada. “No Brasil, se acredita muito no ‘quanto pior, melhor’”, afirma Marcello Bittencourt, produtor da Rádio USP. “Do ponto de vista intelectual, não se acredita na possibilidade de propostas ousadas e inteligentes.”

Colocar essas proposições em prática e conquistar um público cada vez mais voltado para a internet não são tarefas fáceis. “Não temos como competir com essas emissoras. Então, lutamos como podemos.” Marcello não está sozinho, porém: há um bom time de mediadores em rádios brasileiras que tem conseguido produzir conteúdo cultural em formatos originais.

Conversas poéticas

Allan da Rosa é um deles. Historiador e mestre em Cultura e Educação pela USP, ele é um romântico no que se refere a rádio. Com o fim de seu programa Nas Ruas da Literatura – sobre poesia, prosa e escritores, que era veiculado pela Rádio USP –, Allan e sua equipe sentiram a necessidade de criar uma nova atração, em outro formato, mas sem perder de vista a diversidade da produção literária brasileira e internacional.

“Criado pelo rádio”, é como Allan se autodefine. Conta que adquiriu um interesse particular por programas de entrevistas, mas sentia que esse gênero parecia fadado à superficialidade. O historiador e seu time, então, esboçaram o À Beira da Palavra, um programa semanal de entrevistas com uma abordagem fora de padrão.

O projeto deu certo e, a cada edição, o programa traz um convidado da área de literatura para falar de seu dia a dia, bem como de suas obras e da complexidade delas. As conversas são conduzidas por Allan em um clima descontraído. No entanto, as entrevistas não se atêm apenas ao mais evidente: o objetivo é ir ao encontro das dúvidas e das contradições.

O À Beira da Palavra já recebeu convidados como Muniz Sodré e Paulo Lins, assim como autores latino- americanos e de cordel. Ao abordar representações de diversas linhagens literárias, o programa não busca agradar, mas sim, debater e aprender com os convidados. “Não é para gabinete, para quem quer ser louvado, mas para quem quer ser entendido e questionado”, explica Allan.

O trabalho desenvolvido pelo produtor Julio de Paula e pelo músico Arrigo Barnabé na rádio Cultura FM
também é voltado para entrevistas, mas com foco na investigação musical, primordialmente. Há cerca de uma década, a direção da emissora mostrou-se interessada em trabalhar com Arrigo, ícone da vanguarda paulista dos anos 1980. E ele não hesitou em aceitar.

Na época, os aspectos socioculturais que mais intrigavam Arrigo eram os fatores que condicionavam o gosto pessoal dos ouvintes. A partir dessa questão, Arrigo criou o projeto de um programa no qual uma entrevista de estúdio e uma enquete sobre um estilo musical seguiriam paralelamente e se completariam ao final. Para auxiliar o músico na nova atração, batizada de Supertônica, foi chamado o produtor Julio de Paula, que já havia tido uma experiência na Cultura FM.

Tradições auditivas

Os dois se deram muito bem. Juntos, desenvolveram o formato do programa, que tem como base a justaposição e a montagem cinematográfica. São criados universos de escuta de acordo com o convidado ou tema. As passagens musicais dialogam com os assuntos discutidos durante a entrevista, para que o ouvinte tenha referências sobre o que está acontecendo. Além das entrevistas e dos formatos, há também a preocupação de inovar na maneira de interagir com o público. No Supertônica, o quadro “Investigações” realiza enquetes com diferentes grupos de ouvintes em determinados lugares da cidade de São Paulo. Quando abordados, os participantes colocam fones de ouvido, através dos quais podem apreciar o estilo musical em questão.

Em seus dez anos de história, o programa já abordou mais de duzentos grupos específicos, como jogadores de xadrez, jóqueis, ourives, monges e lutadores de luta livre. Além das enquetes, o programa de Arrigo realizou intervenções sonoras fora do estúdio também. Em 2009, para homenagear os 50 anos da morte de Heitor Villa-Lobos, a produção tocou composições do maestro brasileiro nas caixas de som da estação Luz. Diferentemente do quadro “Investigações”, nesse caso as pessoas eram surpreendidas pela obra de Villa- Lobos ecoando pela estação.

Esse tipo de iniciativa, segundo os produtores, possibilita a criação de novos vínculos e a identificação dos ouvintes com o programa. “A inclusão do público na grade das emissoras não deveria ocorrer somente pela reprodução de suas músicas preferidas, como nas rádios comerciais, ‘que tocam tudo’”, pondera Allan da Rosa.

E foi pensando exatamente em mudar esse cenário que o crítico musical Zuza Homem de Mello idealizou o programa Mergulho no Escuro, que resgata importantes tradições da rádio brasileira. Diante do interesse do Itaú Cultural em desenvolver um projeto musical, Zuza trouxe à tona a ideia de fazer um programa diferente, durante o qual a plateia não só estaria presente como participaria.

A audiência teria a oportunidade de trazer de casa suas gravações e colocá-las numa caixa; e Zuza, sem conhecer previamente os volumes, escolheria algumas músicas para tocar e comentar ao vivo. Apesar de sua vasta experiência em rádio – seu Programa do Zuza, na Jovem Pan, ficou 11 anos no ar –, nunca havia apresentado um programa com o público presente. Mas assumiu o risco. Os resultados, segundo ele, superaram as expectativas.

“No Brasil, o rádio na internet é apenas reprodução do sistema tradicional”

O apresentador às vezes dá a chance de o dono do disco escolhido falar sobre o álbum e sobre os motivos de tê-lo levado ao programa. “Isso permite uma série de esclarecimentos importantíssimos. Formações vêm à tona. Estes são os pontos mais fortes do programa”, acredita Zuza.

Já aconteceu de o compositor da canção escolhida estar presente na plateia; e de gravações raras no Brasil chegarem às mãos do crítico, como aconteceu com a música Outra vez, de João Gilberto, que ganhou muita repercussão na época.

Conectando-se

O Mergulho no Escuro é gravado toda primeira terça-feira de cada mês, à noite, na Sala Vermelha, do Itaú Cultural, e transmitido em tempo real pelo site da instituição, no qual ficam disponíveis também a íntegra das edições anteriores. A possibilidade de utilizar novas mídias tornouse, para Zuza, um dos principais atrativos do Mergulho no Escuro. Ele acredita que a internet traz consigo um novo tipo de ouvinte, mais acostumado com a escuta móvel do que com a tradicional.

No que diz respeito ao modo de fazer rádio na internet, o Brasil ainda não possui padrões estabelecidos: culturas como a dos podcasts (programas de áudio sobre assuntos específicos feitos pela internet para acesso na própria rede), por exemplo, que estão se enraizando nas sociedades norte-americana e britânica, não pegaram no Brasil. Aqui, o que se vê é apenas a disponibilização na internet dos programas tradicionais, caso do Supertônica e do À Beira da Palavra.

Marcello Bittencourt, mestre pela Escola de Comunicação e Artes (ECA), da USP, atua na Rádio USP há quase 30 anos. Passou por diversas funções. Atualmente, é produtor, e está vivendo o que ele chama de “uma relação de amor e ódio” com a emissora. Para ele, a maior mudança provocada pela internet é o fim da espera por um horário específico de audição.

“Agora, você pode ouvir o programa que quiser, quando quiser, com um simples clique. Não dá mais para pensar na ‘audiência de São Paulo’, por exemplo. Com a internet, temos ouvintes no mundo”, diz. O também produtor Julio de Paula caracteriza o momento atual da rádio brasileira como “indefinido”. Uma transição tecnológica ainda está em curso no país. Apesar de uma crescente parcela da população utilizar dispositivos móveis para ouvir rádio, ainda há uma parcela considerável que prefere o sistema convencional.

“A transmissão radiofônica tradicional vai continuar coexistindo com as novas possibilidades tecnológicas”, acredita Julio. E Marcello é da mesma opinião. Acrescenta ainda que o público de rádio é “acumulativo” e a audiência dificilmente será vasta: “Mas isso dá aos programadores a oportunidade de participar da vida das pessoas, o que já é uma grande recompensa. Fazer é mais gostoso do que qualquer outra coisa. É uma diversão. Para quem gosta e está envolvido com cultura, participar desse mundo é um privilégio”.

 

 

 

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