Depois de expor no MIS (Museu de Imagem e do Som), ao lado de nomes como Gregory Crewdson, Josef Koudelka e Robério Braga, o paranaense Valdir Cruz inaugura a sede da Galeria Bolsa de Arte, em São Paulo, com a mostra “Cronotopos”, reunião de imagens, ícones de cinco publicações que sintetiza a carreira do fotógrafo.
Em grande formato estão as principais fotografias de O Caminho das Águas (Cosac Naify, 2004), Raízes: Árvores na Paisagem do Estado de São Paulo (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010), Bonito – Confins do Novo Mundo (Capivara, 2010), Faces da Floresta – Os Yanomani (Cosac Naify, 2012) e de sua mais recente publicação, Guarapuava (Terra Virgem, 2014). A mostra tem curadoria de Rubens Fernandes Júnior.
Cruz é um desses artistas que conseguem encontrar o universal no específico. Foi retratando o povo, a cultura e as paisagens do Brasil que ele ganhou prestígio, Atualmente, ele tem fotografias que integram coleções permanentes no MoMa (Museum of Modern Art), em Nova York, na National Gallery, em Washington, e em outros vinte museus espalhados pelo mundo. Radicado nos Estados Unidos há mais de 35 anos, Cruz se formou pela Germain School of Photography em 1983, trabalhou como assistente de George Tice e entrou em contato com a obra do também americano Edward Steichen, que exerceu forte influência em seu estilo de fotografia documental.
Agnaldo Farias, professor e crítico de arte, coloca Cruz no pedestal dos melhores fotógrafos do País. “Um mestre. Ele é excepcional tanto em retrato quanto em paisagens. Suas fotos revelam a vitalidade da vida sob um ângulo diferente. Não é uma natureza morta, é uma natureza pulsante. E os retratos são resultados da grande intimidade e do laço de respeito que ele estabelece com as pessoas. O Valdir entende, como poucos, todo o processo técnico. O trabalho de ampliação dele tem requintes que a gente dificilmente encontra por aí”, compara.
Apesar de ser adepto da fotografia analógica, Cruz não abre mão da tecnologia quando o assunto é o nível de acabamento. Junto com o sócio Leonard Bergson, ele desenvolveu um estudo a partir da carcaça uma impressora Epson, adaptando softwares e criando sete pigmentos a fim de que suas ampliações digitais tivessem o mesmo refinamento das cópias máster, em gelatina de prata. O resultado são impressões em PB, que, à percepção visual, são tão ornadas em cores quanto qualquer imagem colorida.
Em entrevista, concedida por e-mail, Cruz fala sobre sua última publicação, “Guarapuava”, relembra sua primeira mostra individual, critica o modelo burocrático do MinC (Ministério da Cultura) e conta sobre o seu novo estudo fotográfico: os pacientes do Hospital de Câncer de Barretos.
Em entrevista à Anne Wilkes Tucker, você disse, com relação ao projeto Amazônia/Venezuela, que nunca fotografou ninguém que não pudesse ser espiritualmente o sujeito de uma foto. Acredito, pela sensibilidade de suas outras fotografias, que esse critério não esteja restrito às comunidades indígenas. Qual característica revela que alguém tem “potencialidade” para um retrato?
Sinto-me melhor em dar início ao ato de fotografar, a partir do momento que sinto que fui autorizado espiritualmente. Para tanto, é preciso ganhar a confiança do retratado. Quando trabalho num retrato, sou atraído pelo contato direto com a pessoa, com a amizade travada e com a confiança em mim depositada. Portanto, um bom retrato depende sempre da parceria fotografo-sujeito.
Na mesma entrevista você revelou seu lado patriota. “Eu sou um fotógrafo brasileiro, e se eu voltasse e vivesse mais duas vidas, eu ainda teria assuntos para fotografar no Brasil”. Suponhamos que você ganhe mais essas duas vidas. Especificamente, quais outras regiões ou assuntos gostaria de fotografar?
Facilmente dedicaria outra vida à Amazônia. Vários outros estudos tomariam minha terceira vida. Como por exemplo, um estudo sério sobre o trabalho escravo e a exploração infantil, de ponta a ponta no Brasil.
Você optou por documentar o lado “exótico” de Guarapuava: os índios, os ciganos, os imigrantes, comunidades, paisagens – o rural em vez do urbano -, com o objetivo de documentar a história não oficial. Teme que quem não conheça a cidade e tenha contato com o seu trabalho, principalmente os americanos, possa ter uma visão caricaturada de Guarapuava?
Não considero ter fotografado o lado exótico de Guarapuava, mas, sim, o lado realista do município. A maioria dos retratados são pessoas invisíveis perante a sociedade. Poucos são de um núcleo familiar mais distinto historicamente. Estão, também, presentes na publicação porque representam parte do todo. Assim, apresenta-se um histórico rico em seu estudo, e, até então, não publicado. Nunca seremos caricaturas, pois o estudo de Guarapuava hoje já está na coleção permanente de fotografia de cerca de oito museus no exterior e ao menos três no Brasil. Creio que isto represente a confirmação da seriedade do trabalho.
Você coletou mais de 4.500 negativos nas viagens que fez a Guarapuava nos últimos 30 anos. Na sua percepção, o que mudou em Guarapuava durante esse período?
Houve um avanço na parte de oportunidade aos jovens. Em meu tempo, a região não era um núcleo universitário. Mas o desenvolvimento político, econômico e cultural, pouco mudou. Ainda há as mesmas dificuldades dos menos favorecidos. Por isso, a minha opção em dar visibilidade às pessoas que estão à margem do sistema.
Acredita que se tivesse decidido pela carreira de fotografo, ainda em Guarapuava, e residindo durante todo esse tempo no Brasil, teria condições de ter alcançado a visibilidade que tem hoje?
Dificilmente teria tido as mesmas oportunidades. Fui e sigo sendo uma pessoa abençoada desde a escolha da fotografia como meu oficio. Muito pelo fator de estar no momento e no local certo… bênção divina!
Quais são as dificuldades de viabilizar um projeto fotográfico no Brasil?
Muitas são as dificuldades de se viabilizar um projeto fotográfico por aqui, principalmente, a falta de conhecimento de como se movimentar dentro das possibilidades existente no País. São mínimas as iniciativas privadas, governamentais e institucionais e o formato oferecido pelo Minc é complicado e limitado. Perde-se bastante tempo nesta parte kafkiana, burocrática, e o profissional precisa ter muito foco e persistência para conseguir alavancar seus projetos.
Sua primeira mostra individual foi no Parque de Exposições L. Wernek, em 1982, quando ainda não tinha ingressado na Germain School of Photography. Conte-me como foi e em quais circunstâncias aconteceu essa exposição. O que mudou no seu olhar fotográfico de lá para cá?
De lá para cá mudou tudo. Eu não tinha ideia do que fazia naquela época. A mostra foi meu primeiro agrupamento de imagens coloridas, que era como exercia minha fotografia no início. Foi um convite de uma pessoa querida, uma grande amiga – a estimada Vera Kuster. Realmente, hoje, quando olhamos pra trás rimos muito de nossa audácia. Parte da vida é ser agressivo e tentar não perder oportunidades. E aquela foi a primeira que tive.
Em que fase está o projeto Retratos de Afeto?
Em uma das partes mais belas de um projeto documental como esse. O momento no qual conheço pessoas maravilhosas, seres humanos que me dão razão pra acreditar na vida e seguir meu ofício. A convivência do dia a dia vai permitindo a confiança, e, desta forma, torna-me invisível perante essas almas maravilhosas. Então, pouco a pouco, permitindo o click, na esperança de um retrato digno que venha a representar este momento único de luta pela vida.
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