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Edição nº 3 – Junho de 2015

Leonardo Martinelli | Crédito: Helen Gallo

Leonardo Martinelli | Crédito: Helen Gallo

Fundada em 1940, a Escola de Dança de São Paulo é um dos principais centros de formação de crianças, jovens e adultos, assim como a Escola Municipal de Música de São Paulo, criada em 1969. O compositor e professor Leonardo Martinelli cursou música na UNESP, foi curador de concertos do Centro Cultural FIESP e atuou como jornalista na Gazeta Mercantil e na Revista Concerto. Convidado pelo maestro John Neschling a assumir a diretoria de formação da Fundação Theatro Municipal de São Paulo, além da Orquestra Experimental de Repertório, ele fala a seguir dos desafios da educação musical no país.

Quais os princípios da Escola Municipal de Música e da Escola de Dança?
O grande diferencial é garantir um programa curricular que conduza jovens músicos e dançarinos a um processo que os deixem no final desse ciclo, de 9 a 12 anos, em um padrão pré-profissional, prontos para serem contratados por uma orquestra, por uma companhia de dança ou para um teatro de ópera. Há cursos abertos para a comunidade em geral, mas a ênfase é fornecer um serviço público gratuito para que qualquer cidadão possa pleitear uma vaga. Tenho aversão à palavra “mercado de trabalho”, pois não acho que é função de uma instituição cultural pública preparar alunos para o mercado no sentido mais capitalista da palavra. Não nos deixamos sucumbir às falsas tentações dessas demandas. Por exemplo, formar profissionais especificamente para musicais. Essa pode ser uma opção do aluno, mas não é o nosso foco.

Qual é o foco na escolha dos alunos?
Tanto para a dança quanto para a música, parte do processo seletivo visa ao ingresso de jovens ainda não iniciados. O processo testa habilidades gerais e psicomotoras. Não está em julgamento apenas a técnica, mas como são escolas em que o currículo já pressupõe uma iniciação, são realizadas audições, testes práticos. O público é composto por jovens que estudam em escolas livres, que não necessariamente tenham um currículo, uma metodologia ou o rigor como há aqui, mas que proporcionaram algum tipo de iniciação.

E como é o processo de seleção?
Há uma banca com pelo menos três professores que avaliam as audições, sempre considerando e relativizando todos os possíveis problemas, como nervosismo, ansiedade e o próprio cansaço da banca por ouvir muitos alunos em um único dia. É um processo prático, onde o que conta é a entrega artística. Acaba sendo como o vestibular, mas sem as partes que não convêm, como provas de português e de matemática. Em alguns cursos a relação candidato por vaga é maior do que a de medicina na USP, como nos cursos de piano, violão e canto lírico.

Há acompanhamento profissional dos jovens que passam pelas escolas?
Um dos trabalhos singulares feitos está relacionado aos alunos com problemas ou deficiências cognitivas. Por exemplo, alguém que toca muito bem piano, mas que tem problemas com matérias teóricas, básicas no currículo. Temos um programa piloto e pioneiro com uma grande estudiosa, Viviane Louro, especialista em psicomotricidade, deficiência cognitiva, auditiva e física.

O Instituto Baccarelli e a Fundação Bachiana trabalham com jovens de áreas periféricas da cidade. As escolas municipais têm algum programa específico voltado à seleção de jovens carentes e à democratização no acesso à música clássica?
É importante lembrar que, apesar de não estar nas atas ou nas leis que regem estas instituições, o fato de sermos uma escola pública nos leva a cumprir esse papel social. Especialmente referente à música, há vários projetos sociais, no qual fazem um trabalho importante, mas que têm um limite pedagógico claro, e é onde nós entramos. Temos muitos egressos dessas instituições, inclusive há um número considerável de professores que também dão aula no Baccarelli. O projeto social acaba sendo realizado pela gratuidade e pela estrutura que se oferece aqui. As melhores orquestras do Brasil possuem um contingente alto de músicos estrangeiros, porque não foi possível arregimentar profissionais aqui, o que seria até mais barato em proveito do Brasil. Isso gradualmente está mudando e de certa forma também é nossa missão.

E qual o perfil dos alunos que ingressam?
O perfil do artista brasileiro atualmente não é mais o da prole da classe B ou A. Foi-se o tempo em que a elite econômica gostava de ter uma filha ou um filho bem educados, colocavam para falar francês e tocar violino. É interessante como persiste no Brasil um estereótipo que não condiz com a verdade, pois o público da música de concerto não é a elite econômica. Eu sempre brinco, não tenho dinheiro para ver um show de música popular, mas tenho dinheiro para ver uma ópera que é muito mais barata, 40 reais.

Existem outros programas que promovam a inclusão sociocultural por meio da música de concerto?
Nós temos alguns programas ligados ao que chamamos de formação de plateia, com dias de apresentação de duas orquestras jovens. Recebemos alunos das escolas municipais e o grande público. É ótimo ter uma meninada de escola pública assistindo ao concerto de uma orquestra profissional, mas é outra coisa quando eles veem meninos da idade deles se apresentando. Esse é um trabalho singular que fazemos aqui.

A música pode transformar a realidade de um jovem carente, tendo em vista os problemas envolvidos em um contexto de exclusão social?
Eu acho que a música pode modificar a realidade de qualquer pessoa, inclusive a de um jovem carente. Não só como um meio de ascensão social, mas no sentido de sensibilizá-lo enquanto ser humano, o que outras músicas também fazem.

Mas parece haver uma ideia generalizada de que a música tenha necessariamente esse poder transformador.
Não sei até que ponto outros colegas concordam comigo, mas faço questão de frustrar essa ideia de que a música clássica tenha necessariamente esse poder salvador e redentor. Você também tem pessoas de péssimo caráter que são bons músicos.

E qual sua vivência quanto a essa possível transformação?
De certa forma, tenho a imagem da elite paulistana. Sou branco, tenho nome e sobrenome italiano, mas sou filho de professores da rede pública, cresci e morei em um conjunto habitacional até os 28 anos na periferia do Jaçanã. A experiência musical me sensibilizou um pouco mais para as coisas, isso é importante quando a gente fala do poder de transformação da música. Não é só porque você está tirando uma arma e colocando um instrumento musical na mão de um menino. Isso pode ser feito não apenas tornando ele um profissional, ele também pode ser um bom músico amador, um bom ouvinte, alguém que perceba que existem outros mundos possíveis.

Quais as limitações encontradas pela música clássica na atualidade?
O desafio da música é o de superar os seus estereótipos que, com muita frequência, o próprio dia a dia o alimenta. Durante os famosos protestos de junho de 2013 o Theatro Municipal foi pichado, eu era professor da escola e estava na noite em que foi vandalizado. Uma das coisas que picharam era “abaixo a burguesia”. Deu vontade de falar “vem ver quem é a burguesia”, não tinham burgueses lá. Se soubesse de fato quem lá estava, seja no palco, no fosso da orquestra ou nas cadeiras, isso não aconteceria, pois é resultado da desinformação. Por outro lado, o desafio da arte em geral é o de insistir em seu projeto artístico em uma sociedade que relativizou o seu papel, para não dizer que não dá valor à ela de uma maneira geral. O que antigamente se dispensava com a arte, hoje em dia se desperdiça com futilidade. E isso é um problema que não está apenas na agenda da música de concerto, está inclusive na música popular de cunho artístico, na pintura, no cinema, na literatura e até no jornalismo.

 

 

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